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Parâmetros urbanísticos: análise sobre a influência no desempenho climático de recintos urbanos

relevo Fonte: Oke (1999, p.185)

Tipo 4- Bairro Canafístula

5.4 Parâmetros urbanísticos: análise sobre a influência no desempenho climático de recintos urbanos

Os parâmetros urbanísticos são índices27 que fornecem referenciais para intervenções relacionadas às construções no espaço urbano, incluindo uso e ocupação do solo, e que são aplicáveis no desenvolvimento de projetos arquitetônicos ou ainda, em processos de regularização e gerenciamento do ambiente construído. Como estão diretamente relacionados com o processo de ordenamento e ocupação urbana e definidos através da legislação urbanística municipal, os parâmetros urbanísticos constituem importantes instrumentos para o estímulo e definição dos padrões de forma urbana, como também, da densidade construtiva e populacional urbana. Os denominados parâmetros tradicionais correspondem aos índices comumente utilizados pelos órgãos públicos municipais para a aprovação e regularização dos projetos arquitetônicos e urbanos, tais como: taxa de ocupação do lote, coeficiente de aproveitamento do lote e recuos.

Conforme a discussão apresentada no Capítulo 2, a importância destes instrumentos na determinação dos padrões morfológicos de tecidos urbanos e na densidade construtiva urbana, fundamentou as principais hipóteses e objetivos da presente pesquisa. Desta forma, entende-se que um estudo sobre a relação entre a forma e a densidade urbana pode apontar critérios de desempenho ambiental qualitativos e quantitativos que possam subsidiar políticas públicas e decisões de projeto urbano, subsidiando o processo de planejamento, o desenho urbano e o projeto arquitetônico.

Para a presente pesquisa, o objeto empírico estudado, a cidade de Arapiraca, corresponde apenas a um ponto de partida para identificação dos principais condicionantes de ocupação urbana que apresentam interferência direta no desempenho climático de estruturas urbanas, sendo estes condicionantes representados pela quantificação dos parâmetros urbanísticos, já que os mesmos definem os padrões morfológicos dos tecidos urbanos. Estes parâmetros subsidiam a caracterização física espacial destes tecidos. Os resultados alcançados podem ser aplicados a realidades climáticas semelhantes, por isso, o estudo do perfil climático de Arapiraca foi fundamental para delimitação deste universo físico-ambiental. Porém, independente da aproximação climática para possibilidade de futuras aplicações, esta pesquisa pretende alertar sobre a necessidade de análise de parâmetros ainda não contemplados no processo de planejamento urbano e que podem ser fundamentais no entendimento do desempenho climático de estruturas urbanas. Este entendimento quando integrado aos processos de planejamento poderá ser significativamente importante para a qualificação do desenho urbano, com enfoque nos condicionantes bioclimáticos.

Já que a princípio e, em teoria, o estabelecimento de parâmetros urbanísticos visa favorecer o controle para ocupação urbana caracterizada pelas condições ambientais mínimas, permitindo a salubridade urbana e protegendo as relações ambientais de vizinhança e a qualidade de vida local, são estes instrumentos que devem ser analisados e revisados para otimizar o desempenho climático urbano, principalmente diante das demandas

27 Segundo a NBR 6505/1994 os índices urbanísticos são expressões matemáticas de relações entre grandezas físicas e as socioeconômicas, bem como, entre grandezas físicas para fins urbanísticos.

contemporâneas ligadas aos aspectos integrados de conforto térmico e de desempenho climático de estruturas urbanas.

