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Panorama da Coleta Seletiva no Brasil

2 O OBJETO DE ESTUDO

2.1 A COLETA SELETIVA

2.1.1 Panorama da Coleta Seletiva no Brasil

A primeira experiência brasileira de coleta seletiva induzida (infelizmente não registrada) ocorreu em São Paulo, na década de 1960. Em 1978, tentativa semelhante aconteceu em Porto Alegre (RS) e em 1985, nos municípios de Niterói (RJ) e Pindamonhangaba (SP) (BRASIL, 1985). Para Demajorovic (1996), houve grandes mudanças na coleta seletiva nas últimas décadas: inicialmente, a prioridade era a disposição final dos resíduos gerados na cadeia produtiva, o que foi sendo alterado a partir de 1975, quando os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) começaram a propor a redução na quantidade, a incineração e o aterramento. Os resultados surgiram nos anos 1980, quando o mercado de reciclagem cresceu bastante, gerando empregos e retornos econômicos e financeiros. Ultimamente, o foco é o incentivo à reutilização, ao uso de tecnologias limpas e o desestímulo à geração de resíduos, com o planejamento feito desde o início da cadeia produtiva (DEMAJOROVIC, 1996).

Desde os anos 1990, com o aumento do consumo das famílias, a questão dos resíduos sólidos tem ganhado notoriedade no Brasil: o Ministério do Meio Ambiente (MMA) mostrou que o lixo já era visto como um problema ambiental por 28% dos brasileiros em 2012, número que era de apenas 4% em 1992; para 47% dos entrevistados, o lixo representa o principal problema ambiental urbano (BRASIL, 2012). Em virtude disso, diversos grupos começaram a observar a coleta seletiva com maior atenção: as autoridades perceberam-na como parte integrante da sustentabilidade urbana; o mercado interessou-se pelas possibilidades de negócios e; um grande contingente populacional integrou o setor de reciclagem, estimulado pela oportunidade de trabalho e renda.

Em 2010 foi aprovado um dos principais documentos brasileiros sobre a gestão integrada do lixo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010a). Além de reconhecer o resíduo sólido como um bem econômico e de valor social, a lei prevê o incentivo à indústria de reciclagem e aos programas de coleta seletiva, reforçando a articulação entre as diferentes esferas do poder público. A lei é clara ao priorizar o acesso a recursos da União aos Estados e Municípios que

organizarem a gestão integrada de resíduos (BRASIL, 2010a, art. 16). Já no Plano Nacional de Resíduos Sólidos, são listadas inúmeras metas e diretrizes para a implantação da PNRS, dentre as quais destaca-se a elaboração de planos estaduais e municipais de gestão de resíduos sólidos (BRASIL, 2011), tarefa inicial e condição imprescindível para que os entes possam receber apoio federal destinado à limpeza pública. O prazo para a entrega dos Planos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos era agosto de 2012; contudo, em 2013, apenas 33% dos municípios os possuíam (IBGE, 2014); quanto às unidades da federação, em 2015, 22% haviam finalizado o Plano Estadual de Resíduos Sólidos, 63% estavam em elaboração e o restante nem o havia iniciado (CNM, 2015a).

Com ou sem plano formal, a estimativa mais otimista é que 2.283 municípios brasileiros (41% do total) (IBGE, 2012; BRASIL, 2014; CEMPRE, 2012; ABRELPE, 2012)11 ofereçam programas de coleta seletiva, atendendo pouco mais de 53 milhões de pessoas (28% do total) (IBGE, 2010b). A cobertura é muito baixa quando comparada à coleta regular, que chega a quase 98% dos municípios (BRASIL, 2014) e a 180 milhões de pessoas (IBGE, 2010b).

No que toca à distribuição, a coleta seletiva está concentrada nos grandes centros urbanos e em determinadas regiões do país: 97% dos municípios com mais de 500 mil habitantes e 82% dos que têm entre 100 e 500 mil habitantes manifestaram possuir coleta seletiva, número que chega a 61% nos municípios entre 50 e 100 mil habitantes e diminui para 37% nos de até 50 mil habitantes; as regiões Sul e Sudeste têm, respectivamente, 66% e 54% dos seus municípios com alguma iniciativa de coleta seletiva, percentuais que são de 30% no Centro-Oeste, 20% no Norte e 20% no Nordeste. Mais do que isso, Sul e Sudeste abrangem 74% de todos os municípios que oferecem o serviço (BRASIL, 2014; IBGE, 2012; CEMPRE, 2012; ABRELPE, 2012). Moutinho (2013) observou que “quanto maior a renda média domiciliar per capita e quanto maior o Produto Interno Bruto per capita do município maior a vantagem em favor da ocorrência de coleta seletiva no município” (p. 131). Para mudar o panorama, o IPEA (2012) defende maior atenção à reciclagem em municípios de médio porte, que têm aumentado os resíduos e não são

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O valor de 41% foi obtido pela análise conjunta das quatro principais pesquisas sobre o tema. Isso foi necessário porque cada uma delas apresentou um resultado diferente para a quantidade de municípios que oferecem programas de coleta seletiva: o CEMPRE (2012) encontrou 14%; o SNIS, 20% (BRASIL, 2014); o IBGE (2012), 32% e a ABRELPE (2012), 60%. Para encontrar um valor adequado, os dados originais foram comparados, tanto para este indicador quanto para outros apresentados no decorrer do trabalho. No Apêndice A está a tabela comparativa das 4 pesquisas.

contemplados com tantos programas de coleta seletiva. Outro ponto é a coleta mais frequente e organizada em áreas rurais que, ultimamente, têm tido maior acesso a bens industrializados e geram maior quantidade de resíduos normais e perigosos, como pilhas, baterias, produtos químicos etc.

