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O papel dos fundadores e promotores

Vejamos, agora, quem apoia a instalação/fundação destes mosteiros entre a nobreza e no interior das elites urbanas e concelhias? Que tipo de apoio fornecem? Estas e outras interrogações obrigam-nos a inquirir do estatuto social dos fundadores, das suas clientelas e apoios, bem como das suas intenções de caráter mais político e social.

28 Cf. GOMES – A Guarda Medieval, p. 40.

29 Cf. PONCES, Carlos Augusto – História dos Conventos de Beja. Beja: Minerva Comercial, 1965, p. 9. 30 De acordo com o que é afirmado e solicitado, a 27 de Julho de 1363, ao papa Urbano V: “Omnibus Christi fidelibus vere penitentibus et confessis qui ad reparationem ecclesie monast. S. Clare prope castrum de Bogia, ord. S. Clare, Elboren. dioc., propter terremotus qui in illis partibus hactenus viguerunt pro magna parte destructe, que, mortalitate superveniente, sine fidelium elemosinis reparari hactenus non potuit, nec de presenti potest, manus porrexerint adjutrices, unus annus et 40 dies de injunctis eis penitentiis, presentibus post decennium minime valituris.” ASV, Reg. Aven. 154, fl. 495 em Urbain V. Lettres communes, ed. M. et A.-M. HAYEZ, nº 5609.

A comunidade de Lamego, com o apoio de Afonso III, instalar-se-á em

Santarém e confirmará, assim, a sua viabilidade. Nele vai professar a filha bastarda

do monarca, Leonor Afonso31.

O cenóbio de Entre-os-Rios deve-se à iniciativa de uma senhora nobre, D.

Châmoa (secundada pelo marido, o fidalgo leonês D. Rodrigo Froilaz), que lhe doa o seu património. Construído num antigo centro de hospitalidade (religioso), logo de início conta com um forte apoio da nobreza local e de Leão.

D. Châmoa Gomes é neta de Rui Vasques e de Toda Palazim e filha de Teresa Rodrigues de Barbosa e Gomes Soares32. Um importante dado, no que concerne à

fundadora, prende-se com o facto de, nas gerações anteriores, terem sido as mulheres que asseguraram a linhagem e dominaram a herança. Assim, Châmoa é, por via feminina, trineta de Egas Moniz e Teresa Afonso e bisneta de Urraca Viegas, casada com Vasco Sanches, do qual tem Rui Vasques e Gonçalo Vasques. O primeiro será o avô de D. Châmoa e casa com D. Toda Palazim, que só tem duas filhas: Teresa, mãe de Châmoa, e Maria. Ao longo destas gerações, as mulheres da família são igualmente fundadoras e patronas de mosteiros que se encontram próximos de Entre-os-Rios: Teresa Afonso fundou Salzedas e de Urraca Viegas diz-se que patrocinou Tuías33,

ficando, pois, a família, desde cedo, ligada a estas comunidades.

Em Coimbra, é o impulso fundador de D. Mor Dias, dama da nobreza ligada à corte que, mediante a sua ação, enceta um processo de fundação longo (cerca de trinta anos) e complexo (contra a persistência de Santa Cruz, empenhada em inviabilizar o novo cenóbio feminino), mais tarde retomado e finalizado pela rainha Isabel, mulher de Dinis34.

31 Sobre esta monja veja-se: VENTURA, Leontina – A nobreza de corte de D. Afonso III. Dissertação de doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. vol. 2. Coimbra: [s.n.], 1992, pp. 545-548, que identifica esta filha bastarda de D. Afonso III (e Elvira Esteves) com a mulher de Gonçalo Garcia de Sousa que morre em 1291. Já Ana Cristina Tavares da FONSECA (Barregãs e Bastardos régios da I Dinastia Portuguesa. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa: [s.n.], 2005, pp. 94-99, considera a existência de Leonor Afonso I (a freira de Santa Clara, ainda viva em 1302) e Leonor Afonso II, casada, sucessivamente, com dois Sousas: Estêvão Anes e Gonçalo Garcia. Inclino-me para esta segunda hipótese, pelos documentos e provas aduzidos pela autora, aliás comprovados pela documentação do mosteiro.

