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Por fim, o último vetor de análise. Que mulheres se acolhem no interior destas comunidades: as filhas da burguesia urbana? Ou antes as da nobreza? Há modelos de comportamento a seguir? Vejamos, para isso, o recrutamento social das monjas

48 Cf. TT, Chancelaria de D. Fernando, liv. 3, fl. 61v.

49 TT, OFM, PP, Santa Clara do Porto, Mç. 169, doc. 12 e Arquivo Distrital do Porto (doravante ADP), Fundo Monástico, Mosteiro de Santa Clara do Porto, nº 5026 (Tombo 1º), fls. 15-18v. Testamento estudado por PIZARRO – “Pela Morte se conhece um pouco da Vida”, pp. 219-233.

50 Sobre o Mosteiro: MARTINS, Armando Alberto – O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média. Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa, 2003, pp. 469-481.

51 ADB, Gaveta das Religiões, nº 30. 52 Cf. ADB, Gaveta das Religiões, nº 27.

53 A rainha Isabel interessa-se pela fundação, consagrada à sua tia-avó e obtém do cardeal Arnaldo (a 10 de Abril de 1314). Cf. TT, OFM, PP, Santa Clara de Coimbra, Mç. 18, doc. 6. Obtém ainda o consentimento de D. João Martins de Soalhães para demandar os bens de D. Mor que se encontravam na posse de Santa Cruz.

e as relações que, entre elas, estabelecem, no interior da comunidade e, no exterior, com as famílias de sangue.

A afirmação de um convento e o recrutamento das suas freiras obedecia a várias motivações, quer de ordem pessoal e vocacional, quer de interesses familiares que têm sido os mais valorizados, na tentativa de compreensão do papel dos mosteiros na sociedade medieval.

A política de recrutamento assenta pois, na maioria dos casos, em acordos estabelecidos entre as famílias e o mosteiro, que procura atrair mulheres com algumas posses e que, pelo prestígio e poder da linhagem que representam, possam dignificar a memória da comunidade. Esta relação é notória em alguns aspetos da vida conventual, nomeadamente no facto das religiosas conservarem o nome de família.

Não existe uma fonte única, nem suficientemente autónoma, para saber quem são (de que região, ou família) as mulheres que entram nos mosteiros de clarissas nesta época. No entanto, a documentação fornece, a espaços, indícios e nomes que permitem, de forma regular e proveitosa, ter uma visão de conjunto da composição de três das casas em análise: Santarém, Entre-os-Rios e Coimbra54.

No cenóbio de Santarém, torna-se visível um recrutamento feito essencialmente entre as elites concelhias da urbe lisboeta e das filhas de famílias de cavaleiros vilãos de Santarém (e seu termo).

Há, no entanto, que registar a presença de duas mulheres da família real, Leonor Afonso, filha bastarda de D. Afonso III e Margarida Afonso de Sousa, neta do mesmo monarca e filha de Martim Afonso (irmão bastardo de D. Dinis)55. A

presença destas duas senhoras pode e deve ligar-se diretamente ao apoio concedido por D. Afonso III ao cenóbio, apesar de nem uma nem outra ocuparem lugares de destaque no interior da sociedade conventual. Notória é, sem sombra de dúvida, a presença das filhas de famílias de cavaleiros vilãos de Santarém, bem como de Lisboa. São casos paradigmáticos as freiras dos de Azambuja, dos de Casal56, dos

da Rochela, dos da Silveira, ou ainda outras de famílias menos conhecidas mas igualmente poderosas e com interesses económicos ligados à terra, como Maria Esteves Mafarra (neta de João Viegas, cavaleiro de Santarém e filha de Estêvão Eanes Viegas, cavaleiro e alcaide de Óbidos)57.

54 Para a análise que faremos nesta parte, baseamo-nos nos dados fornecidos por: ANDRADE – ob. cit. 55 Sobre a genealogia desta família: PIZARRO – Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325), vol. 1, pp. 171-186.

56 FREITAS, Eugénio Andrea da Cunha e – “Gerações medievais portuguesas. Cavaleiros e Escudeiros do Casal”. Anais da Academia Portuguesa de História 12 (1962), pp. 197-207.

57 Ver ANDRADE, Maria Filomena – “João Viegas, cavaleiro de Santarém: um percurso patrimonial”. in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Marques. vol. 3. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 363-374.