Os sistemas de coleta seletiva podem ser institucionalizados em três modelos distintos: obrigatório (com legislação específica que force a participação);

supervisionado e induzido (quando o poder público auxilia na organização, na

fiscalização e na conscientização) e; voluntário (através da ação comunitária catalisada por instituições privadas, com ou sem ajuda do governo) (BRASIL, 1985). No caso brasileiro, o modelo mais adotado tem sido o induzido: a Administração Pública direta é responsável pelo manejo dos resíduos sólidos em pelo menos 3.339 municípios (60% do total e 93,5% dos pesquisados) (BRASIL, 2015). O sistema induzido é mais incentivado porque tem como objetivo a proteção ambiental e a preservação da utilidade dos bens recuperados, e não somente a diminuição da disposição do lixo, como no modelo obrigatório (BRASIL, 1985).

Dentre as modalidades de descarte oferecidas pela coleta seletiva predomina no Brasil a realizada porta-a-porta, presente em 87% dos municípios; o percentual é quase duas vezes maior que o dos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs), disponíveis em 46% das cidades (BRASIL, 2014; CEMPRE, 2012). Em qualquer uma das modalidades destaca-se o trabalho das cooperativas e associações de catadores, que possuem alguma parceria (formal ou informal) com 55% dos municípios com coleta seletiva (BRASIL, 2014; IBGE, 2012; CEMPRE, 2012). Conforme já mencionado, as cooperativas realizam um trabalho essencial na cadeia da coleta seletiva, o qual é complementado pela atividade informal de catadores e sucateiros autônomos. Na verdade, no último censo demográfico (IBGE, 2010a), 387.910 pessoas declararam possuir como profissão principal a catação de materiais recicláveis (SILVA et al., 2013), número que pode chegar a 600 mil (FREITAS; FONSECA, 2012); desse total, apenas 10% deles seriam cooperativados ou associados.

O volume de resíduos recolhido pelas cooperativas, pela prefeitura ou pelos outros agentes executores da coleta seletiva já foi mensurado no Brasil, mas de forma muito menos precisa. A dinâmica dispersa da atividade de catação e a falta de infraestrutura (e.g. balanças de pesagem) deixam o controle precário e não rotineiro (BRASIL, 2014). A estimativa é que em 2013 tenham sido recolhidos seletivamente

12,8 kg/cap (BRASIL, 2015), volume muito próximo ao recolhido em 2008 (12,3 kg/cap) (IBGE, 2010b), e que representa apenas 3,7% dos 350 kg/cap coletados de maneira regular (CEMPRE, 2012; BRASIL, 2014). Nota-se que o Brasil desperdiça muito material que poderia ser transformado e reinserido na cadeia produtiva: cerca de 50% do resíduo domiciliar refere-se à matéria orgânica (29 milhões de toneladas), das quais apenas 240 mil (menos de 1%) foram enviadas a unidades de compostagem (ABRELPE, 2012; BRASIL, 2014); um terço do resíduo domiciliar seria de recicláveis secos, do qual apenas 11,6% foram coletados de forma seletiva (BRASIL, 2015). Se todo esse montante que é indevidamente encaminhado aos aterros e lixões fosse reciclado, isso poderia gerar benefícios de quase R$ 8 bilhões anuais, bem superiores aos valores atuais que figuram entre R$ 1,4 e R$ 3,3 bilhões (IPEA, 2010). A perda de recicláveis implica em desperdício de recursos naturais, tanto dos que estão presentes nos materiais não aproveitados, quanto dos que serão usados para aterrá-los ou dos que estão na matéria-prima virgem que os substitui.

O baixo volume recolhido pela coleta seletiva também pode ser explicado pela participação da população: mais de 80% da população disseram que a separação é tarefa de todos e que estariam dispostos a reciclar (IBOPE, 2014; BRASIL, 2012; WWF-IBOPE, 2012), mas pouco menos da metade (48%) afirma fazê-lo, efetivamente (CNI, 2014; BRASIL, 2012; MMA-WALMART, 2010)12. O fato de se separar os resíduos em casa não significa que isso seja feito corretamente; descobriu-se que 70% jogam pilhas e baterias no lixo doméstico, 66% jogam remédios, 33% descartam tintas e solventes e 39% despejam óleo de cozinha na pia (MMA-WALMART, 2010); 84% nunca ouviram falar da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e 75% não têm conhecimento de alguma lei sobre o lixo (WWF- IBOPE, 2012).

A separação correta não significa que os rejeitos vão deixar de existir. Todos os tipos de tratamento geram algum tipo de sobra a ser descartada, preferencialmente em aterros sanitários. Infelizmente a realidade do Brasil não é animadora e ainda existem mais de 2.000 lixões no país (IBGE, 2010b; IPEA, 2012), que recebem pelos menos 24% do total de resíduos coletados. A fim de mudar esse panorama (BRASIL, 2011), seria indispensável a construção de 448 aterros

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Algumas pesquisas evidenciaram percentuais menores de pessoas que sempre separam o lixo (26% – IBOPE, 2014; e 23% – AKATU, 2013).

sanitários (8 em capitais, 248 em cidades do interior e 192 de pequeno porte) (ABLP, 2011), algo que pode demorar, dado que a eliminação total dos lixões, marcada para 2014, está novamente em processo de prorrogação (SALOMÃO, 2015).

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