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2 REVISÃO DA LITERATURA

6.4 Evidências de disfunção autonômica cardíaca

6.4.3 Padrão de captação e de distribuição da 123 I-MIBG pelas paredes do ventrículo

6.4.3.2 Padrão de distribuição heterogênea da 123 I-MIBG pelas paredes do VE

As imagens tomográficas só foram adquiridas tardiamente (após três horas), apesar de permitirem, quando adquiridas conjuntamente precoces e tardias, a avaliação do

washout regional da 123I-MIBG (KURATA et al., 2000). Os motivos para obtenção de

imagens tomográficas apenas tardiamente foram: a intensa radiação de fundo (expressão da captação não-neuronal 123I-MIBG) presente nas imagens precoces (TSUCHIMOCHI et al.,

1995; SATO et al., 2003); a sua acurácia em adequadamente avaliar a concentração da 123I- MIBG intravesicular (NAKAJO et al., 1983b; HENDERSON et al., 1998; FLOTATS; CARRIÓ, 2004); o pico de concentração do material no fígado ocorrer aos 60 minutos de sua administração (MOROZUMI et al., 1997); o relato de poucos casos com acentuada

redução da captação miocárdica nas imagens tardias que impedissem a análise das imagens tomográficas.

A análise das imagens tomográficas nas crianças não apresentou maiores dificuldades. A hipocaptação causada pela atenuação da radiação pela ma ma foi descrita como defeito “concordante” e encontrada em apenas uma paciente, a causada pelo diafragma não foi encontrada; por outro lado, a intensa captação da 123I-MIBG pelo fígado

ou a sua retenção no abdômen dos pacientes em DPAC interferiu mais nas imagens, aumentando a captação do material radioativo pela parede inferior. Observou-se também, em todos os pacientes, redução da captação da 123I-MIBG na porção basal do septo ventricular de maior extensão que a visualizada nas imagens perfusionais (99mTc- tetrofosmin), sugerindo menor extensão da inervação em relação à perfusão no septo interventricular, conforme já descrito por Morozumi et al. (1997).

O padrão de distribuição da 123I-MIBG pelas paredes do VE (imagens de inervação) foi analisado simultaneamente ao padrão de distribuição do 99mTc-Tetrofosmin (imagens de perfusão miocárdica). A análise tomográfica foi possível em 31/40 (77,5%) pacientes, identificando-se uma distribuição homogênea pelas paredes do VE em 53% dos pacientes e a presença de defeitos focais “não-concordantes” (presentes na inervação e ausentes na perfusão) em 47%. Os pacientes em tratamento dialítico representaram 10/16 (62,5%) dos pacientes com defeitos focais “não-concordantes”, cuja extensão variou de três a 20% de comprometimento da captação da 123I-MIBG pelo VE. Dentre os que apresentaram distribuição heterogênea da 123I-MIBG, aqueles com defeitos mais extensos

(percentual de acometimento da massa estimada do VE) pertenciam ao grupo em HD (p = 0,036).

Os defeitos visualizados corresponderam à parede apical e ínfero-apical em concordância com Gill et al. (1993) e Morozumi et al. (1997). Por vezes, foi difícil excluir

a possibilidade de artefatos gerados pela intensa captação em órgão vizinhos (fígado) ou decorrentes de afilamento fisiológico da parede apical do VE, embora possam estar refletindo desequilíbrio na inervação simpático-parassimpático potencialmente arritmogênica (ZIPES et al., 1983; GILL et al., 1993), semelhante à maioria das miocardiopatias (hipertensiva, diabética, chagásica) cujos defeitos se manifestam primeiramente nessas regiões (PATEL; ISKANDRIAN, 2002).

Até o presente momento, o padrão de distribuição fisiológico da 123I-MIBG no miocárdio normal não está completamente estabelecido (TSUCHIMOCHI et al., 1995). Kline et al. (1981) relataram haver uma redução da captação na parede septal do VE enquanto Sisson et al. (1987) sugeriram que esta redução ocorreria apenas no ápice do coração. Gill et al. (1993) descreveram um padrão de distribuição heterogêneo da 123I-MIBG

pelo miocárdio de maneira similar ao presumível padrão fisiológico de distribuição da inervação simpática. Tsuchimochi et al. (1995) acreditam que a redução da captação da 123I- MIBG na parede inferior do VE esteja relacionada à idade do paciente, concordante com o progressivo incremento da atividade simpática e a maior sensibilidade do miocárdio às catecolaminas com a idade. Morozumi et al. (1997) sugeriram que a redução da captação pela parede inferior seja um artefato produzido por atenuação diafragmática ou pela alta atividade radioativa do fígado. Trabalhos mais recentes descrevem um padrão de distribuição mais homogêneo que o previamente descrito (TSUCHIMOCHI et al., 1995), concordante com os trabalhos empregando emissores de pósitrons (BENGEL; SCHWAIGER, 2004).

Não se sabe ao certo o que leva a este padrão de distribuição heterogêneo pelas paredes do VE e quais são suas repercussões clínicas (SIMMONS et al., 1994; DAE et al., 1997; PATEL; ISKANDRIAN, 2002). Postulou-se a existência de uma correlação fisiopatológica entre a distribuição da inervação simpática cardíaca e a arritmogênese cardíaca.

Os estudos realizados em diferentes miocardiopatias potencialmente relacionadas a taquiarritmias e a morte súbita apresentam um padrão de distribuição heterogêneo da 123I-MIBG (PATEL; ISKANDRIAN, 2002). Na miocardiopatia dilatada, os defeitos são difusos; após-IAM, são focais e restritos aos segmentos necróticos e, sabidamente associados à ocorrência e a severidade de arritmias (ZIPES et al., 1990; McGUIE et al., 1991; YUKINAKA et al., 1998); no diabetes mellitus, acometem a parede inferior; na hipertensão essencial se acompanham de hipertrofia septal e acometem a parede ínfero-lateral; na hipertensão pulmonar acomete a parede septal do VE e após transplantes cardíacos a reinervação se inicia pela parede ântero-lateral do VE (TOBA et

al., 1998; PATEL; ISKANDRIAN, 2002). Na DRC não há definição de um padrão

específico embora, tenha sido relatada a presença de defeitos de captação da 123I-MIBG na

parede inferior do VE nos trabalhos que empregaram a técnica tomográfica (KURATA et

al., 2000; MIYANAGA et al., 1996) à semelhança do descrito no presente estudo.

Patel; Iskandrian (2002) entendem que o padrão de distribuição da 123I-MIBG pelas paredes do VE pode ser a principal ferramenta para detectar a presença de disfunção autonômica cardíaca em pacientes sem manifestações clínicas. No presente estudo, não encontramos pacientes que apresentassem um padrão de distribuição heterogêneo do material radioativo que também não tenham apresentado valores elevados para o washout cardíaco da 123I-MIBG embora todos fossem assintomáticos. Ainda assim, nesta casuística e conforme será discutido adiante a associação entre o padrão de distribuição heterogêneo da 123I-MIBG e componente LF da VFC nos faz supor que este padrão possa ser decorrente

da disfunção autonômica cardíaca e não uma variação do padrão normal ou da atenuação da radiação.