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4. ANÁLISE DAS NARRATIVAS DE FORMAÇÃO EM CONSTRASTE COM

4.4. Papel do aluno

Como podemos notar, o papel do aluno neste tipo de metodologia encontrada nas narrativas é de receptor, quase como se este fosse uma tábua rasa desprovida de outros aprendizados que possam ser úteis na formação como diretor cênico. Não temos, por exemplo, nenhuma narrativa que fale sobre como seus aprendizados anteriores se relacionaram com o novo conhecimento. No entanto, é importante destacar que a maioria dos alunos entravam para se formar como diretores com uma trajetória artística, não eram muito novos, nesta época alguns já tinham feito faculdade em outras áreas, como André Paes Leme da (Unirio) que quando ingressou para se formar como diretor, tinha terminado a faculdade em direito, a professora Hebe Alves (UFBA), Inês Marocco (UFRGS), já tinham percursos feitos na prática artística em atuação e ou direção, inclusive já tinham dirigido peças infantis. A professora Ana Alvarado (UNA) não se formou senão 30 anos depois de sua experiência no grupo Periférico de objetos. Isabel Flores (BUAP) é a única que menciona que se talvez houvesse entrado na graduação com mais idade teria

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aproveitado mais. Katalina Moskowiczt e Arley Ospina (ASAB) tinham feito formação em teatro em escolas locais e também ingressaram com idades entre 24 e 27 anos.

Temos que refletir sobre o papel do aluno na metodologia baseada na prática, por um lado temos um sujeito aluno que é percebido como “alguém sem luz” ( referência à etimologia da palavra aluno) e que vai ser iluminado pela sapiência de um grande artista. Como o aluno está aprendendo por mimeses, também aprende a desenvolver, além da prática como diretor, o papel do diretor teatral na sociedade. Dessa forma, este sujeito supostamente dotado de uma capacidade analítica maior que a de um dançarino ou ator vai se colocando como um grande sabedor, e então, o aluno vai adotando os comportamentos de seu grande mestre, por isso nas escolas da época, especialmente na Colômbia, Argentina e México, a ideia do diretor era associada a um artista soberbo, egocêntrico, sabedor de tudo, infalível, com uma capacidade intelectual maior - claro que isto não foi uma regra, mas foi comum nas escolas de arte. Quiçá, esta aparência tenha sido necessária para defender um status de artista no meio artístico, o qual não acreditava na formação de artistas - “um artista nasce, não se faz” era uma frase que invadia o circuito teatral. Como nos traz Peter Brook, anos depois, “um diretor se faz acreditando ele mesmo que é diretor, depois tem que convencer ao demais” (BROOK apud ARROJO, 2014, p. 8). Esta ideia de diretor foi se institucionalizando, e os alunos foram aprendendo a mesmas regras para se posicionarem como diretor teatral. Os alunos das décadas de 70, 80 e 90 ainda receberam este tipo de influência, por outro lado, o papel do diretor-docente também teve que ser defendido no meio artístico, porque esta dupla faceta era vista como pouco artística e criativa. Assim, o diretor-docente tinha que se defender e não deixar que colocassem em dúvida seu talento e sua arte, apenas por ter aceitado ser professor de direção, lembremos que à época, no meio artístico, se aceitava a ideia de que “o ensino é a prática de quem não faz, o que sabe fazer é o artista” (DE ARAÚJO, 2016). Como exemplo trazemos a fala de Moskowictz,

José Domingo Garzón foi meu primeiro professor de direção no segundo ano, lembro que no primeiro dia de aula de direção falou para nossa turma de estudantes que não acreditava na formação em direção, afirmava que não se podia ensinar a dirigir, achava uma perda de tempo essas escolas que só ensinavam a jovens incrédulos a atuar como diretores, não a dirigir. (MOSKOWICTZ, 2015. Entrevista. Trad. Nossa)