Em Entre-os-Rios, a realidade da composição do convento tem de ter em conta vários fatores, como a região em que se implanta, onde pontuam grandes e tradicionais casas senhoriais, bem como a ligação familiar do casal fundador a Ciudad Rodrigo, Leão e Aragão.

Entre as famílias representadas no cenóbio destacam-se as das Astúrias, a dos Coelho e de Teixeira que, com firmeza e determinação, ocupam, nos primeiros tempos de vida do mosteiro, os cargos e os papéis de maior relevo no seio da comunidade.

Mas, como em Santarém, embora de uma forma menos visível, algumas famílias da classe média em ascensão, especialmente do Centro e Norte de Portugal, procuram aqui um lugar. Tal e o caso dos Ferrazes58, burgueses das elites concelhias

do Porto, os de Oliveira, cavaleiros de Coimbra e os Sanfanho, cuja riqueza parece mais concentrada no Entre-Douro-e-Minho.

Ao considerar esta temática, no que respeita ao cenóbio de Coimbra, é necessário ter em conta a presença de D. Isabel, a rainha (re)fundadora que vive junto do convento, com a sua corte, durante cerca de dez anos, consagrando uma influência pessoal que torna apelativa a opção mendicante59. Assim, esta presença

junto ao cenóbio das pobres damianitas atrai um sem número de mulheres, algumas mais difíceis de identificar do que outras, mas todas elas aliadas a uma espiritualidade e devoção não só a Santa Clara mas também à rainha, cujos milagres são conhecidos e já se encontram documentados, em 133660, logo após

a sua morte. Assim, estavam presentes no convento filhas da nobreza de corte, da linhagem dos de Sousa61, Barbosa e Briteiros62, Redondo63, Coutinho64, Melo65,

Alvim, Vasconcelos e Dade.

Ingressar no mosteiro de clarissas de Coimbra não constituía apenas um anseio espiritual, mas era, com certeza, para as elites urbanas, uma forma de conquistar

58 COSTA, Adelaide Millán da – “Entre o sal e o serviço régio: percurso do cidadão portuense Afonso Ferraz”. in Olhares sobre a História. Estudos de Homenagem a Iria Gonçalves. Lisboa: Caleidoscópio, 2009, pp. 193-198.

59 Sobre esta rainha e a sua vida: ANDRADE, Maria Filomena – Isabel de Aragão. Rainha santa, mãe exemplar. Lisboa: Temas e Debates, 2014.

60 Cf. TT, OFM, PP, SCC, Mç. 27, doc. 18.

61 Cf. PIZARRO – ob. cit., vol. 1, pp. 176-177; KRUS, Luís – “O rei herdeiro dos condes: D. Dinis e a herança dos Sousa”. in Passado, memória e poder na sociedade medieval portuguesa. Estudos. Redondo: Patrimonia, 1994, pp. 59-99.

62 Cf. VENTURA, Leontina e OLIVEIRA, António Resende de – “Os Briteiros (séculos XII-XIV).

Trajectória social e política”. Revista Portuguesa de História 30 (1995), pp. 71-102.

63 Ver, entre outros: MARTINS, Rui Cunha – Património, Parentesco e Poder. O mosteiro de Semide do século XII ao século XV. Lisboa: Escher, 1992, pp. 54-55 e 60.

64 Cf. OLIVEIRA, Luís Filipe – A Casa dos Coutinhos. Linhagem, Espaço e Poder (1360-1452). Cascais: Patrimonia, 1999.

65 PINA, Maria Isabel Castro – “Linhagem e Património. Os Senhores de Melo na Idade Média”.

poder na sociedade em que viviam. Assim, é de assinalar a presença, no cenóbio conimbricense, de herdeiras de mercadores e proprietários de terras, oriundos das aristocracias locais que ambicionavam colocar as suas filhas em paridade com as da nobreza, em alguns casos já em decadência, enquanto os negócios deles floresciam.

Como exemplo, podemos olhar mais de perto a situação das abadessas destes três conventos.

