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Movimento 2. Vivendo o Movimento Autêntico: narrativa em 1ª pessoa

1. Parênteses: para saber das origens

O Movimento Autêntico surgiu nos Estados Unidos, na década de 50 e 60 com Mary Starks Whitehouse9. Whitehouse foi bailarina formada pelo Wigman Central Institute10, em Dresden, Alemanha, com larga experiência profissional como performer e no treinamento e ensino de dança, tendo em seu currículo escolas como Jooss Ballet School, Bennington Summer School, Martha Graham School e outras (FRANTZ, 1999). Além de dançarina, estudou no C. G. Jung Institute em Zurique, no entanto não se formou nessa instituição.

Sua pesquisa com dança e improvisação, seus estudos em psicologia analítica, bem como sua análise pessoal, influenciaram-na no desenvolvimento do que chamou Movimento em Profundidade. Interessou-se em investigar um trabalho no qual o movimento e a fisicalidade trouxessem à tona fluxos de materiais inconscientes, ou seja, da profundidade do sujeito. Entendia que um movimento seria autêntico na medida em que emergisse do Self, sob a perspectiva de algo genuíno, conectado ao sujeito, o qual a pessoa não teria “truques” ou “trapaças” consigo própria.

Os elementos que compreendem sua pesquisa estão em confluência com todo um movimento que percorre o século XX e que estabeleceu a história da dança moderna e contemporânea. Considerando os acontecimentos históricos e o desenvolvimento na filosofia, artes e medicina do ocidente, a pesquisadora Christine Greiner (2006) contextualiza que as primeiras décadas do século XX foram marcadas por movimentos da arte moderna como surrealismo, dadaísmo, além das efervescentes teorias da seleção natural, da relatividade, física quântica. Tais confluências acabaram por inevitavelmente modificar o modo de entender o mundo. E a dança que se construiu neste contexto, “seria mais uma estratégia de sobrevivência e jamais um adereço” (2006, p. 79).

9 Mary Starks Whitehouse (1911 – 1979), California / EUA.

10 Mary Wigman (1886 – 1973), dançarina alemã considerada uma das pioneiras na dança expressionista e um expoente na dança moderna. Dançarina e professora, teve sua escola em Dresden, e também em outros países, influenciando toda uma geração de artistas.

No diálogo com este curso espaço-temporal, podemos destacar o desenvolvimento da psicanálise e o evento da hipnose, nas quais o corpo é visto “como revelador de mecanismos inconscientes, de natureza tanto psíquica como física” (SUQUET, 2008, p. 517). Segundo esta autora, foram diversos os artistas que, sob suas perspectivas, privilegiaram como foco de estudo o movimento involuntário do corpo.

A dançarina Mary Wigman é considerada uma das fundadoras da dança expressionista alemã. O expressionismo nas artes está associado ao período das duas grandes guerras mundiais, com certo teor pessimista diante dos efeitos devastadores de tais eventos, que teve como premissa o desejo de confrontar o espectador a uma visão mais direta e pessoal de seu estado de espírito (FARTHING, 2011). Wigman, discípula do estudioso Rudolf Laban, a partir dos pressupostos de seu mestre, mergulha também na pesquisa do espaço intracorporal, dando ênfase à improvisação, na qual as emoções do dançarino e a escuta da respiração realizariam a sua dança (SUQUET, 2008).

É neste ambiente que chego à constituição da abordagem que aqui me dedico a pesquisar, que tem em sua raiz primeira a própria dança, em relação aos estudos da psicologia. Apesar de ser considerada uma pioneira na terapia pelo movimento e dança terapia, Whitehouse não se interessava por estes termos para cunhar seu trabalho. Acreditava que a sobreposição das palavras ‘dança’ e ‘terapia’ traziam a imagem estereotipada, ligada a distúrbios mentais, limitações emocionais ou a um ambiente hospitalar. O que a interessava, na verdade, era o processo que promovesse crescimento pessoal, que se poderia dar tanto em direção à arte quanto ao autoconhecimento, e seus espaços estabelecidos da terapia (FRANTZ, 1999).

Como continuidade dos estudos de Whitehouse, sua discípula Janet Adler11, fundou nos anos 80 a primeira escola de Movimento Autêntico, The Mary Starks Whitehouse Institute em Massachusetts/EUA. Além de fundar a escola, Adler cunhou o termo autêntico, estabelecendo-o enquanto disciplina. Afirma que foi o crítico de dança John Martin, nos anos 30, a primeira pessoa a utilizar as palavras ‘movimento autêntico’, ao referir-se à dança de Mary Wigman (GEISSINGER, 2015).

Segundo Soraya Jorge (2009), Adler deu continuidade à pesquisa de Whitehouse partindo da questão do impulso do movimento, que era realizado de olhos fechados. Como sua discípula, Adler interessou-se pelo modo como sua mestra colocava-se como observadora de seus alunos. Assim, avançou no entendimento da abordagem como uma prática em relação, agregando ao estudo a presença da testemunha.

