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I. INTRODUÇÃO

3. DIABETES MELLITUS

3.5 PAPEL DAS CÉLULAS B NA DT1

Foi estabelecido que, DT1 é mediada essencialmente pela imunidade celular e que o seu papel é crucial na patogénese da doença. A identificação do HLA como principal factor genético assim como estudos em modelos murinos apontam para as células T como principais mediadores de doença. Contudo, a doença é multifactorial e os poli- morfismos de susceptibilidade do MHC por si só não são suficientes para provocar doença. Várias populações celulares do sistema imunitário foram identificadas no de- senvolvimento da diabetes tipo 1 com papel na activação de células efectoras e indu- ção de tolerância imunológica. A presença de AAcs aponta para um papel das células B na doença. Apesar do aparecimento de AAcs ao longo da progressão da DT1 ser considerado como um produto secundário à activação das células T, estudos recentes demonstram que as células B pela sua acção como células apresentadoras de anti- génio mas também pela secreção de anticorpos que potenciam a activação de células efectores desempenham um papel importante e não desprezável no desenvolvimento da doença. Este facto é corroborado pela observação de que ratinho NOD KO para a cadeia mu das Igs (e consequentemente ausentes das células B) não desenvolvem DT1. Por outro lado, ensaios clínicos cujo alvo terapêutico são as células B estão em curso com alguns resultados promissores. Tratamento com anticorpo monoclonal CD20, um supressor imunológico cujo efeito consiste na depleção das células B e indução de células T reguladoras levam a algumas melhorias quadro clinico 42.

3.5.1 Células B-1 e B-2

Células B estão continuadamente produzidos ao longo da vida, sendo o fígado o ór- gão da sua produção maior na vida fetal, e a medula óssea – na vida adulta. Durante a hematopoiese das células B, surgem duas populações distintas B-1 e B-2. Existem duas hipóteses acerca da sua origem. Uma das hipóteses sugere que ambas as po- pulações derivam do mesmo progenitor, diferenciando-se posteriormente em B-1 ou B-2 conforme o estímulo antigénico. Segundo outra hipótese, que está mais aceite, B-1 e B-2 diferenciam dos progenitores distintos de forma independente. Nomeada- mente, quando as células B-1 e B-2 foram transferidos para o ratinho, apenas no fígado ocorreu a reconstituição de ambas as populações, enquanto na MO, apenas foram reconstituídas células B-2. Além disso, B-1 tem o período de vida mais longo e podem proceder para a sua auto-regeneração 60.

B-2 localizam-se nos tecidos linfóides secundários. Estão bem caracterizados tanto nos modelos animais como nos humanos. No baço, podem diferenciar-se para células B foliculares (Folliclar B cells- FO) e células B marginais (Marginal Zone B cells - MZ) 61. Primariamente, B-2 secretam IgM e IgG. Após o contacto com antigénio, células MZ e FO podem gerar um repertório muito diversificado dos BCRs, secretar outras classes das Igs e tornar-se células de memória. O repertório das Igs secretadas ou transmebranares mais diversificado é adquirido através dos eventos ao nível dos loci, nomeadamente recombinação somática ao nível de V-D-J, mutação somática nas cé- lulas diferenciadas e de memória. Podem operar através dos sinais secundários dis- tintos, tais como CD4+ das células T, provenientes da imunidade celular específica. Por outro lado, podem reconhecer estímulos relacionados com imunidade não espe- cífica, como é o exemplo dos PRRs (vários TLRs), e desse modo fazer uma ponte de ligação entre sinais inatos e eventos adaptativos. As células B-2 estão envolvidos ao nível do sistema adaptativo 62.

As catacterísticas fenotípicas e funcionais das células B-1 foram bem estabelecidas graças aos estudos nos modelos animais do ratinho. Localizam-se ao nível da cavi- dade peritoneal e pleural, bem como nas interfaces das mucosas 63. Os isotipos se- cretados mais prevalentes são IgM e IgA. No que diz respeito aos sinais desencade- ados através da estimulação do receptor BCR das B-1, esta estimulação e subse- quente activação das cascatas internas de transdução do sinal, ocorre de forma inde- pendente da célula T (ao contrário das B-2, que podem desencadear respostas T- dependentes e T-independentes). O tipo do sinal secundário necessário para activa- ção, neste caso são sinais mais conservados, como TLRs 62. As B-1 são consideradas como “células inatas”, porque produzem um repertório das Igs (secretadas e ligadas a membrana) de especificidade restringida. Estas características do repertório das B- 1 devem-se aos eventos limitados ao nível dos genes que codificam cadeias imuno- globulínicas. Nomeadamente, a possibilidade das recombinações somáticas ao nível de V-D-J é muito mais limitada, comparando com B-2. Assim, as Igs produzidas pelas células B-1 frequentemente são denominados como sendo codificados na linha ger- minal, mantendo-se com as características iniciais ao longo da vida devido a capaci- dade de auto renovação das células B-1 63.

