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Na perspectiva sócio-histórico-cultural, o papel político desempenhado pelo professor no contexto escolar é indissociável das questões relacionadas ao ensino- aprendizagem. Nesse sentido, Vygotsky (2010) afirma que o educador é sempre político, portanto não deve se comportar como um gramofone que reproduz palavras e que o maior perigo na prática docente é “quando o professor começa a sentir-se no papel de instrumento da educação, num papel de gramofone que não possui sua própria voz e canta o que o disco lhe dita” (VYGOTSKY, 2010, p.448).

Assim, é importante mencionar que para esse autor, questões de ensino- aprendizagem e desenvolvimento só fazem sentido se estiverem relacionando a escola com a vida (VYGOTSKY, 2010). Dessa forma, o autor afirma que “os problemas da educação serão resolvidos quando forem resolvidas as questões da vida”(VYGOTSKY, 2010, p.462). Segundo o autor,

No fim das contas só a vida educa, e quanto mais amplamente ela irromper na escola mais dinâmico e rico será o processo educativo. O maior erro da escola foi ter se fechado e se isolado da vida com uma cerca alta. A educação é tão inadmissível fora da vida quanto a combustão sem oxigênio ou a respiração no vácuo. Por isso o trabalho educativo do pedagogo deve estar necessariamente vinculado ao seu trabalho criador, social e vital (VYGOTSKY, 2010, p.456).

Por outro lado, Rajagopalan (2003) critica o fato de que o professor que cria espaços críticos de discussão em sala de aula desperta inconfiabilidade científica. De acordo com o autor,

O professor que se atreve a criar um espaço dentro da sala de aula para que seus alunos possam discutir livremente a própria vida fora da sala de aula e procurar relacionar o que se aprende nos livros à realidade que eles vivem no seu dia-a-dia é visto com desconfiança e tachado de agente provocador ou alguém que confunde a nobre

tarefa de educar com a prática nefasta de ‘fazer cabeças’, de doutrinar” (RAJAGOPALAN, 2003, p.110).

Nesse contexto, é relevante dizer que quando o professor assume uma posição política e ativista (RAJAGOPALAN, 2003; FREIRE, 1986; MAGALHÃES, 2012), muitas vezes, se vê entre o medo e a ousadia em seu cotidiano (FREIRE e SHOR, 1986) e assume riscos ao tentar algo novo. Por outro lado, como apontado por Celani (2004, p.37), sem um mínimo de riscos não há perspectiva de uma nova aprendizagem e “os caminhos, os novos mapas da aprendizagem inovadora estão cheios dos ‘riscos’ da inovação”.

Para Rajagopalan (2008, p.86), o ensino de línguas tem desdobramentos indiscutivelmente políticos, por ser uma atividade transformadora e eminentemente política. De acordo com o autor, nesse contexto, o papel do professor deve ser o de “um ativista, um militante, movido por um certo idealismo e convicção inabalável de que, a partir da sua ação, por mais limitada e localizada que ela possa ser, seja possível desencadear mudanças sociais de grande envergadura e consequência” (RAJAGOPALAN, 2003, p.106). Nessa direção, Freire (1986, p.36) enfatiza que, “os professores têm de tornar-se, cada vez mais, militantes! Devem tornar-se militantes, no sentido político dessa palavra. Algo mais do que um ‘ativista’. Um militante é um ativista crítico”.

Em consonância com esse autor, Sheyerl (2009, p.130) aponta que o professor não deve ser um mero reprodutor das lições ditadas por materiais didáticos elaborados por editoras que ignoram o contexto real de ensino, nem deve ser apenas um cumpridor de programas ou currículos, mas que contribua para a transformação do mundo social dos seus alunos.

Avançando essa questão,Tilio (2012, p.140) afirma que o professor é mais do que um mero instrutor; assim, ele precisa se preocupar com questões sociais, políticas e culturais que sejam relevantes à vida do aluno. Para esse autor, o professor precisa dar voz aos seus alunos e, como intelectual, fazê-los pensarem criticamente e lutarem por mudanças quando necessário.

Nessa direção, Siqueira (2010) argumenta que o professor de línguas deve reconhecer e construir o ensino de línguas como uma atividade política. Nessa perspectiva, Tílio (2015, p.58) nos lembra que o tema de uma atividade tem um papel central na abordagem crítica que se preocupa com a formação cidadã do aprendiz. Dessa forma, o conteúdo temático escolhido pelo professor no contexto de

  ensino-aprendizagem deve ser relevante para a vida do aluno, para que ele se engaje em práticas sociais que tenham relevância em sua vida.

Da mesma forma, Ferreira (2006, p.36) argumenta que as discussões que emergem em sala de aula refletem diretamente na vida dos alunos e, consequentemente, no comportamento deles perante a sociedade. Para Gray (2012, p.111), não importa em que contexto o ensino de Língua Inglesa ocorra, ele é necessariamente uma atividade política e portanto cabe a nós como professores e como linguistas aplicados entender a natureza dessa atividade, especialmente a natureza dos instrumentos que nós usamos para realizá-la.

A esse respeito, Rajagopalan (2013, p.161) questiona: “em que consiste uma iniciativa de natureza política diferente da científica?” Para ele, a primeira consiste na ação e não na constatação. Desta forma, “as ações políticas são medidas intervencionistas”. Assim, nesta pesquisa, inserção crítica e ação tornam-se a mesma coisa (FREIRE, 2005). Nesse contexto, é importante ressaltar que, como professores, “não seremos capazes de desafiar todas as formas de poder que são reproduzidas em sala de aula, mas, por outro lado, também não podemos nos colocar como meros expectadores das lutas sociais” (PESSOA, 2015, p.131).

Para Magalhães (2004, p.46), a escola deve ser vista como um espaço cultural, social e político, e não apenas como um local de transmissão de conhecimentos neutros e desvinculados do contexto particular de ação e da sociedade mais ampla. Também nessa direção, já argumentava Freire (1986, p.62), que um ato de conhecimento não é uma mera transferência de conhecimento, mas, sim, um ato dialógico que pressupõe um trabalho conjunto, do professor e do aluno, que consiste em conhecer e re-conhecer o objeto de estudo. Dessa forma, “em vez de transferir o conhecimento estaticamente, como se fosse uma posse fixa do professor, o diálogo requer uma aproximação dinâmica do objeto” (FREIRE e SHOR, 1986, p.65).

Nesse sentido, Hooks (1994), apoiada em Freire (1987), afirma que deve haver um constante reconhecimento de que todos os sujeitos influenciam nas dinâmicas de sala de aula, pois isso potencializaria a criação de uma comunidade aberta de aprendizagem. Nessa direção, Bohn (2015) argumenta que o professor deve mediar e garantir que os atores da sala de aula exerçam o direito de articular seus pontos de vista. De acordo com o autor, “isto pode ser feito dentro da dialogia das inúmeras vozes que discursam na sala de aula, na linguagem dos alunos e na linguagem do professor” (BONH, 2015, p.35). Nesse contexto, Freire (1996, p.113)

afirma que “o educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso”.

Portanto, todas as considerações acima apontam que o professor tem um papel político e que sua prática pedagógica deve ser informada por questões que sejam relevantes à vida dos aprendizes e às demandas da contemporaneidade. Na próxima seção, discuto o papel do material didático na perspectiva crítica.