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CAPÍTULO I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. As potencialidades didáticas das canções “literárias” no ensino-aprendizagem de PLE

1.4 O valor didático da canção “literária”

1.4.5 Para a aquisição da gramática

Sabemos que expressões e componentes da variedade coloquial da língua estão presentes nas canções (…). Portanto, elas podem ser um recurso para que os alunos reconheçam e pratiquem esses elementos lingüísticos, tempos verbais, classes gramaticais, padrões sintáticos, entre outros (Schoepp apud Pereira, 2007, p.45) A centralidade da competência comunicativa no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras veio colocar o ensino da gramática em segundo plano. Porém, “(…) la gramática no es solamente el conjunto de las reglas del juego lingüístico, sino también los trucos y la práctica para saber jugar (Cassany et. al, 1998, p.308), ou seja, para comunicar é imprescindível conhecer as estruturas formais da língua, como tal a aprendizagem da língua-alvo só será eficaz se o falante adquirir a competência gramatical. O QECRL define competência gramatical como “(…) o conhecimento dos recursos gramaticais da língua e a capacidade para os utilizar” (2011, p.161). Acrescenta ainda que esta é também “(…) a capacidade para compreender e expressar significado, através da produção e do reconhecimento de frases e expressões bem construídas segundo estes princípios (ao contrário da sua memorização e reprodução)” (QECRL, 2001, p. 161). Assim, e como refere Jorge Pinto (2011), “(…) a competência linguística é tida como um sistema complexo de regras que actuam em simultâneo, a vários níveis, para determinar a organização das formas gramaticais que irão preencher funções comunicativas” (Pinto, 2011, pp.8-9), logo podemos afirmar que o conhecimento gramatical é uma componente da comunicação, uma vez que se atualiza em usos.

Sabemos que a gramática pode ser adquirida por via implícita ou explícita. A gramática implícita é aquela que se adquire de forma inconsciente e sem reflexão metalinguística; já a gramática explícita tem por base a explicação das regras da língua, sendo por isso aprendida de forma consciente e em contexto formal. Quando falamos de aprendizagem de uma língua estrangeira, a maior parte da aprendizagem gramatical será explícita; contudo, é importante que o professor aproveite a gramática que o aluno já domina para, a partir dela, estabelecer ligações com a gramática da língua-alvo de modo a ser aprendida/ensinada (Pinto, 2011, p.16). Deste modo, o aprendente acrescenta ao conhecimento linguístico que já detém novas aprendizagens que lhe possibilitarão o estabelecimento de pontes e relações entre a sua língua e a língua-alvo ampliando o seu conhecimento linguístico.

A competência gramatical é composta pela fonologia, a pronunciação da cadeia falada; pela ortografia, grafia da língua; pelo vocabulário, que engloba o vocabulário comum e específico, o significado dos nomes em contexto, funções gramaticais, etc.; e pela morfologia e sintaxe, que inclui formação de

palavras e formação de orações (Cassany et. al, 1998, p.308). Segundo o QECRL, e tal como refere

Daniel Cassany et. al, dentro da competência gramatical, inserem-se os domínios da morfologia e da sintaxe. Enquanto o primeiro trata dos componentes do discurso (como os nomes, adjetivos, verbos, pronomes, etc.), o segundo trata da organização das palavras nas frases, descrevendo as regras e as formas como estas se podem combinar. Como vemos, a gramática é a base de uma língua e como tal cabe ao professor, a par das outras competências igualmente importantes, dar-lhe um lugar de destaque na aula de LE permitindo que os aprendentes reflitam sobre as normas e princípios que constituem a língua e, consequentemente, a compreenderem como um sistema lógico, coerente e devidamente organizado (Pinto, 2011, p.16). É importante que o responsável pelo ensino de língua tome consciência que “(…) o ensino da gramática não deve consistir apenas na memorização de regras e classificações, pois assim o aluno não adquirirá um conhecimento da estrutura da língua” (Pinto, 2011, p.16). O mesmo autor acrescenta ainda que “(…) a aula de Língua Portuguesa deve contemplar atividades que possibilitem o uso da língua em diversas situações de comunicação e que promovam uma reflexão sobre esses mesmos usos, com o foco na forma sempre que este se revelar necessário” (Pinto, 2011, p.16). Concluiu-se, pois, que a gramática é uma peça essencial na aquisição de uma LE, que engloba vários domínios como a fonologia, a sintaxe, a morfologia, etc. Sendo normalmente explorada nas aulas de língua por via de textos orais, Tim Murphey, na obra intitulada Music & Song (1992), defende a utilização de canções na exploração de competências gramaticais pois, segundo este autor, pode-se fazer com uma canção o que se faz com um texto oral e, além disso, são mais estimulantes. Deste modo, capacidades que desenvolvemos a partir de textos como a aquisição de aspetos gramaticais, a compreensão auditiva, o vocabulário, a aquisição de aspetos culturais, etc., são também possíveis por meio de canções. Como tal, podemos fomentar a aprendizagem de aspetos gramaticais a partir da canção e, mais especificamente a partir da canção “literária”.