3.5.2 Células B1a e IgM naturais

As células B-1 originam duas subpopulações grandes, B1a e B1b, que no ratinho fenotipicamente se dividem em B220+CD5+ e B220+CD5-, respectivamente. B1a dife- rem das células B convencionais. Em particular, podem promover a proliferação das células T de forma mais eficiente. B1a são capazes de promover a diferenciação das T CD4+Foxp3- em células pro-inflamatórias Th1 e Th17, e quebrar a tolerância perifé- rica das células T 64.

As IgM naturais são secretadas de forma espontânea pelas células B1a, na ausência de qualquer imunização, sendo uma característica particular desta subpopulação. As IgM naturais constituem a primeira linha de defesa do organismo contra as infecções, pelo que foram encontrados no sangue do cordão umbilical humano, no ratinho não inoculado e nos indivíduos saudáveis na ausência do contacto com antigénio 7. Estes AAcs apresentam características próprias, nomeadamente baixa afinidade para anti- génios, avidez relativamente alta, polireactividade. Devido as razões já referidas, o repertorio de IgM naturais apresenta um nível da autoreactividade restringido, o que permite o reconhecimento pelos IgM naturais de epítopos conservados (ácidos nu- cleicos, certas chaperoninas, carbohidratos e fosfolípidos) 61.

3.5.3 As evidências do papel das B1a e das IgM naturais na patogénese de

DT1

O papel das IgM naturais na autoimunidade é controverso. Já foi demonstrado que, IgM naturais ligam-se as células apoptóticas ou dérbis celulares e conduzem à sua neutralização. Por outro lado, a auto-reactividade das IgM naturais pode contribuir directamente para apoptose das células-alvo, ou de forma indirecta pela activação da cascata do complemento e subsequente resposta autoimune patogénica 65.

Os estudos no NOD demonstraram que o papel das células B como apresentadoras de Ags às células T é determinante para a progressão de DT1. Os ratinhos NOD, com as células B deficientes em expressar as moléculas MHC-II, foram resistentes para a doença e apresentaram focos raros de insulíte nos seus pâncreas. Por outro lado foi demonstrada a importância dos anticorpos circulantes na DT1, quando o ratinho NOD capaz de expressar apenas Igs de superfície mas não Igs secretadas, consegue res- taurar parcialmente o diabetes. Demonstrou-se também que a especificidade do BCR é muito importante: o NOD que produz apenas 1-3% do repertório das células B ma- turas, qua são específicas para insulina, acelera eventos patológicos de diabetes.

Além das células B no papel das APCs, a sua capacidade de produzir AAcs reactivos para Ags das células β pode contribuir para patogénese de DT1 66.

Uma das manifestações mais precoces da DT1 são AAcs IgGs contra vários antigé- nios relacionados com célula β, nomeadamente, contra a insulina, GAD, IA-2A, ZnT8 e outros. Estes AAcs aparecem no estado da patogénese, quando a massa total das células β vivas não atingiu ainda o ponto crítico, ou seja, quando os sinais e sintomas de diabetes ainda não apareceram. Desse modo, os AAcs são bons marcadores da doença 67. Geralmente aceita-se a hipótese de que, este repertório típico das IgGs, relacionado com diabetes aparece devido a interacção duradoura entre células T e B auto-reactivas. O que poderia despoletar tal interacção longa, seria uma destruição específica das células β no meio inflamatório e activação do repertório auto-reactivo das células B, com a posterior apresentação dos AAgs às células T auto-reactivas e produção de AAcs pelas células B 66.

Previamente foi demonstrado que, células B1a contribuem para os processos auto- imunes. De facto, B1a induziram sintomas no modelo do ratinho para lupus, sendo sua função de produzir AAcs um evento crítico para aparecimento destes sintomas. Os níveis de B1a sanguíneos nos doentes com DT1 e no ratinho NOD são mais altos. Além disso, os AAcs IgM ligam-se às células β pancreáticas antes do aparecimento da insulíte no ratinho NOD, o que não acontece no grupo do controlo. O NOD secreta numero maior de AAcs reactivos contra insulina, que partilham as características das IgM naturais. Parece que este repertório com reactividade específica está codificado na linha germinal do locus da cadeia pesada das Igs do ratinho NOD 68.

Tendo em conta estas evidências, pretendeu-se testar, até que ponto os AAcs IgM naturais secretados pelas B1a influenciam DT1 em geral e podem contribuir para ini- ciação da insulíte, em particular.

