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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

4. E-GOV E E-SERVIÇOS NO CONTEXTO BRASILEIRO

4.2 Panorama do uso da internet e do governo eletrónico

Como já pontuado anteriormente, a dimensão e a diversidade socioeconómica do Brasil se refletem em vários indicadores de desenvolvimento. O uso das TIC é um deles, que tem sustentado níveis expressivos de crescimento nos últimos anos, o que inclui a penetração da

internet de alta velocidade e as taxas de sua utilização no país. Enquanto o uso da internet tem permanecido constantemente acima da média da América Latina e Caribe e do mundo, está cerca de 20% abaixo da média dos membros da OCDE, demonstrando potencial significativo de melhoria em matéria de digitalização e inclusão social, conforme indicado na Figura 9.

Figura 9. Uso da internet pelos cidadãos

Fonte: OCDE (2018, p. 3)

A pesquisa TIC Domicílios/2016 oferece dados úteis para a compreensão dos tipos de utilizadores de e-serviços no Brasil, contribuindo assim para o delineamento dos procedimentos metodológicos, bem como para a análise e discussão dos resultados deste trabalho. Tal pesquisa indica que, a despeito da internet estar presente em 54% das casas brasileiras, dos domicílios das classes33 D/E apenas 23% encontram-se a ela conectados. Já naqueles pertencentes às classes A e B, o índice de inclusão digital é de 98% e 91%, respetivamente. Em residências conectadas, as conexões móveis são encontradas em maiores proporções nas classes D/E, na Região Norte e nas áreas rurais, ou seja, tanto nas classes menos favorecidas (com limitações no desenvolvimento de competências tecnológicas), quanto nas regiões com conectividade restrita. Considerando os domicílios desconectados, os motivos alegados para não possuir acesso à internet são variados. O custo elevado permanece sendo o principal deles,

33 Refere-se à classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divide a população brasileira em cinco classes sociais de acordo com o rendimento familiar bruto mensal, mensurado em salários mínimos: a primeira (A) engloba quem recebe mais de vinte salários mínimos; a segunda (B) compreende quem ganha mais de dez até vinte salários mínimos; a terceira (C) vai de mais de cinco até dez salários mínimos; a quarta (D) vai de mais de dois até cinco salários; e a quinta e última (E) compreende aquelas famílias que recebem até dois salários mínimos (Rosa, 2015).

correspondendo à realidade de 57% dos domicílios, seguido pela falta de interesse (49%) e ausência de computador (44%). Destacam-se ainda a falta de necessidade (45%) e a falta de habilidade para usar a internet (39%) (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2017).

Os indicadores de utilização da internet para acessar as informações da administração pública brasileira ou para interagir com ela por meio de e-serviços públicos oferecem pistas relevantes para analisar o desempenho do governo digital do país como um todo. A citada pesquisa indica que após o crescimento verificado entre 2014 (50%) e 2015 (59%), a proporção de utilizadores da internet que declaram ter acessado e-serviços ficou estável em 2016, em 61%, número equivalente a 57 milhões de brasileiros. Sobre este tema, a citada pesquisa indicou ainda o que segue (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2017):

a) O uso de governo eletrónico aumenta quanto mais alto for o rendimento familiar dos indivíduos, chegando a 87% entre indivíduos com um rendimento familiar superior a dez salários mínimos, e a 43% na faixa de rendimento de até um salário mínimo brasileiro34;

b) A proporção de utilizadores de governo eletrónico foi mais alta entre indivíduos que pertencem à população economicamente ativa (65%) do que entre os não economicamente ativos (46%), e também entre indivíduos com o Ensino Superior (80%) em relação àqueles que possuem ao Ensino Médio (64%) ou Fundamental (36%);

c) Dentre as atividades de governo eletrónico investigadas pela pesquisa, apenas a busca de informações ou realização de serviços relacionados com direitos do trabalhador ou previdência social apresentou uma variação significativa em 2016 (Figura 10);

d) As atividades relacionadas com impostos e taxas governamentais foram as que menos demandaram deslocamento a um posto de atendimento, podendo ser realizadas integralmente on-line (10%);

e) Outras atividades que se destacaram e permaneceram no mesmo patamar observado em 2015 foram os serviços relacionados com a educação pública, impostos e taxas governamentais e documentos pessoais;

f) Entre os serviços iniciados na internet e finalizados em um posto de atendimento, o tipo mais citado foi aquele relacionado com os documentos pessoais (9%);

g) Finalmente, os serviços relacionados com os direitos do trabalhador ou previdência social, que foram os mais usados em 2016, também foram os que apresentaram maior

34 Correspondente a R$1.039,00, valor equivalente a U$255,45, convertido com base em cotação desta moeda norte americana em 8 de janeiro de 2020, segundo Banco Central do Brasil (2019b).

percentagem de utilizadores de governo eletrónico que apenas buscaram informações na internet (16%).

