• Nenhum resultado encontrado

PARTE II : OS TOKENS DE INVESTIMENTO COMO VALORES

5. Panorama regulatório geral no contexto da União Europeia

No contexto europeu, os Estados-membros têm assumido posições homogéneas relativamente à classificação efetuada aos tokens, como evidenciado no inquérito promovido pela ESMA, bem como no que concerne à abordagem adotada no prisma da proteção do investidor. Neste domínio, vários Estados-membros optaram pela emissão de comunicados aos investidores onde identificam aspetos relativos aos riscos mais frequentes nas operações de investimento em tokens, a elevada possibilidade de fraude e onde enaltecem as fragilidades associadas às competências legais dos reguladores na atividade de supervisão das entidades emitentes.

A título exemplificativo, a autoridade supervisora dos mercados de capitais britânicos, a Financial Conduct Authority (“FCA”), no seu comunicado dirigido aos investidores alertou para

354 Neste sentido, IRIS M.BARSAN, Legal Challenges (…), ct., p. 58.

355 No que concerne aos tokens da Munchee, formalmente classificado como de utilidade, a aplicabilidade do

requisito em apreço suscita particulares dificuldades. Para maiores desenvolvimentos sobre o tema em apreço, supra p. 81.

356 Cfr. Report SEC v. Munchee Inc., consultável através do seguinte link:

95

os riscos associados ao investimento em tokens e salientou que “Wether an ICO falls within the FCA’s regulatory boundaries or not can only be decided case by case”357, esclarecendo, portanto, que as

emissões de tokens serão analisadas casuísticamente, no sentido de aferir a aplicabilidade das normas mobiliárias britânicas.

Similarmente, a autoridade supervisora holandesa, a Autoriteit Financiële Markten (“AFM”), esclarece os investidores de que o escopo da supervisão da AFM encontra-se vertido no Wet op het financieel toezicht (ou, Wft), pelo que a abordagem ocorre casuisticamente358. Enaltece,

ainda, que algumas emissões de tokens poderão ser intencionalmente estruturadas de tal modo que permita, à priori, obstar à aplicabilidade das normas mobiliárias, evadindo-se da supervisão da AFM.

A supervisora alemã dos mercados de capitais, a Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin“), considera359, em geral, que os criptoativos enquadram-se no âmbito da regulação

existente no ordenamento jurídico alemão, em especial o Kreditwesengesetz (“KwG”). Através do conceito amplo de “unidade de conta”360, o regulador consegue classificar os tokens como

valores mobiliários. Com efeito, os emitentes que disponibilizem uma oferta pública de tokens ou disponibilizem plataformas onde os criptoativos sejam transacionados deverão, em geral, solicitar a autorização da BaFin e promover o registo junto desta. Neste sentido, embora não exista uma moldura legal que discipline expressamente as emissões de tokens, o ordenamento jurídico alemão, à semelhança do que sucede com a generalidade dos regimes jurídicos europeus, contém normas que mitigam os riscos emergentes de uma emissão de tokens. Similarmente aos restantes reguladores, a BaFin adota uma abordagem casuística na determinação do regime aplicável aos tokens.

Na Bélgica, a Financial Services and Markets Authority (“FSMA”), entidade belga reguladora e supervisora dos mercados de capitais, adota, em convergência com os reguladores europeus, uma abordagem casuística na análise dos tokens. Para além desta entidade ter emitido um comunicado ao mercado sobre os riscos associados ao investimento em criptoativos361, também promoveu a proibição de distribuição de instrumentos financeiros a

357 Cfr. Financial Conduct Authority, Consumer warning about the risks of Initial Coin Offering (“ICO”), publicado

em 12-09-2017 e atualizado em 27-02-2019, consultável em https://www.fca.org.uk/news/statements/initial- coin-offerings

358 Vide Autoriteit Financiële Markten, Initial Coin Offerings (ICO’s): serious risks, consultável em

https://www.afm.nl/en/professionals/onderwerpen/ico

359 Cfr. BaFin, Initial Coin Offerings: High risks for consumers, consultável em

https://www.bafin.de/SharedDocs/Veroeffentlichungen/EN/Fachartikel/2017/fa_bj_1711_ICO_en.html

360 Cfr. MICHAEL JÜNEMANN, German Regulation of Cryptocurrencies and ICOs, International Law Practicum,

Vol. 31, n.º 1, 2018, pp. 61-63.