3.5.4 O papel das IgM naturais na função e stress das células β

Previamente, foram comparados os perfis de secreção das células B1a e do repertório das IgM naturais do ratinho NOD com o controlo. As células B1a do NOD mostraram padrões de activação na ausência da imunização mais altos. Nomeadamente, B1a do NOD expressava níveis aumentados de TLR e secretava mais Acs IgM contra Ags relaccionados com células β após estimulação do TLR. Ainda, os níveis séricos de IgM anti-insulina, mas não de IgM totais, foram mais altos comparando com o con- trolo, revelando um padrão de auto-reactividade específica do NOD. Em particular,

estes IgM mostraram-se como sendo do repertório das IgM naturais, ou seja com auto-reactividade independente das células T, tendo em conta que seus níveis séricos não foram alterados durante a fase da doença influenciada pela acção das células T. Curiosamente, níveis de IgGs anti-insulina no soro do ratinho foram aumentando, en- quanto que os níveis de IgM contra o mesmo Ag permaneceram estáveis no mesmo período da vida do ratinho. Para determinar, qual é a população das células B res- ponsável pela secreção de IgM naturais auto-reactivas, foram quantificados células B, que secretavam IgM com reactividade para vários AAgs relaccionados com DT1. Determinou-se que células B1a (B220+CD5+) espontaneamente secretam mais IgM naturais auto-reactivas. Posteriormente, foram isolados dois clones de IgM, P1-G1.12 e P2-C1.2 a partir dos hibridomas, obtidos após a fusão das células B1a do NOD com células do mieloma. Estes IgM ligavam se as células β do pâncreas in vitro, e foram capazes de induzir expressão do gene pro-inflamatório Nos2 68.

Com intuito de compreender a influência das IgM naturais na iniciação de diabetes autoimune, cujo evento patológico particular é insulíte, os IgM isolados das B1a do NOD foram testados in vitro nas células β das linhas celulares do rato.

As evidências crescentes indicam para o papel importante dos agentes pro-inflama- tórios, tais como citocinas, ROS, toxinas, infeccções virais na activação do estado de stress celular, nomeadamente ao nível do retículo endoplasmático (RE) e se, exacer- bado e prolongado, pode levar a morte celular 55. Por exemplo, níveis elevados de óxido nítrico, libertos após estimulação com citosinas de perfil pro-inflamatório, corre- lacionam com activação do stress no RE 69. No entanto, os genes envolvidos bem como mecanismos intra-celulares exactos, que levam a morte das células β, no con- texto da insulíte na DT1 permanecem parcialmente conhecidos. Além disso, o tipo da morte celular continua a ser uma questão em debate, se bem que a maioria dos es- tudos defendem a morte por apoptose.

Neste contexto, surgiu a primeira hipótese deste trabalho experimental, que postulou o papel possível dos IgM monoclonais produzidos a partir das células B1a do ratinho NOD em:

1. Diminuição da secreção da insulina pelas células β do rato após estimulação com glucose;

2. Aumento de stress e da morte celulares nas células β do rato isoladamente ou na presença de co-estímulos com efeito pro-inflamatório.

3.5.5 A susceptibilidade genética do locus IgH

O locus IgH humano localiza-se no braço longo do cromossoma 14 e codifica a cadeia pesada das Igs, μ. O locus é constituído por vários segmentos génicos, nomeada- mente V, D e J. Numa células B naïve, antes de ocorrer a activação pelo antigénio, a recombinação genética dos segmentos V-D-J dentro do IgH, dá origem a cadeia μ, correspondente ao isotipo IgM 70.

Previamente foi demonstrado que o ratinho NOD na fase antecedente ao apareci- mento da insulíte, apresentou um repertório de AAcs IgM, derivados das células B1a, na ausência da imunização. Por outro lado, poucos estudos incidem sobre os poli- morfismos dentro do locus IgH, que podem conferir a maior susceptibilidade para DT1. Desse modo, foi investigado o papel da variabilidade dentro da região IgH no repertório dos AAcs e na susceptibilidade a DT1 no grupo de doentes portugueses 71.

A análise de associação genética dos SNPs a DT1 revelou quatro marcadores que mapeiam na região IGHM/J e IGHD com associação significativa a DT1. Sabe-se que, a maior parte dos doentes com DT1 apresenta IgGs séricos contra múltiplos AAgs, relacionados com diabetes. Neste grupo de doentes particular, cerca de 77% dos do- entes foram seropositivos para dois ou mais AAcs. Os perfís descritos levantaram a questão de que a variabilidade dentro do locus IgH pode influenciar o fenótipo de polireactividade. Os resultados dos testes de associação mostraram a associação significativa do SNP do segmento IGHM, RS1950942. Além de estar relaccionado com repertório de IgGs polireactivo, este mesmo SNP demonstrou que controla níveis séricos de IgM anti-GAD no grupo dos doentes, e que foram mais altos comparando com grupo de familiares saudáveis 71.

No seguimento dos resultados do estudo referido, decidiu-se por testar a segunda hipótese deste trabalho experimental:

Os polimorfismos dentro do locus IgH controlam níveis séricos mais altos de IgM anti- GAD e não estão associados aos níveis de IgM totais.

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