32 Sobre a família veja-se: PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor – “Pela Morte se conhece um pouco da Vida”. A propósito do testamento de Dona Châmoa Gomes de Tougues, fundadora do Mosteiro de Santa Clara de Entre-os-Rios”. in BARROCA, Mário Jorge (coord.) – Carlos Alberto Ferreira de Almeida: in memoriam. vol. 2. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999, pp. 220-221 e ainda VENTURA – A nobreza de corte de D. Afonso III; ANDRADE – In Oboedientia, Sine Proprio, Et In Castitate, pp. 352-353. 33 Cf. Portugaliae Monumenta Historica. Nova série. vol. II/2. Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Edição crítica de José MATTOSO. Lisboa: Academia das Ciências, 1980, 37C3-4.

34 Acerca desta larga e demorada contenda: LOPES, Fernando Félix – “Fundação do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Problema de direito medieval”. in Colectânea de Estudos. II série, 4 (1953), pp. 166-192; MONTEIRO, Maria Teresa e SOUSA, José João Rigaud de – “Notas sobre o pleito entre D. Mór Dias, fundadora do convento de Santa Clara de Coimbra, e os cónegos do mosteiro de Santa Cruz (Coimbra)”. Estudos Medievais 1 (1981), pp. 81-93; e, mais recentemente, nas teses de doutoramento de MARTINS, Armando Alberto – O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média. Lisboa: Centro de História da

D. Mor Dias é filha de Vicente Dias e Boa Peres, e irmã de Joana Dias, casada com Fernão Fernandes Cogominho, e de Teresa Dias35. Filha de uma família das

elites coimbrãs, é, por via materna, bisneta do chanceler Julião Pais36. O seu pai foi

alcaide de Coimbra em 1225 e sobrejuiz régio em 1239 ou 1248-5637.

No caso de Lisboa, a fundação é atribuída a D. Inês Fernandes, mas também a Maria Martins, Maria Domingues e Clara Eanes, todas elas ligadas à iniciativa38.

Deste contexto ressalta a existência de um grupo de mulheres interessadas na implantação da casa monástica, embora nada indicie a prática de uma vida em comum.

Inês Fernandes é a que contribui para a construção do mosteiro de forma mais decisiva, fazendo dele local de sepultura. Oriunda de uma família asturiana que, segundo afirma o cronista Manuel da Esperança, era de estirpe nobre, casa com o mercador genovês, Vivaldo Pandulfo39.

Quanto às restantes, de Maria Martins, nada se sabe, já Maria Domingues é casada com Durão Martins de Parada40, rico homem, vassalo da casa de D. Dinis

e seu vice-mordomo (1285-1296), sendo, portanto, pessoas próximas do rei e da sua corte. A outra cofundadora, Clara Eanes, é filha de João Soares de Paiva e de

Universidade de Lisboa, 2003, pp. 469-497; SANTOS, Ana Paula Pratas Figueira – A fundação do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra (da instituição por D. Mor Dias à intervenção da Rainha Santa Isabel). Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2 vols.. Coimbra: [s.n.], 2000 e de ANDRADE – In Oboedientia, Sine Proprio, Et In Castitate, pp. 88-99. Para não falar dos clássicos: ESPERANÇA, Fr. Manuel – ob. cit., vol. II, pp. 19-23; SANTA MARIA, Fr. Nicolau de – Chronica da Ordem dos Conegos Regrantes do Patriarca Santo Agostinho. Lisboa: Na Officina de Ioam da Costa, 1668, p. 544 e ss.; BRANDÃO, Francisco – Monarquia Lusitana. Reimpressão da edição fac-similada de 1980, vol. VI. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008, pp. 259-266; FIGANIÈRE, Francisco de la – Memórias das Rainhas de Portugal, Memorias das raimhas de Portuga l (D.Theresa, - Santa Isabel). Lisboa: Typographia Universal, 1859, pp. 185-191; e a obra consagrada à Rainha Santa Isabel de: VASCONCELOS, António de – Dona Isabel de Aragão (a Rainha Santa). Reprodução fac-similada da edição de 1891-1894. 2 vols. Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra, 1993.