Brandão (2009) aplicou diversos modelos climáticos e outro desenvolvido pelo autor para um estudo de caso, com o objetivo de avaliar a relação entre os resultados ambientais e a ocupação da área urbana. Sua pesquisa partiu da hipótese de que a ocupação urbana pode ser descrita somente através dos parâmetros que são mais frequentemente utilizados no planejamento urbano (taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento e recuos), afirmando primeiramente que estes são suficientes para que se determine a ambiência térmica de um determinado espaço urbano. O sentido de determinar, neste estudo, estava atrelado ao objetivo da pesquisa correspondente à elaboração de um modelo preditivo (equação preditiva elaborada a partir da análise de regressão utilizando-se dados climáticos e dados de ocupação do solo, coletados a partir do objeto empírico escolhido). Porém, sua hipótese foi refutada e a importância da respectiva pesquisa, realizada a partir da análise empírica, no distrito de Moema, São Paulo -SP, e de modelos analíticos de clima urbano e simulações computacionais, foi revelar que os parâmetros tradicionais de planejamento urbano não são suficientes para determinar a ambiência térmica urbana. A respectiva pesquisa buscou fornecer uma metodologia de avaliação da ambiência térmica a partir do desenvolvimento de um modelo para explicar a relação entre as variáveis ambientais e os parâmetros de ocupação urbana. O estudo destacou a importância de parâmetros não utilizados nas legislações urbanísticas como o índice de compacidade urbana na definição da ambiência térmica e energética dos espaços estudados.

É importante ressaltar, como serão discutidos a seguir, que diferentes padrões morfológicos podem responder a um mesmo padrão de densidade construtiva e populacional, com diferentes configurações de espaços abertos, condições microclimáticas e distribuições de usos. Os parâmetros urbanísticos tradicionais se referem exclusivamente à caracterização do edifício em relação ao lote, ou seja, embora apresentem influência na morfologia geral de recintos urbanos, são estabelecidos para tratar o edifício de maneira isolada. Já os parâmetros urbanísticos avançados apresentam-se para análise geral do tecido, extrapolando a escala do edifício e podem, como no presente estudo, corresponder à caracterização de uma quadra ou conjunto de quadras.

Para compreensão dos resultados deste estudo, serão discutidos, previamente, os aspectos conceituais referentes aos parâmetros urbanísticos abordados para a análise dos tecidos urbanos monitorados e dos cenários hipotéticos simulados. A partir da fundamentação teórica, baseada nos estudos de climatologia urbana, serão comentadas, a partir de alguns exemplos, as possíveis influências sobre o desempenho ambiental da estrutura urbana e sobre o aproveitamento, ou não, dos condicionantes bioclimáticos. Nos quadros a seguir (5.3 a 5.14) são apresentados os conceitos e informações para a quantificação dos parâmetros urbanísticos analisados para a avaliação do desempenho climáticos dos tecidos e cenários hipotéticos deste estudo.

Quadro 5.3: Informações sobre o parâmetro recuos e sua importância bioclimática. 1. RECUOS OU AFASTAMENTOS C O N C E ITO

Correspondem à distância mínima em relação aos limites do lote a partir da qual se pode edificar. Os valores referentes a estas distâncias (identificadas em metros) podem ser fixos para cada tipo de face do lote (recuo frontal, recuos laterais, recuo de fundo) ou podem ser progressivos, ou seja, podem apresentar variação de acordo com a altura da edificação.

Unidade de medida: m (metros)

ILU ST R A Ç Ã O

EFICAÇÃO COM TODOS OS RECUOS

Recuo Médio do lote: Nr= 4 recuos Recuos i= 8,43+12,11+10,32+9,63 Recuos i= 40,49m Rm= 40,49/4 Rm=10,12m C O M O CALCULAR Recuo Médio (Rm) Rm= ∑

Nr: número total de recuos (m)

Recuos i: somatório de recuos do

edifício i (m)

Exemplo:

Calculo considerando o Rm da malha urbana. Malha: T1 CH1:

Nr = 360 (número de recuos da quadra)

Recuos i= 540m (somatório dos recuos da quadra) Rm= Rm=1,5m IM PORT Â N C IA

Os recuos contribuem para o acesso à radiação solar e à ventilação natural no interior da edificação. Porém, não existem especificações quanto à orientação do lote e da construção, nem em relação à topografia. Os afastamentos, principalmente os laterais são aplicados para garantir a salubridade das edificações, pois, dependendo da distribuição interna dos ambientes, as janelas serão posicionadas nas fachadas laterais e ambientes mal ventilados e mal iluminados, ou sem ventilação, tornam-se propícios ao surgimento de fungos (principal causa doenças respiratórias). O afastamento lateral também garante a segurança da edificação, em caso de incêndio, evitando a rápida propagação do fogo de uma edificação para outra. O mesmo ocorre no caso de necessidade de demolição, pois não ocorrerá interferência entre diferentes estruturas

No cenário hipotético T1CH1, as edificações apresentam-se em lotes estreitos com recuos reduzidos, pois a maioria está implantada de modo geminado, semelhante a atual ocupação do bairro Brasília, em Arapiraca- AL.