Figura 10. Total de utilizadores de internet por tipo de informações referentes a serviços públicos procurados ou serviços públicos realizados (2015 – 2016)35

Fonte: Comitê Gestor da Internet no Brasil (2017, p. 153)

A pesquisa TIC Domicílios/2016 indicou ainda que entre os utilizadores de internet com 16 anos ou mais que não realizaram nenhum dos serviços de governo investigados na pesquisa, o motivo mais citado foi a preferência pelo contato pessoal (61%), seguido da falta de necessidade para busca de informações ou realização de serviços públicos (52%), a perceção de que o contato com o governo pela internet é complicado (49%) e pela preocupação com proteção e segurança dos dados (47%).

Em complemento, cabe também levar em conta os resultados da pesquisa TIC Governo Eletrónico (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2018). A terceira edição da pesquisa mostra uma presença crescente dos órgãos públicos brasileiros na internet. Aproximadamente três em cada quatro órgãos públicos federais e estaduais (77%) e prefeituras (75%) do país afirmaram possuir perfis próprios em redes sociais on-line. Pela primeira vez, foi levantada a existência de perfil ou conta em aplicativos como WhatsApp ou Telegram, mencionada por 25% dos órgãos públicos federais e estaduais e por 17% das prefeituras (Figura 11).

35 Total de utilizadores da internet com 16 anos ou mais (%).

Direitos do trabalhador ou previdência social, como INSS, FGTS, seguro-desemprego, auxílio-doença ou aposentadoria Educação pública, como Enem, Prouni, matrícula em escolas ou universidades públicas Impostos e taxas governamentais, como declaração de imposto de renda, IPVA ou IPTU Documentos pessoais, como RG, CPF, passaporte ou carteira de trabalho

Saúde pública, como agendamento de consultas, remédios ou outros serviços do sistema público de saúde Transporte público ou outros serviços urbanos, como limpeza e conservação de vias e iluminação Polícia e segurança, como boletim de ocorrência, antecedents criminais ou denúncias

Figura 11. Órgãos públicos federais e estaduais que disponibilizaram recursos por meio de dispositivos móveis nos últimos 12 meses, por tipo de recurso e nível de governo (2017)

Fonte: Comitê Gestor da Internet no Brasil (2018, p. 132)

Pode-se destacar ainda os seguintes achados desse estudo:

a) Entre as prefeituras, aumentou a proporção daquelas que possuem site, passando de 88%, em 2015, para 93%, em 2017;

b) A oferta de serviços transacionais ainda não está completamente disseminada nos três níveis de governo, permanecendo como mais frequentes os e-serviços com possibilidade de descarregar documentos ou formulários (83%) e o preenchimento ou envio de formulários (55%);

c) Em 2017, 18% das prefeituras que estão entre o público-alvo do estudo afirmaram ter algum plano ou projeto de cidades inteligentes, proporção esta que chega a 77% nas capitais e a 70% nos municípios com mais de 500 mil habitantes;

d) o conceito de governo aberto também tem estimulado a adoção de estratégias que promovem o acesso à informação pública e participação dos cidadãos, como demonstra a percentagem de órgãos estaduais que disponibilizaram um serviço de solicitação de acesso à informação no site da entidade (64% dos órgãos estaduais e 89% dos federais);

e) Entre os tipos de conteúdo medidos, os menos citados entre os órgãos federais foram a publicação na internet de catálogo de serviços públicos (83%) e de documentos com os resultados dos objetivos, planos e metas dos órgãos (81%), enquanto na esfera estadual os conteúdos menos disponibilizados foram os catálogos de serviços públicos (72%), documentos

Website adaptado para dispositivos móveis Aplicativos criados pelo órgão público Aplicativos criados por terceiros a partir de informações/dados disponibilizados pelo órgão público Envio de menssagens por Whatsapp Envio de SMS para o cidadão Aplicativos criados pelo órgão público Recebimento de SMS enviado pelo cidadão Transações e pagamento

com objetivos, planos e metas (68%) e documentos com os resultados dos objetivos, planos e metas (59%).