35 Sobre esta família veja-se, entre outros, VENTURA – A nobreza de corte de D. Afonso III, vol. 2, pp. 654-657; PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor – Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325). vol. 2. Porto: Centro de Estudos de Genealogia, Heráldica e História da Família da Universidade Moderna, 1999, pp. 49-65; SANTOS – A fundação do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra. vol. 1, pp. 57-61; ANDRADE – In Oboedientia, Sine Proprio, Et In Castitate, pp. 370-372.

36 Sobre a atividade deste chanceler na corte régia: BRANCO, Maria João Violante – Poder Real e Eclesiásticos: a evolução do conceito de soberania régia e a sua relação com a praxis política de Sancho I e Afonso II. Dissertação de doutoramento apresentada à Universidade Aberta. Lisboa: [s.n.], 1999, pp. 189-243.

37 Cf. VENTURA – A nobreza de corte de D. Afonso III. vol. 2, p. 654.

38 O cronista Manuel da Esperança, depois de ter atribuído a fundação a quatro “nobiles domine”, a saber, Inês Fernandes, Maria Martins, Maria Domingues e Clara, acaba por afirmar que “Fervia nisto a notável devoção da dita Dona Inez; que das outras companheiras na petição da licença [feita ao papa Nicolau IV], ou por ela carregar todos os gastos sobre a sua fazenda, ou porque se retirarão intimidadas da fabrica, ou por falta de quem desse de suas obras noticia, deste tempo adiante nunca mais soubemos delas, e por isso só a esta reconhecemos em tudo por principal Fundadora.” in História seráfica da Ordem dos frades menores de S. Francisco na Província de Portugal. Vol. II. Lisboa: Oficina de Antonio Craesbeeck de Mello, 1656, pp. 96-97. 39 ESPERANÇA, Fr. Manuel da – História seráfica da Ordem dos frades menores de S. Francisco, vol. II, p. 95.

D. Margarida e esteve casada, em segundas núpcias, com Afonso Peres Ribeiro41,

meio-irmão de Gonçalo Peres Ribeiro, mordomo-mor da rainha D. Isabel e também ele benfeitor do cenóbio das clarissas de Coimbra.

Encontramos, assim, na origem do convento de Lisboa, famílias ligadas à realeza por cargos curiais e aos cidadãos de Lisboa, possivelmente fazendo parte das elites concelhias ou que com elas privavam, como os comerciantes genoveses que, durante o reinado de D. Dinis, assumem um papel fundamental na redefinição da sua armada e nas atividades marítimas do reino.

É ainda no Norte de Portugal, em Vila do Conde, que uma família da alta nobreza, Afonso Sanches, filho bastardo do rei Dinis42, e sua mulher, D. Teresa

Martins Telo43 fundam, a 7 de Maio de 1318, em terras desta, um cenóbio e, como

seus patronos, dotam-no de avultado património e constituições para a vida quotidiana44. Esta casa monástica, protegida e regulada pelo poder patronal, ergue-

se com algumas dificuldades devido aos problemas políticos em que o seu patrono e a família se envolvem45.

Já em Beja, o mosteiro é edificado à custa dos moradores do concelho. Entre os vizinhos deste destacam-se Mestre Geraldo, cirurgião, com a sua mulher Margarida Peres, Lourenço de Serpa e Teresa Martins. As elites urbanas tomam, aqui, um importante papel na fundação desta casa de clarissas46.