Quando a ventilação natural for identificada como estratégia bioclimática para adequação de arranjos construtivos urbanos, o estabelecimento de recuos é indispensável. Além de favorecer a qualidade ambiental dos edifícios, os recuos são fundamentais para garantir a distribuição das massas de ar nos tecidos urbanos, contribuindo para efetivar a aplicação da estratégia na escala urbana. Quanto maior o afastamento do edifício em relação ao lote, maior a possibilidade de aproveitamento das massas de ar e da radiação solar (para fins de aproveitamento da iluminação natural) na escala do edifício e na escala urbana.

Porém, como foi abordado no capítulo 2, a otimização da distribuição das massas de ar depende, também, da orientação da edificação e do conjunto edificado em relação aos ventos predominantes locais e da geometria deste conjunto. Ou seja, a simples definição de distanciamento entre edificação e lote não garante o satisfatório desempenho climático do ambiente urbano e do edifício.

Além disso, o que tem sido constatado na maioria dos códigos de edificações dos centros urbanos brasileiros é o estabelecimento de recuos mínimos (geralmente 1,5m para recuos laterais em áreas de média e baixa densidade construtiva), comumente insuficientes para proporcionar uma satisfatória distribuição das massas de ar, comprometendo o aproveitamento da estratégia bioclimática e, consequentemente, prejudicando a dissipação do aquecimento térmico produzido na estrutura urbana. Este fato tem ocorrido devido à própria dinâmica urbana e pressão do mercado imobiliário quanto à utilização excessiva do solo urbano para fins lucrativos.

Quando a ventilação natural não for desejada (devido às solicitações climáticas como, ocorrência de massas de ar com temperaturas muito elevadas ou muito reduzidas ao longo do ano), o estabelecimento dos recuos pode ser dispensado para favorecer o desvio das massas de ar em relação ao conjunto edificado, otimizando as condições de conforto térmico local.

Como exemplo de adaptação climática de regiões de clima semiárido, com temperaturas extremamente elevadas durante o dia (mais de 40°C) e reduzidas durante a noite (entre 6°C e 10°C, no período de inverno), a inércia térmica do conjunto edificado corresponde a principal estratégia bioclimática Esta estratégia é alcançada a partir de um conjunto edificado compacto (ruas estreitas para evitar a incidência direta da radiação solar durante o dia e a penetração dos ventos quentes) e edificações de paredes espessas (para retardar a passagem do calor externo), sendo marcante a presença de pátios internos (para contato com área externa de microclima diferenciado devido ao uso de vegetação e fontes para incrementar a umidade e reduzir a temperatura do ar) (figura 5.19).

Figura 5.19: a) Vista aérea do bairro de Medina, Marraquexe, Marrocos (visão dos pátios

internos); b) vista de uma rua no distrito de Rahba Kdima, Marrequexe (sombreamento a partir da aproximação das edificações).

a) b)

Fonte: goo.gl/931NgF Fonte: goo.gl/tbjPlH

Em regiões de clima quente e úmido, a ausência de recuos pode comprometer o aproveitamento da estratégia bioclimática: ventilação natural, afetando, consequentemente, as condições de conforto térmico na escala urbana e dos espaços internos dos edifícios. Isso porque o conjunto edificado não apresentará potencial para a distribuição das massas de ar nas duas escalas. Em Copacabana, a presença de edifícios sem afastamentos laterais nas primeiras quadras da orla marítima, representa uma barreira para a distribuição das brisas e massa de ar. Apesar do sombreamento das vias, a dissipação do calor antropogênico do tecido urbano torna-se prejudicada (figura 5.20).

Figura 5.20: Edificações em Copacabana-RJ: ausência de recuos, na primeira quadra,

segunda quadra, respectivamente e esquema representando o efeito barreira para ventilação natural.

Quadro 5.4: Informações sobre o parâmetro taxa de ocupação e sua importância bioclimática.