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A afirmação de José Domingo Garzón (diretor, dramaturgo e docente de teatro), encontra argumentação no pensamento do professor polaco Pawel Nowicki, que foi convidado para dar aula na ENAD, e, numa conferência para grupos de teatro da cidade de Bogotá, o professor começou afirmando que na Colômbia não podia montar espetáculos teatrais das peças de Shakespeare ou Tennessee Williams, porque na Colômbia não havia atores profissionais, portanto que não poderiam compreender esses textos, escritos com tanta complexidade.Para Nowicki, os grupos como a Candelaria, o TEC, não eram grupos profissionais. No mesmo sentido achava que a metodologia da criação coletiva de Santiago Garcia e Enrique Buenaventura, não era uma metodologia aceitável: “Na Europa se tem explorado muitos tipos de metodologias para a criação cênica, e sabemos que é necessário se manter sempre a hierarquização, se não houver um olho externo, o que acontece na cena é uma bagunça” (Nowicki, 1994, p. 157). Como Nowicki foi convidado como acadêmico para dar aula na ENAD, sua influência foi determinante para uma grande parte do circuito acadêmico-artístico. Foi uma época em que os grupos de teatro se afastaram das escolas e começaram uma campanha para separar os ‘verdadeiros artistas’ dos artistas formados nas escolas, e defenderam sua prática no circuito artístico como profissional. O debate sobre o artista profissional ainda é um tema complexo, mas o circuito artístico reconhece a profissionalização como um arte de longa trajetória, tanto que, na academia, só se reconhece como artista profissional aquele que acredita na formação universitária na área das artes. As ideias de Nowicki sobre a profissionalização do artista cênico trouçeram descrédito, por parte do mundo acadêmico, ao trabalho artístico dos grupos profissionais não acadêmicos. Isto não foi muito determinante, já que em pouco tempo o reconhecimento artístico internacional de artistas como Santiago García e Buenaventura deixou sem piso argumentativo os docentes que não acreditavam nessas práticas artísticas como profissionais.

Infelizmente, nossa formação acadêmica em direção teatral, por algumas décadas, foi uma mimeses da prática Europeia ou Estadunidense. Deixando fora das escolas o estudo das práticas de artistas nacionais.

Continuando com a discussão do papel do aluno, achamos que a prática da direção, tradicionalmente, se move entre duas experiências, uma é a relação do diretor consigo mesmo, refletindo sobre seus desejos, suas intuições, a partir da interpretação que ele quer dar ao texto, e, outro, no trabalho prático com o coletivo de atores. O aluno

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de direção aprende, rapidamente, que diante de seus atores, ele tem que se mostrar como aquele que sabe, ele tem que demonstrar certeza no que pretende fazer com a peça. Para isso o aluno teve um trabalho prévio consigo mesmo e o texto, este tipo de comportamento também é herdado da prática em direção tradicional. “quando tinha os encontros com os colegas de atuação, eles sempre esperavam que eu falasse para eles o que deviam fazer, eu tinha que saber o que queria dizer e como, sempre fiquei nervoso com essa atitude.” (ARLEY, 2017. Entrevista). Não é possível que um aluno saiba o que quer fazer com determinada peça, é possível que seja um erro total, até porque ele também está em formação.

As narrativas evidenciam que ficar tempo sozinho permite o desenvolvimento do pensamento refletivo “lembro de ficar horas inteiras na biblioteca, procurando textos e imagens que me ajudaram a alimentar minha criatividade”. (MOSKOWICTZ, 2015. Entrevista). Temos que destacar que estas afirmações são feitas por dois alunos da mesma escola, de épocas próximas, porém, as diretoras brasileiras não falaram sobre terem se colocado como aquelas que sabem, pelo contrário, tinham práticas por fora das aulas como diretoras. As duas afirmam que tiveram espetáculos que não foram muito bons, segundo elas mesmas.

4.5. RELAÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM.

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