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4. ANÁLISE DAS NARRATIVAS DE FORMAÇÃO EM CONSTRASTE COM

4.3. Papel do professor

A respeito do papel do professor, trazemos duas falas que podem lançar luz sobre como foram as práticas pedagógicas marcantes, evidentes no bri-currículo.

Paes Leme e Moskowictz afirmam que durante sua formação “o professor de direção tinha a última palavra, e a exploração estava sujeita ao gosto do professor diretor” (PAES LEME, 2016), por sua parte Moskowictz afirma:

Eu acho que na época em que me formei, ficar entre o autoritarismo do docente e a autonomia do estudante foi muito bom, isso percebo hoje, no momento achava uma tirania, mas hoje sei, que só pela disciplina e exigência dos mestres eu consegui estudar mais. (MOSKOWICTZ, 2015. Entrevista. Trad. Nossa).

O que nos revelam as duas afirmações é que na relação professor-aluno se tinha instalada certa hierarquização, dando maiores privilégios aos professores. Isto é compreensível se refletimos a época na qual se formaram nossos diretores-docentes, entre os anos 70 e 80 ainda tínhamos muitas pesquisas em andamento acerca dos procedimentos didáticos-pedagógicos no campo das artes cênicas, portanto, os professores procediam do “mundo das artes”, o que pode se traduz às vezes em falta de metodologias pedagógicas conscientes. O que aconteceu foi que muitos diretores e Larrosa “sou eu”. A experiência é reflexibilidade, é um movimento de ida e volta. Este movimento é do acontecimento que se encontra no mundo externo e logo passa pelo individuo transformando-lhe. A experiência é por excelência subjetiva, “mas é um sujeito que deixa que algo se passe nele”, e portanto, é um sujeito aberto, sensível, que se transforma. “O sujeito da experiência não é sujeito do saber, do poder ou sujeito do querer, senão o sujeito da formação e transformação”.

Princípio da passagem: A experiência é passagem e paixão, passagem faz referência a uma viagem, e como toda viagem traz consigo perigo, essa passagem do acontecimento externo para mim é uma aventura, “portanto tem algo de incerteza, o que supõe um risco, um perigo”.

Princípio de Paixão: descreve como esse acontecimento exterior que se passa no indivíduo, que o transforma, “o sujeito da experiência é como um território de passagem, deixando uma marca, uma “ferida”, o sujeito da experiência não é um sujeito ativo, agente de sua própria experiência.

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atores foram convidados a serem professores, assim eles chegaram a ensinar da maneira como foram formados na empiria ou nas escolas de arte, onde como já temos apontado as formas de ensino-aprendizagem eram desenvolvidas intuitivamente.

Cabe destacar que, na época, tinha se instaurada a ideia de que os artistas são os que fazem não os que ensinam. De Araújo (2016) discute a noção do artista-docente e questiona esse posicionamento dos artistas, de como se possuíssem um dom celestial desvinculado de compromissos formativos. Porém, acreditamos ser importante refletir a partir desse lugar do artista-diretor como docente nos primeiros cursos de direção, normalmente estes diretores eram escolhidos para dar aula, por ter reconhecimento no meio artístico. Eram sujeitos com conhecimento na área a partir da prática e chegavam nas aulas como esse ser superior, dotado de certa iluminação especial. Talvez por isso nos chamou muita atenção a afirmação de Paes Leme (2016), quando diz que “os diretores-docentes tinham a última palavra” sobre o ato criativo do aluno. O que se relaciona diretamente com a afirmação de Moskowictz (2015), quando explica que as metodologias de ensino foram bastante autoritárias, ou seja, o professor tinha a última palavra.

Este tipo de metodologia autoritária (ou não dialógica) foi a principal forma de ensino da direção teatral, metodologia que colocava uma distância entre o aluno e o professor, prática que ainda hoje se aprecia em nossos cursos de direção.

O elementos marcante na metodologia experimentada por estes docentes- diretores foi a abertura à prática, às vezes por mimeses, outras por exploração particular. Provenientes de diversas práticas artísticas, desenvolveram metodologias onde se incentivava os alunos à prática, “e de que outra forma se pode ensinar a dirigir senão dirigindo?” (MAROCCO, 2015). É verdade, mas somos conscientes de que há muitas formas de se chegar à prática.