Tal abordagem desenvolveu-se no período em que se difundiram grande parte das abordagens hoje denominadas como Educação Somática. Junto de muitos destes pesquisadores, Whitehouse e Adler compreenderam a integração entre mente, corpo, espírito:

As palavras utilizadas por Mary Whitehouse e Janet Adler para falar do Movimento Autêntico estão contextualizadas com o momento de suas pesquisas, na qual o retorno ao ritual, às influências das práticas orientais, e a conexão com a potência divina como potência de si podiam ser vivenciadas no movimento através das conexões com a percepção e consciência corporal. (JORGE, 2009, p. 18)

Na relação com alunos que vinham tanto de práticas terapêuticas, como artísticas e meditativas, Adler entende que a abordagem pode relacionar-se tanto com os campos da cura, da arte, bem como com os estudos místicos e transcendentes (JORGE, 2009), não sendo restrita a um único ambiente. Nesse sentido, entendo que Adler ampliou os campos de alcance, para além do espaço da dança. A educadora e coreógrafa Andrea Olsen afirma que, em seus estudos com Janet Adler, sua mestra estava interessada em trabalhar com dançarinos, no sentido de considerar mais rico o trabalho que era realizado em estúdio, do que aquilo que costumava ver no palco (OLSEN, 2007), num trânsito que, em sua experiência, ocorria entre trabalho criativo e cura. Janet Adler viveu por muitos anos na Califórnia (EUA) e atualmente mora na Ilha de Galiano (Canadá), onde oferece cursos e supervisões de Authentic Movement. Seus treinamentos, neste momento, têm se dado principalmente na compreensão da mesma enquanto uma prática mística.

Apesar de caber a Janet Adler o desenvolvimento da estrutura da abordagem, com o componente movedor-testemunha, bem como a linguagem que nela se estabelece, outras três pesquisadoras também estudaram com Mary Whitehouse e

podem ser consideradas, junto a Adler, como grandes difusoras da abordagem, em seus campos de saber: Neala Haze, Joan Chodorow e Tina Stromsted12. Neala Haze13 foi membro da Academy of Registered Dance/Movement Therapists e foi uma das fundadoras do Instituto de Movimento Autêntico em Berkeley/CA. Joan Chodorow é Ph.D, também membro da Academy of Registered Dance/Movement Therapists e analista jungiana. Tina Stromsted é Ph.D, analista jungiana, psicoterapeuta e dança/movimento terapeuta.

Conectando-me à linha do tempo que repassa as origens do Movimento Autêntico, contextualizo que venho estudando a abordagem com a facilitadora Soraya Jorge. Jorge estudou ao longo de 10 anos consecutivos com Janet Adler na California/EUA e é formada pelo Authentic Movement Institute. Também estudou, fez supervisões e participou de grupos com Joan Chodorow, Tina Stromstead e Neala Haze, sendo também assistente desta última. É co-fundadora do CIMA – Centro Internacional do Movimento Autêntico no Rio de Janeiro/RJ, e é reconhecida por trazer o MA ao Brasil enquanto abordagem por si só (desde o ano de 1999), sem hibridações com outros campos de atuação ou outras práticas corporais e somáticas.

Para finalizar este parêntese das origens da abordagem, gostaria de dedicar algumas considerações sobre sua integração aos conhecimentos da Educação Somática. Conforme já foi desenvolvido no Movimento 1, são diversas as técnicas e disciplinas que compõem este campo de saber, as quais, mesmo tendo como princípio comum a perspectiva da experiência do sujeito, podem diferir muito nas escolhas de caminhos para tal. Nancy Allison (1999) criou uma enciclopédia das Disciplinas Mente-Corpo, na qual faz uma extensa compilação de abordagens e técnicas. Para tal organização, criou dezessete subdivisões, agrupando as técnicas por aquilo que priorizam. São algumas destas subdivisões: Métodos de manipulação do esqueleto (exemplo: Terapia Cranio-Sacral), Terapias sensoriais (exemplo: aromaterapia), Massagem (exemplo: Rolfing), Métodos de terapia do movimento (exemplo: Body Mind Centering e Técnica Alexander), Práticas somáticas (exemplo: Contato Improvisação), Meditação, Estruturas de avaliação psicofísica (exemplo:

12 É possível ter mais informações sobre seu trabalho em seu site: http://www.authenticmovement- bodysoul.com

Sistema Laban de Movimento), Psicoterapias orientadas para o corpo (exemplo: Bioenergética)14. Por fim, a subdivisão que aqui nos interessa: Arte terapias expressivas e criativas, onde inclui abordagens como arte terapia, dança terapia, musico terapia e movimento autêntico. A autora justifica tal localização ao movimento autêntico por considerá-lo “um processo de dança-movimento praticado por indivíduos e grupos como uma maneira de aprender com a própria experiência do corpo”15 (ALLINSON, 1999, p. 350). A autora ainda complementa que “o processo leva a um profundo respeito pela sabedoria do corpo e é praticado para diversos fins, como o enriquecimento pessoal, a percepção espiritual, a renovação artística, a psicoterapia ou o ritual coletivo” (Idem, p. 350).

Amparada por esse fio que perpassa a história, prossigo a narrativa agora sob o ponto de vista da minha experiência.