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Assistência prestada pela Casa dos Pescadores de Aveiro entre 1954 e

4.3. Quotidianos Femininos

4.3.5. Para Além do Trabalho

A presença masculina é muitas vezes utilizada para lazer. Porém, em casos de maior necessidade económica ou de difícil relação sentimental, a ocupação do tempo feminino não sofria grande alteração. Neste sentido, os testemunhos da D. Maria Júlia, mulher do Imediato do navio-motor Capitão José Vilarinho, e da D. Rosa Santos, mulher do Cozinheiro do arrastão Santo André, revelam que a ocupação do tempo feminino é lembrada como mais agradável ao nível pessoal e afectivo, quando o marido estava presente.

“Quando ele estava em casa era muito melhor, pelo menos saía de casa e distraía-me um pouco. Era muito mais triste quando ele não estava. Não havia comparação. Nós andávamos seis meses a ansiar que eles chegassem para ter a companhia e o carinho deles. Pelo menos nessa altura fazíamos uma vida a dois.” (entrevista a D. Maria Júlia, Gafanha d´Aquém, 22-02-2008)

“Não trabalhava tanto. Saímos mais para ir passear. Ao Domingo saíamos sempre, dávamos uma volta na Costa Nova, a Mira, à Vagueira ver a Xávega, íamos ver os navios ao cais da Gafanha.” (entrevista a D. Rosa Santos, Ílhavo, 03- 03-2008)

No caso da D. Maria Nova, mulher do Maduro do arrastão Santa Mafalda, o facto de o marido estar presente ou ausente não influenciava em nada a sua ocupação do tempo, pois o ritmo de trabalho tinha de ser mantido para dar continuidade ao equilíbrio financeiro.

“Era geralmente a mesma coisa, do trabalho para casa, de casa para o trabalho. Não havia possibilidade para mais.” (entrevista a D. Maria Nova, Gafanha da Nazaré, 10-03-2008)

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O discurso da D. Rosa Maria, mulher do Maduro do arrastão Santa Mafalda, revela que a ocupação feminina do tempo se mantinha, independentemente da presença do marido, dado o afastamento relacional do casal.

“Desde que ele não me chateasse, ocupava o meu tempo da mesma forma. Eu trabalhava e ele estava em casa ou passeava. Houve uma altura que estava farta daquela situação toda, dele ser malandro, de beber e de abusar de mim. Por isso, decidi que ia fazer uma vida independente da dele. Não o pus fora de casa, mas desse dia em diante cada um dormia na sua cama. Nem ele se preocupava comigo, nem eu com ele. Dava-lhe de comer e lavava-lhe a roupa quando era preciso. Não o abandonei, mas cada um passou a fazer a sua vida. Quando lhe faltava dinheiro lá me vinha pedir, mas não abusava muito. Desde que não lhe faltasse vinho ele não se importava. Estivemos assim até que ele morreu.” (entrevista a D. Rosa Maria, Ílhavo, 27-02-2008)

Em relação aos locais mais frequentados, o discurso oral das mulheres não difere muito. Os eventos religiosos, como a missa ou as procissões, são recordados como os únicos locais frequentados por estas mulheres. Indo ao encontro daquilo que foi dito anteriormente, a união familiar e o apoio dos pais confirma-se pela escolha da casa dos progenitores como local de visita.

Os sítios religiosos e os eventos relacionados com a devoção surgem destacados por algumas mulheres como locais mais frequentados para ocupar o tempo de lazer feminino. Para além do tempo livre, a ocupação do tempo feminino mantinha-se reservado às actividades relacionadas com o governo da casa e da educação dos filhos.