Na comparação internacional, importa registar que a décima edição do relatório E- government Survey 2018 (United Nations, 2018), que avalia o estado do desenvolvimento do governo digital dos 193 estados membros, indica que o Brasil saiu da 51ª para 44ª posição, passando de 0,63 para 0,73 no índice geral de desenvolvimento de governo eletrónico (Quadro 7).

Quadro 7. Ranking dos 10 países em governo eletrónico das Américas

PAÍS EGDI NÍVEL EGDI36 CLASSIFICAÇÃO 2018

EUA 0,8769 Muito Alto 11

Canadá 0,8258 Muito Alto 23

Uruguai 0,7858 Muito Alto 34

Chile 0,7350 Alto 42

Argentina 0,7335 Alto 43

Brasil 0,7327 Alto 44

Barbados 0,7229 Alto 46

Costa Rica 0,7004 Alto 56

Colômbia 0,6871 Alto 61

México 0,6818 Alto 64

Fonte: United Nations (2018).

O grande destaque do país é no ranking de participação social por meios digitais, liderando agora na América Latina, na 12ª colocação, com um índice de participação social por meios digitais de 0,97. Na última pesquisa, o país ocupava o 37º lugar, com um índice de 0,72. O principal componente a contribuir para o salto brasileiro no índice geral foi a oferta de serviços públicos digitais: o Brasil passou de 0,73 em 2016 para 0,92 em 2018.

O citado relatório das Nações Unidas (United Nations, 2018) ressalta ainda as iniciativas de participação social por meios digitais na construção de políticas públicas, citando o Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social, a criação da [participa.br] Plataforma de Participação Social.

4.3 Conclusões

Este capítulo buscou traçar um panorama das iniciativas de governo eletrónico no contexto do governo federal brasileiro, contemplando as dimensões legais e prático-

administrativas, particularmente dos serviços públicos digitais. As principais conclusões são as seguintes:

a) A oferta de e-serviços tem marcado as estratégias de e-Gov nos últimos anos, principalmente a partir de 2016, quando foram publicados importantes atos legais definindo uma Política de Governança Digital e uma Plataforma de Cidadania Digital no âmbito da Poder Executivo Federal;

b) A legislação brasileira ampliou nos últimos anos o escopo de proteção dos utilizadores de serviços públicos, concretizando novos direitos, sem prejuízo da aplicação plena do Código de Defesa do Consumidor na relação de consumo;

c) Embora as estatísticas sobre o uso das TIC no país revelem desafios a serem vencidos para a universalização da internet e implementação de políticas que promovam os seus benefícios para todos os brasileiros, há indicadores de que o modelo vem gerando contribuições efetivas para o governo e a sociedade;

d) As estratégias e iniciativas mais recentes do governo brasileiro indicam que o conceito adotado de governança digital se aproxima da definição de governança eletrónica expressa pelas organizações supranacionais, como a ONU e a OCDE, já que a ênfase tem recaído com mais intensidade no uso das TIC como instrumentos para a melhoria da relação entre governo e sociedade;

e) Como constatam relatórios recentes da OCDE (2018) e da ONU, o Brasil tem vários exemplos que demonstram o seu dinamismo na utilização das TIC para promover a interação entre os cidadãos/empresas e o setor público, ainda que mantenha enraizada a fragmentação em termos de prestação de serviços digitais, levando em conta que o principal balcão on-line ao nível do governo federal constitui uma plataforma de acesso a outros portais governamentais, onde os serviços são efetivamente prestados. Esse é o caso, por exemplo, do conjunto de serviços objeto de avaliação neste trabalho; e

f) Como destacado por recomendação da OECD (2014), o desafio atual, válido para o Brasil, não é mais o de introduzir tecnologias digitais para as atividades do setor público, mas o de integrá-las e incorporá-las desde o início, e de forma transversal, nos esforços do governo, de forma a maximizar os impactos positivos dos investimentos estratégicos em TIC.

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