Na Guarda, o convento começa com um grupo de mulheres (recolhimento de terceiras seculares). Destas, destacam-se Florença Eanes e Maria Fernandes que se deslocam a Avinhão para conseguir do papa a regra de Santa Clara que incorpora o recolhimento da Guarda na Segunda Ordem47. A ter-se realmente

efetuado esta viagem, uma espécie de romaria ou peregrinação, para obter uma graça pontifícia, estamos perante senhoras, pelo menos abonadas, se não mesmo

41 Cf. ESPERANÇA, Fr. Manuel da – ob. cit., vol. II, pp. 95-96.

42 Cf. Portugaliae Monumenta Historica. Nova série, vol. II/2 – Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, pp. 93-94; PIZARRO – Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. 1, pp. 186-195; BARBIERI, Mario – “Afonso Sanchez”. in LANCIANI, Giulia e TAVANI, Giuseppe (org. e coord.) – Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993, pp. 21-23.

43 PIZARRO – Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. 1, pp. 192-193. 44 Conhecida pela confirmação dada por D. Duarte, feita a D. Fernando de Menezes, em 10 de Agosto de 1437, inserta em: O Cartulário do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde. Ed. Carlos da Silva TAROUCA. Separata de Arqueologia e História. 8ª série. 4. Lisboa: 1947, pp. 78-89.

45 MATTOSO, José – “A guerra civil de 1319-1324”. in Portugal Medieval. Novas interpretações. vol. 8 de Obras Completas. Lisboa: Círculo de Leitores, 2002, pp. 217-227; PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor – “Relações político-nobiliárquicas entre Portugal e Castela: o Tratado de Escalona (1328) ou dos “80 Fidalgos”. in IV Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. As relações de fronteira no século de Alcanices. Actas. vol. 2. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1998, pp. 1255-1277; ANDRADE – In Oboedientia, Sine Proprio, Et In Castitate,pp. 386-387.

46 Cf. ESPERANÇA, Fr. Manuel da – ob. cit., vol. II, p. 340-341

47 Cf. ESPERANÇA, Fr. Manuel da – ob. cit., vol. II, p. 321. Recebendo do papa, pela bula Exposuerunt nobis, a regra de Santa Clara e a proteção dos Franciscanos, de acordo com as observâncias da Ordem.

nobres ou pertencentes às elites urbanas, que desejam viver, de forma canónica, um ideal de pobreza, à semelhança de Clara.

O convento de Portalegre é fundado por iniciativa de duas senhoras que recorrem à mercê do monarca Fernando para iniciar a construção do edifício do mosteiro48. No entanto, destas mais nada se sabe, a não ser que, tal como nos

anteriores recolhimentos, contam com o apoio dos reis e dos agentes locais, para construírem o cenóbio.

Mas nem tudo é fácil nestes processos de fundação, os casos mais complexos e onde são visíveis grandes tensões, são os de Châmoa Gomes e o de Mor Dias.

Quanto à primeira, os bens por ela deixadas em testamento49 ao mosteiro,

logo após a sua morte (que terá ocorrido por volta de 1278), são disputados, como ela temia, pelos familiares, oriundos de Aragão. A questão é dirimida junto do papa e opõe o cenóbio a Gonçalo Eanes de Vinhal, marido de Beringela de Cardona, neta de Maria Rodrigues, tia de D. Châmoa, casada em Aragão. Esta contenda acaba favoravelmente para o cenóbio.

Por outro lado, a contenda iniciada por Santa Cruz de Coimbra contra a instituição de um convento de clarissas com os bens que Mor Dias tinha e que supostamente pertenciam aos crúzios, uma vez que ela se encontrava “acolhida” no mosteiro de São João das Donas50, prolonga-se por cerca de 30 anos e só terminará

com a extinção, em 1311, pelo bispo D. João Martins de Soalhães51 – apesar do

apoio dos franciscanos52 – e depois pela refundação determinada pela rainha Isabel

de Aragão, três anos depois53.

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