“Ao Domingo ia sempre à missa. De resto, não saía muito de casa, a não ser para ir trabalhar.” (entrevista a D. Maria Nova, Gafanha da Nazaré, 10-03-2008)

“Ia só à missa. Desde que os meus filhos eram pequeninos que iam sempre à missa comigo. Também não dava para ir a mais lado nenhum. Como trabalhava muito ao fim de semana lavava a roupa e tratava da casa.” (entrevista a D. Auzenda, Gafanha d´Aquém, 26-02-2008)

“Ia à missa. O meu divertimento estava sempre relacionado com a religião. Não ia ao cinema, nem a passeios nem a

qualquer outro lado, pois eu tinha sempre muito medo de chegar a casa e ter uma má notícia. Não havia outra razão para não sair, só que tinha esse medo e não queria arriscar, porque isso já tinha acontecido a outras senhoras que tinham saído e que quando chegaram a casa receberam a notícia de uma tragédia.” (entrevista a D. Natália, Ílhavo, 18- 02-2008)

A ocupação do tempo livre feminino também era preenchida pela visita regular à casa dos pais, o que fortalecia a união familiar e produzia relações de apoio:

“Durante a semana estava muito por casa, porque os filhos eram pequenos e tinha de estar com eles. Ia até casa dos

meus sogros. Aos Domingos ia passar o dia à Gafanha d´Aquém, a casa dos meus pais. Era quase sempre a mesma coisa. Não havia carro, não havia televisão. Era assim a nossa vida.” (entrevista a D. Maria Júlia, Gafanha d´Aquém, 22-02-2008)

“Trabalhava a semana toda. Só ao domingo é que saía e ia à missa. De resto estava sempre em casa. É certo que em dias festivos também saia. No dia das comunhões, das procissões. Só nessas alturas é que saía e gostava de ir ver essas coisas todas (…) Ia sempre a casa dos meus pais e dos meus irmãos. Esses eram os locais que mais frequentava.

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De resto, acompanhava sempre a minha filha quando ela precisava, na escola e na catequese.” (entrevista a D. Rosa Santos, Ílhavo, 03-03-2008)

Entre o discurso da D. Beatriz, mulher do Capitão do arrastão Santo André, e da D. Maria Lucília, mulher do Motorista do arrastão António Pascoal, notam-se as diferenças na ocupação do tempo feminino, o qual estava dependente da ocupação socioprofissional do marido e da respectiva remuneração:

“Quando ele não estava não ia a lado nenhum, a não ser ir à missa ou a casa da minha mãe. Se houvesse uma

procissão ia com os meninos e a minha mãe, mas de resto não se ia a lado nenhum. Eles não estavam cá para sair e nós também não saíamos. Como disse, nos meses de Verão íamos para a Costa Nova, mas também não saía muito, de casa para a praia e pouco mais. Assim como eu, a maior parte das mulheres de Ílhavo fazia uma vida recatada. Quando ele cá estava íamos dar umas voltas, a Aveiro, à Costa Nova, a Fátima, a Mira. Quando eles cá estavam aproveitávamos e íamos dar estas voltas, porque sem eles cá estarem não podia ser.” (entrevista a D. Beatriz, Ílhavo, 10-03-2008)

“Passava a maior parte do tempo em casa, trabalhava em casa, tinha os filhos em casa. Às vezes, ao fim de semana,

levava uma merenda e uma manta e ia fazer um piquenique com a minha mãe e com os meus filhos para uma agra que havia aqui perto, que ficava na margem da ria. Como não tinha possibilidade de ir para a Costa Nova era essa a nossa praia e era muito bom.” (entrevista a D. Maria Lucília, Ílhavo, 26-02-2008)

O testemunho da D. Maria da Borda, filha do merceeiro que tinha a loja perto do cais dos bacalhoeiros, revela que no fundo as mulheres dos pescadores bacalhoeiros não saíam muito à rua mas, quando o faziam, notava-se, porque tinham a preocupação de ostentar o incremento económico conseguido pelos seus maridos na pesca do bacalhau.

“As mulheres dos bacalhoeiros eram muito vaidosas. Raramente saíam à rua, mas quando saiam vinham sempre todas bem vestidas. Na Hora da saudade vinham sempre com uma roupinha melhor, nas procissões vinham sempre bem vestidas, os filhos iam muitas vezes vestidos de anjinhos nas procissões. Parece que se sentiam superiores por os maridos andarem ao bacalhau, pelo menos tinham muita vaidade nisso.” (entrevista a D. Maria da Borda, Gafanha da Nazaré, 10-03-2008)