361 Cfr. FSMA, Initial Coin Offerings (“ICOs”), consultável em https://www.iosco.org/library/ico-

96

clientes de retalho que tenham como ativo subjacente, seja direta ou indiretamente, criptoativos362.

No contexto europeu, encontra-se patente a influência norte-americana na abordagem casuistica adotada pelos reguladores europeus. Esta abordagem beneficia o desenvolvimento do mercado em particular no que respeita à tecnologia financeira, sem que tal se repercuta negativamente nos seus agentes, em concreto nos investidores.

O inquérito promovido pela ESMA anteriormente mencionado, fornece o panorama geral da abordagem dos supervisores europeus no que concerne ao tema em apreço. Sem prejuízo da extensa análise efetuada pela ESMA, o inquérito permite extrair a conclusão363

de que a generalidade das autoridades de supervisão consideram que os tokens com caraterísticas de investimento, alguns tokens hibridos com caraterísticas de investimento e de utilidade e alguns tokens hibridos com caraterísticas monetárias e de investimento integram o conceito de valor mobiliário vertido na DMIF II. Na verdade, a mera existência do direito ao lucro, mesmo desprovido de direitos relativos ao governo da entidade, foram considerados suficientes364 para a qualificação como valor mobiliário para a generalidade dos

inquiridos, desde que os restantes requisitos para a sua qualificação se verifique em concreto. Adicionalmente, embora possam ocorrer variações decorrentes da concreta organização estrutural do token, as respostas fornecidas pelos inquiridos relativamente aos tokens com caraterísitcas hibridas convergem no sentido da prevalência da caraterística de investimento sobre as demais (utilidade e monetárias), sendo suscetível de despoletar a aplicação das normas mobiliárias.

No que concerne aos tokens com caraterísticas de utilidade, os reguladores desconsideram a forma em detrimento da substância em convergência com a abordagem norte-americana, pelo que a qualificação do token como de utilidade não prejudica à sua eventual classificação como valor mobiliário, desde que se encontrem preenchidos os requisitos cumulativos do qual depende a sua qualificação. No inquérito anteriormente citado, os inquiridos explicam que um puro token de utilidade não será classificado como um valor mobiliário uma vez que os direitos por si incorporados assumem uma natureza e estrutura distinta dos direitos tipicamente financeiros e monetários associados aos instrumentos financeiros365.

362Cfr. FSMA on the ban on the distribution of certain financial products to retail clients, approved by the

Royal Decree of 24 april 2014, consultável em

https://www.fsma.be/sites/default/files/public/sitecore/media%20library/Files/fsmafiles/wetgeving/regle m/en/reglem_24-04-2014.pdf

363 Cfr. ESMA, Annex 1 (…), cit., pp. 23 e ss.. 364 Ibidem.

97

Finalmente, refira-se que, no âmbito da análise do token com caraterísticas de utilidade, um dos inquiridos sustentou que a justificação366 para o facto de o token não lograr preencher

o requisito da negociabilidade previsto na DMIF II deriva da circunstância de este não ser considerado um valor mobiliário. Esta justificação aparenta ser um contrassenso, pois a negociabilidade corresponde a um dos requisitos para a qualificação de um valor mobiliário á luz da DMIF II e não o oposto, isto é, um valor mobiliário não será o requisito para classificar a negociabilidade367.

6. Consequências da qualificação do token de investimento como um valor