• Nenhum resultado encontrado

2. BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

2.4 O PAPEL DO BRINCAR COMO CULTURA

Se eu roubei, se eu roubei teu coração. Tu roubaste, tu roubaste o meu também. Se eu roubei, se eu roubei teu coração, é porque, é porque te quero bem. Cantiga Popular

Os conceitos são produzidos historicamente, conforme as modificações ocorridas em cada tempo, em cada espaço, em cada época. Para descrever um conceito de cultura recorro a Roque Laraia (2001), um antropólogo brasileiro que constrói e desconstrói conceitos de cultura partindo de vários pensamentos, desenvolvidos em vários estudos.

O autor procura contrapor alguns pensamentos ao mesmo tempo em que reconhece outros como base para o desenvolvimento da cultura, para ele

todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema para outro. Infelizmente, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo (LARAIA, 2001, p. 45).

Para Laraia (2001, p.45) “a coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir de um sistema a que pertence”, portanto, não existe uma cultura que sobrepõe a outra, se estudada com seriedade e cientificidade pode possibilitar a compreensão das características do ser humano.

Ainda para ilustrar tal conceito, Holanda (2001), diz que cultura é o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade. O conjunto dos conhecimentos adquiridos em determinado campo.

Assim como o conceito de cultura, o conceito de brincar e o conceito de infância se constroem ao longo do tempo. Partindo desta proposição, com o intuito de entender ainda melhor o contexto do brincar na educação infantil, é necessário um entendimento de infância e seu percurso histórico, aqui farei um breve estudo a partir do século XVIII com as contribuições de Philippe Ariès (1981, p. 52) que fez um exaustivo estudo acerca do tema, nos mostra como a criança era socialmente vista e quais eram as atribuições que o adulto lhe direcionava, segundo o autor

a descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII.

Um caráter de desigualdade permeou o significado de infância ao longo dos séculos, e desde então a família e a sociedade vem buscando meios para que a criança seja valorizada na sua subjetividade, pois de acordo com Ariès (1981, p.3) “a passagem da criança pela família e pela sociedade era muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e tocar a sensibilidade”.

O autor revela a importância do século XVII para as mudanças ocorridas acerca dos temas da primeira infância, visto que

foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi também nesse século que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição (ARIÈS, 1981, p. 52).

Sendo o brincar, uma atividade social e cultural, também tem sofrido suas modificações ao longo do tempo e da cultura de cada sociedade e época.

Um aspecto cultural trazido por Ariès (1981, p. 56) foi a questão das vestimentas das crianças desde o século XII, as transformações ocorridas revelam como a criança, era vista pela sociedade, e revela também

a indiferença marcada que existiu até o século XIII – a não ser quando se tratava de Nossa Senhora menina – pelas características próprias da infância não aparece apenas no mundo das imagens: o traje da época comprova o quanto a infância era então pouco particularizada na vida real. Através das descrições de Ariès (1981, p.59) as características culturais dos “trajes” da criança foi bastante prolongado, porém uma mudança começou a ser apontada,

no século XVII, entretanto, a criança, ou ao menos criança de boa família, quer fosse nobre ou burguesa, não era mais vestida como os adultos. Ela agora tinha um traje reservado à sua idade, que a distinguia dos adultos. Esse fato essencial aparece logo ao primeiro olhar lançado às numerosas representações de crianças do início do século XVII.

Somente no século XIX e início do século XX, surge uma tendência de substituir as roupas consideradas típicas da infância. Assim como as mudanças e tendências vão mudando a cada época em relação aos trajes das crianças, a mesma tendência cultural se tem em relação à brincadeira, ao brincar e ao brinquedo.

Brougère (2010, p.41) diz que “toda socialização, pressupõe apropriação da cultura”, e sendo a criança ser social, a atividade de brincar constitui-se culturalmente e é compartilhada,

a impregnação cultural, ou seja, o mecanismo pelo qual a criança dispõe de elementos dessa cultura, passa, entre outras coisas, pela confrontação com imagens, com representações, com formas diversas e variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a cerca ou propõem universos imaginários. Cada cultura dispõe de um “banco de imagens” consideradas como expressivas dentro de um espaço cultural.

Considerando que as brincadeiras podem ser diferentes, dependendo do lugar, da época, do momento, do contexto social, o princípio de uma brincadeira pode ser o mesmo, porém pode mudar nome e regras de acordo com o lugar, ou com a época. Brougère (2010, p. 44) explica que o brincar não pode ser isolado, pois é dotado de significação social, de aprendizagens sociais, logo, “o brinquedo pode ser uma reprodução da realidade, [...] adaptada e modificada.”

Um exemplo são os brinquedos destinados às meninas e aos meninos. Nesse contexto, para Brougère (2010, p.44) passa a ser objeto de produção de um universo imaginário específico,

assim, à infância são associadas, por tradição cultural, representações privilegiadas do masculino e do feminino. O universo do brinquedo feminino é, nesse aspecto, muito interessante por tratar-se daquele considerado como tal pela sociedade, pelas crianças, pelos pais, pelos comerciantes, independentemente das brincadeiras efetivas mais abertas à diversidade: privilegia o espaço familiar da casa, o universo “feminino” tradicional em detrimento do externo, do universo do trabalho.

As brincadeiras vão tomando outro sentido e significado de acordo com as influências da sociedade, as diferenças culturais de certo modo impõem a motivação para a criança brincar, considerando que cada criança e cada época têm uma cultura diferente, estas sofrem mudanças com o passar do tempo.