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Assistência prestada pela Casa dos Pescadores de Aveiro entre 1954 e

3.2. Modos de Regulação Social

4.1.4. Rituais de Recepção

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sofrimento pela sua ausência. A felicidade da preparação da chegada do marido surge como dos momentos mais felizes e com mais emoção nas memórias femininas. No fundo, só os momentos de reunião do casal e da família podiam apaziguar os momentos da partida dos maridos para o mar.

As memórias da D. Maria da Borda realçam o movimento na loja dos seus pais aquando da preparação dos rituais da chegada dos maridos.

“A minha mãe vendia panos. Logo antes das chegadas fartava-se de vender panos, para blusas, para saias, para fazer roupas para os meninos. Elas vinham comprar os panos que queriam e depois levavam à costureira para fazer à medida. No dia da chegada era uma festa muito grande. As crianças vinham todas lavadinhas e bem comportadas receber os pais.” (entrevista a D. Maria da Borda, Gafanha da Nazaré, 10-03-2008)

Figura 10: Preçário da loja Proprietária: D. Maria da Borda

Os rituais de recepção dos maridos incluíam a confecção de roupas novas, para as mulheres e para os filhos, de modo a que as chegadas se tornassem num dia de festa.

“Quando ia à chegada fazia sempre uma pecinha de roupa nova, para mim e para as filhas. Não eram roupas das melhores, porque eu é que as fazia, mas havia sempre o cuidado de nos apresentarmos com uma roupinha melhor. Só comprava o pano, o resto era eu que fazia. Nas noites antes da chegada mal conseguia ir à cama, porque tinha a roupa para fazer. Esses momentos eram bons, mas o resto era muito difícil.” (entrevista a D. Maria Nova, Gafanha da Nazaré, 10-03-2008)

Figura 11: Máquina de costura Proprietária: D. Célia

Outro elemento que compunha estes rituais era a preocupação com o asseio da casa, a qual recebia uma limpeza geral e a preparação necessária para a recepção festiva dos maridos, porque estas mulheres tinham a vontade de os receber como uns “reis”, preparando a casa, os filhos e a si próprias para tal recepção.

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“Tinha de ter tudo tratado cá em casa antes dele chegar. O porco já tinha de estar bem sebado no curral. Cheguei a criar o porco em casa da minha mãe e a trazê-lo apenas nas vésperas dele chegar. Também criava galinhas e queria que estivesse tudo preparado e lindo para quando ele chegasse (…) limpava tudo. Tinha de ter tudo num brinco, veja lá que até os currais levavam uma limpeza geral. Tudo preparado para a chegada dele, para que quando ele chegasse encontrasse a casa toda limpinha (…) Era da felicidade de o ter novamente em casa. Era para os recebermos como uns reis, porque de facto era aquilo que eles eram, porque quem atravessa um oceano inteiro para ganhar a vida tem de ser tratado como um rei. Quando era o dia da chegada ia toda a gente ao cais ver, mesmo que não tivesse lá ninguém no navio. Mas quem lá levava os maridos queria ir à chegada toda vaidosa, com uma roupa nova e cheias de importância.” (entrevista a D. Crisanta, Gafanha da Nazaré, 07-03-2008)

Figura 12: Fotografia dos filhos antes da chegada do pai Proprietária: D. Auzenda

“Quando ele estava para chegar nem dormia na nossa cama três dias antes. Queríamos ter a casinha toda limpinha, com tudo a cheirar bem, sem nada fora do sítio. Parecia que estávamos à espera dum rei (…) Tinha sempre uma roupinha a estrear na chegada dele. Quando eles chegavam era uma festa, uma alegria enorme. Eles mereciam tudo, porque a tristeza deles irem embora era muito grande. Quando eles se iam embora parecia que nos sepultavam vivas. Quem ama de verdade é muito triste vê-los partir sem termos a certeza de que vão voltar.” (entrevista a D. Arminda, Gafanha da Nazaré, 05-03-2008)

A preparação da recepção não ficava concluída sem a própria mulher se arranjar para receber o marido. Ou seja, a ida ao cabeleireiro, a compra de roupas novas ou a preparação do quarto do casal mostram-se essenciais para a preparação dos rituais de recepção.

“Recordo com felicidade a azáfama de limpar a casa, de fazer uma roupa para estrear, de arranjar o cabelo, de preparar tudo para quando eles chegassem. Quando ele saía para o mar eu fazia as contas e já pensava no que é que estaria colhido nessa altura para lhe fazer os comeres que ele mais gostava. Depois de mandar o telegrama ele chegava cá em cinco dias, por isso, só tinha esse tempo para arranjar isso tudo.” (entrevista a D. Rosa Santos, Ílhavo, 03-03-2008)

“Quando ele chegava era uma alegria. Fazíamos uma roupa nova, íamos ao cabeleireiro, fazia uma roupa nova para os meninos, enchia a casa de flores e com tudo o que era bom. O meu filho até dizia: “quando o pai está a casa está cheia de coisas que normalmente não comemos”. Mandava fazer uma limpeza de alto a baixo na casa. A casa ficava um brinco. Estreávamos uma roupa de cama nova, ele estreava um pijama novo, eu estreava uma camisa de dormir nova. Cada chegada era uma segunda lua-de-mel.” (entrevista a D. Beatriz, Ílhavo, 10-03-2008)

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4.2. Economia no Feminino

Os aspectos da vida económica detêm especial destaque na percepção do modus vivendi das mulheres dos pescadores bacalhoeiros, porque eram elas a figura dominante do lar durante as ausências dos maridos. Para além disso, a sazonalidade da entrada de dinheiro no lar obrigava a mulher a dotar-se dos meios necessários para estabilizar o orçamento familiar.