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Padrões de consumo e estratégias de controle

7. PADRÕES DE CONTROLE ENTRE USUÁRIOS: O CONSUMO DE CRACK E SUAS MEDIAÇÕES

7.3. Padrões de consumo e estratégias de controle

Como foi apontado anteriormente, usuários com padrão de consumo controlado são comumente identificados, indicando um contraponto à visão hegemônica do indivíduo anulado, escravizado pelo crack. Apesar disso, o usuário de crack vive em um processo de exclusão social no Brasil (MOREIRA, 2013), que desenvolve atribuições de causalidade dessa prática com a criminalidade e a pobreza.

Porém, o indivíduo que se relaciona com o crack possui outros destinos, além daqueles propagados socialmente. A “cadeia e o cemitério” são alguns deles, mas não os únicos nem os mais frequentes. Dias et al. (2011) ao analisar 107 usuários de crack após mais de uma década de alta hospitalar, observou que se distinguiam pelo menos três grupos: pessoas que se mantinham abstinentes estáveis por mais de cinco anos; outros que viviam em alternância entre períodos de consumo e abstinência; e usuários que se mantiveram estabilizados em consumo frequente por esse período.

Nesse sentido, os entrevistados apresentam características distintas, tanto em relação à sua imagem como em termos de seu envolvimento com a droga. Esses usuários demonstram que os padrões de consumo de crack variam consideravelmente no decorrer do histórico de uso e do indivíduo envolvido. O que se observa é a existência de episódios de uso compulsivo, mas que não definem o histórico de consumo do usuário.

Poucas vezes né? Porque muitas vezes eu usava o que? 30, 40 ou se não fumava três, quatro gramas. Era só quando assim, quando eu estava afim mesmo batia aquela ansiedade de “porra, hoje eu vou dar uns pegas” e eu

me internava mesmo. Aí amanhã eu já não fumava né? Dava um tempo de me recuperar. Aí quando fosse no sábado aí eu já usava. (...) Mas, o crack, véi, ele é o demônio em pessoa. Apesar de que eu nunca passei não, mas ver muitos jovens acorrentados em casa para não ter que tirar de dentro de casa, para não ter que roubar os outros (João, 28 anos).

Essa característica foi apontada também em outro estudo, demonstrando que os usuários apresentam um envolvimento com o crack que se alterna entre períodos de abstinência e situações de usos episódicos, nos quais a compulsividade se presentifica (MOREIRA, 2013). Apesar disso, os registros que os usuários entrevistados recordam dessas experiências se caracteriza absolutamente pela ingestão intensa da substância. Considera-se que, a eficácia simbólica decorrente dessas representações hegemônicas pode estabelecer fronteiras de possibilidades, limitando o repertório de escolhas desses usuários. Como afirma Malheiro (2013), é típico o não reconhecimento das ações de controle social informal, de estratégias de controle desenvolvidas no cotidiano, pelos usuários. O que se evidencia majoritariamente na experiência de uso são as expectativas e representações e não a vivência singular do que se passou.

As experiências relatadas indicam que os usuários possuem sempre alguma estratégia que limita o consumo a um dado nível, tornando-se adequado se pensar a prática em termos de padrões de controle. A vivência de um uso intenso foi comum a quase todos os usuários, mas essa intensidade era mediada por marcadores diversos, como o trabalho, a família, as expectativas na construção de projetos para o futuro. Além disso, a compreensão dos efeitos negativos, decorrente da maturidade no uso, foi indicado como importante estratégia, a qual se desenvolve por mediações distintas. “Rapaz, eu coloquei na minha cabeça que eu não

queria, que não queria e não queria mesmo. E parei. Eu fumava, fumava e passava um tempo, passava um tempo sem fumar, depois voltava. Aí eu controlava” (Valéria, 23 anos).

Ele sabe que se ele não se controlar ele vai perder tudo o que ele tem. Eu tenho um colega meu que vendeu a casa dele e vendeu tudo. A casa dele era boa mesmo. Tudo do bom e do melhor. Vendeu tudo de dentro de casa. A droga descontrolou ele. Era para ele fumar a droga, não a droga deixar fumar ele. Eu acho que na minha opinião podia ser isso né? Eu acho que esses que fumam controlado, pensam: esse dinheiro é para fazer a minha curtição de boa, então depois daqui eu vou para a minha casa dormir e amanhã vai ser um novo dia para mim trabalhar de boa. Fuma, mas já vai com a consciência já naquele objetivo de não querer desbaratinar as coisas

que tem né? (Aline, 21 anos).

No trabalho eu não fazia uso, porque eu pensava na responsabilidade, sabendo que eu era fraco fazendo. Porque eu trabalho em uma firma terceirizada e ela manda eu para muitos cantos e aí os cantos que ela me manda tem foco de droga e eu sempre me segurando, porque a droga no meu corpo fala muito alto (Leonardo, 29 anos).

Se eu estava com 50 reais eu não ia gastar esse 50 todo. Eu olhava, comprava uma carteira de cigarro e começava a analisar “vou comprar duas, vai sobrar quanto? Vai sobrar ainda 25”. E eu ainda comprava a carteira de cigarro, cinco reais, ainda sobrava 25. Aí antes de eu usar, eu fazia o seguinte, chegava em casa, dava 15 reais a mulher e ficava com dez, porque eu pensava em que? Eu pensava em usar aquelas duas, tomar uma cerveja e ficar de boa. Não ia atrás mais né? Eu não ficava doido no meio da rua, a fim de vender alguma coisa. Eu nunca troquei moveis, eu nunca

troquei roupa (Bruno, 35 anos).

Desse modo, o consumo é sempre mediado por diferentes marcadores, que podem ser decorrentes dos rituais e técnicas de consumo, da modificação da imagem do corpo ou da percepção de deterioração orgânica, assim como da vinculação social do usuário.