Esta metodologia também permitia que o professor ficasse mais tempo acompanhando o processo do aluno, “O professor acompanhava e de certa forma também influenciava” (PAES LEME, 2016). Também podemos destacar que, nesta época, os cursos de direção não tinha turmas muito grandes, o que facilitava a troca de experiências entre o docente e o aluno, as aulas eram muito mais personalizadas: “Na escola, na minha época, passou muito pelo acompanhamento do processo. Não havia disciplinas tão definidas” (MAROCCO, 2015). “Nesse tempo os alunos se favoreciam de um trabalho mais pessoal, com acompanhamento de um professor com muita

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experiência”. (PAES LEME, 2016. Entrevista).

As narrativas revelam que esta prática personalizada deixou uma marca nos alunos, muitos afirmam terem sido felizes durante sua formação, apesar do autoritarismo pedagógico de alguns docentes-diretores, a prática permitiu um desenvolvimento dos indivíduos em formação: “O curso tem uma caraterística de muita liberdade, de muito espaço para a experiência dos alunos, naquela época tinha professores que acompanhavam o processo. Eu me lembro de uma intensidade de ficar na escola, da felicidade pela exploração”(PAES LEME, 2016, Entrevista).

As metodologia marcantes que se destacam em todas as entrevistas são aquelas relacionadas à prática, sem exceção, as narrativas descrevem que seu maior aprendizado foi na prática em si, na relação direta com as formas da direção. No entanto, encontramos diferenças na forma como essa prática foi realizada, em alguns casos foi a experiência como assistente de direção, através da qual afirmam terem aprendido a dirigir, outros falam das aulas de prática em que compartilhavam com os colegas de atuação.

Neste sentido, podemos dizer que a primeira prática é mais próxima de como tradicionalmente se tem aprendido a dirigir, a ideia de aprender a partir da imitação, e aqui é importante destacar que esta metodologia de imitação ou mimeses foi a forma como se transmitiu o conhecimento artístico por gerações, parafraseando a proposta de Falco De Brito, o diretor-artesão29, a forma mais antiga de transmissão do saber teatral,

aquela que acontece entre um mestre e seu aprendiz.

Todas as artes tem uma prática que pode se apreender pela imitação, um alguém que observa pode imitar, isto não vai convertê-lo, necessariamente, em artista, mas vai cumprir com a premissa de aprender a fazer, fazendo. Segundo Tartakiewicz (2007, p. 305), no seu estudo sobre a história dos conceitos, afirma que a mimeses tem diferentes procedências, mas a que mais se institucionalizou foi a que descreve que o conceito tem a ver com uma “forma de representação do mundo”. Portanto, a imitação é a metodologia principal através da qual o conhecimento artístico é passado de uma geração a outra, finalmente é assim como a cultura e as tradições são conservadas nas sociedades.

O aprendizado através da imitação nas artes remonta aos princípios da

29 Paulo Marcos Falco de Brito (2015), no seu estudo sobre a formação do ator, apresenta as noções de

ator-artesão, ator-artista, ator-intelectual. Nós aqui apenas substituímos o ator pelo diretor, para fazer referência às mesmas caraterísticas que propõe o autor.

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transmissão de saberes, os seres humanos aprendem pela observação de um outro que tenha mais experiência. Por isso, não é assombro que uma das metodologias destacáveis na formação de nossos diretores-docentes tenha sido a observação da prática de um diretor. Mas a imitação não é a única forma como se transmite o saber artístico, as narrativas assim o afirmam ao se referirem à prática em si. Não se pode apreender só observando, para que o conhecimento se complete e para que surja a aprendizagem é fundamental a relação observação e prática, “o aluno aprende não só observando ao mestre, senão também na prática, a partir de suas próprias inquietações” (MAROCCO, 2015, Entrevista). Encontra-se aí a segunda parte desta metodologia, na prática se aprende, observando, fazendo, e também errando. Isto coloca o aluno em um lugar de auto-observação, o que facilita a transformação do mesmo a partir de uma escuta mais calma, de parar para se observar, parar para refletir – tudo isso facilita a relação com a experiência, deixando que a aprendizagem seja este acontecimento que se dá nele, permitindo sua transformação. O risco desta metodologia de ensino baseada na trilogia observação-prática-erro é que precisa de tempo para que o acontecimento possa atravessar o aluno, permitindo a transformação.

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