Em Santarém, apenas oito abadessas das catorze conhecidas ostentam nomes de família66: Beatriz Gonçalves de Oliveira (abadessa entre 1400 e 1422); Branca

Lourenço Taveira (abadessa documentada em 1331); Estevainha Martins do Casal (abadessa documentada em 1284); Leonor Gonçalves de Vasconcelos (abadessa documentada em 1300); Guiomar Martins de Avelar (1314-1315); Marinha Martins Sobrada (1319-1326); Maria Esteves Mafarra (1332-1338) e Teresa Mendes de Vasconcelos (1350-1396).

E, destas, só três representam famílias bem conhecidas da média nobreza, como de Vasconcelos, de Avelar e Taveira, outras não escondem o poder das oligarquias urbanas, como as do Casal ou a Mafarra.

Na pequena comunidade de Entre-os-Rios, onde as alianças familiares são determinantes, a primeira abadessa67, Sancha Hermiges (1272-1273), pertence

a uma importante família do Entre-Douro-e-Minho, os da Teixeira e a segunda documentada, Mécia Ordonhes (1276-1309), é aparentada com a fundadora. Entre 1312 e 1336, duas irmãs da família Coelho (Maria e Inês) detêm o abadessado e aumentam consideravelmente, com os seus bens, o património do mosteiro. Por fim, a última abadessa do século XIV, Leonor Pereira (apenas documentada em 1399), é da família do Condestável.

Em Coimbra, a partir do estabelecimento da vida conventual, as abadessas são oriundas de famílias da nobreza portuguesa próximas dos monarcas68: Redondo,

Cardona69, Sousa e Pimentel. Aqui, o papel da fundadora, que já por várias vezes

sublinhámos, é determinante, uma vez que a primeira abadessa depois do convento restaurado é Maria Gonçalves Redondo (1317-1328), irmã de Joana Redondo, dama da corte de D. Isabel70 e a segunda, D. Isabel de Cardona (1329-1362), é mesmo

parente da rainha, sua sobrinha71.

66 Para estas abadessas e as datas dos seus abadessados, veja-se: ANDRADE – ob. cit., pp. 664-665. 67 Cf. o quadro dos abadessados deste mosteiro em ANDRADE – ob. cit., p. 666.

68 Cf. o quadro das abadessas de Coimbra em: ANDRADE – ob. cit., pp. 4.67-668.

69 Sobre os Cardona: DAVID, Henrique; BARROS, Amândio; ANTUNES, João – “A Família Cardona

e as relações entre Portugal e Aragão durante o reinado de D. Dinis”. Revista da Faculdade de Letras. História. 2ª série. 4 (1987), pp. 69-87.

70 Cf. ANDRADE – ob. cit., pp. 405-408.

Conclusão

Assim, no que respeita à localização dos mosteiros de Clarissas, podemos concluir que as várias situações apontam para a proximidade de um importante núcleo de povoamento onde possam fazer o recrutamento, receber o apoio social das elites locais e a assistência religiosa dos Frades Menores.

Quanto ao papel do dinamismo fundacional, há mosteiros que partindo de uma comunidade pré-existente, em determinado momento decidem colocar-se na órbita dos mendicantes e formar uma nova entidade. Por vezes, é a iniciativa de um particular que determina a criação de um novo cenóbio, o próprio rei, um senhor nobre ou eclesiástico ou membros das elites concelhias, que dotam a comunidade e se tornam seus patronos.

Para esta situação contribuem a ascensão de novas famílias à nobreza de corte e o ocaso de grande parte da antiga nobreza, especialmente durante o reinado de D. Dinis, ou seja, entre finais do século XIII e primeiros anos do XIV, que é precisamente quando se fundam e desenvolvem os mosteiros de clarissas em análise. A composição dos conventos revela bem esses interesses dos senhores nobres e das elites concelhias em colocarem nestes as suas filhas, cumulando-os de bens (e, por vezes, escolhendo-os como locais de tumulação), com o objetivo de estabelecer relações de dependência mútua destinadas a eternizar-se.

Assim, se os mosteiros cistercienses no século XIII e mesmo no XIV ainda conhecem os esplendores da nobreza da velha cepa, os cenóbios de clarissas, através de elementos da nobreza e das elites urbanas, contando com o apoio régio, conquistam um espaço e preparam-se para enfrentar os novos tempos e crescer sem parar, ao longo dos séculos, até à extinção forçada, nos alvores da contemporaneidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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