(…) o texto pode contribuir sobremaneira para o ensino da língua, dando oportunidade à realização de estudos gramaticais, contudo significativos. Esse tratamento contextualizado envolve uma análise lingüístico-semióticogramatical que é possível de ser realizada em sala de aula. Para isso, o professor pode utilizar a música; ela é bem aceite pelos alunos, além de permitir maior interação na sala de aula (Moreira, 2007, p.276).

Como afirma Carlos Figueiroa (2011), “(…) a canção dá acesso a novos padrões de aprendizagem de regras de vocabulário, gramática e padrões de interação existentes numa língua”

(p.41). Para além disso, “(…) facilitam a compreensão de estruturas gramaticais complexas ao serem analisadas num contexto específico” (Lacorte & Thurston-Griswold, 2001, p. 49). Mas, qual é a vantagem de usar canções para a aquisição de aspetos gramaticais em vez de textos escritos? A resposta está na diferença, isto é, enquanto o texto é uma ferramenta comum no ensino de LE´s, a canção não é um material tão usado e por isso vai quebrar a monotonia da aula, trazendo ritmo, motivação e interesse ao ensino daquele que é apontado por muitos como um dos conteúdos mais difíceis, trabalhosos e mais aborrecidos de se trabalhar numa aula de língua: a gramática. Assim, confirma Tim Murphey (1992): “(…) the use of music and song in the classroom can stimulate very positive associations to the study of language, wich otherwise may only be seen as a laborious task, entailing exams, frustration, and corrections.” (Murphey, 1992, p.6).

Darcília Simões et al. (2006) refere que qualquer canção pode oferecer boas possibilidades de trabalho a nível da estruturação linguística: “(…) seja do ponto de vista da seleção de vocabulário, da organização dos termos na oração, seja dos efeitos fônicos ou semânticos pretendidos, as letras-de- música oferecem rico exemplário para estudo, tornando as aulas de português bem mais interessantes." (p.6). Pela riqueza presente nos textos literários que as constituem e/ou com se estabelece relação, mais precioso este material se torna quando utilizamos canções “literárias”. Como afirma Carlos Ascenso André, no prefácio da obra de Augusto & Christiano (2017), a literatura

(…) é a mais nobre utilização da linguagem – a riqueza semântica que a caracteriza, a multiplicidade de significações que se esconde por detrás de cada elemento do texto, a capacidade de remeter para uma realidade outra, bem diferente da que parece existir à superfície, o cuidado posto na escolha da palavra e até, mesmo, o rigor que se pressente na desconstrução das normas, quando é essa a opção, consciente e deliberada, tudo isso confere ao texto literário uma identidade própria e um lugar de eleição entre as várias modalidades de utilização da linguagem. (p.7)

Assim sendo, a canção, para além de ser bem aceite pelos alunos, contribui para o ensino da gramática. Apesar de ser necessária a explicação das regras e do funcionamento da língua de modo a consolidar a aprendizagem, vimos que ensinar gramática é muito mais que explicar regras para a aquisição das mesmas. Com a evolução do ensino e aprendizagem de LE´s, o docente deve enquadrar o conhecimento gramatical com a competência comunicativa sustentando-se em aspetos discursivos e pragmáticos. Ao utilizarmos canções “literárias” para identificar e praticar estruturas linguísticas, mostramos que as regras da língua não existem por si só e por isso devem ser trabalhadas com os aprendentes de maneira contextualizada, ou seja, através da língua em uso (Pereira, 2007, pp.44-45). Para além disso, e não esquecendo o pluricentrismo da língua portuguesa, através das canções provenientes dos diferentes espaços lusófonos, o aprendente contacta com as diferentes construções gramaticais que caracterizam as diferentes variantes do português, de modo a perceber e a conhecer as

diferenças entre elas podendo, a partir das mesmas, tecer reflexões e observações sempre em vista do conhecimento da língua-alvo.

Assim, podemos trabalhar a competência gramatical a partir de inúmeras atividades, dependo do aspeto gramatical que queiramos trabalhar. Por exemplo, se o professor estabelece como objetivo trabalhar o pretérito perfeito do indicativo simples e/ ou os artigos definidos e indefinidos com uma turma de nível inicial, pode utilizar a canção “Inverno” cantada pela artista Adriana Calcanhotto, elaborada a partir do poema “o inverno”, de António Cícero. Para além de fomentar a prática de alguns aspetos gramaticais, permite também o contacto com o português do Brasil a nível sintático, morfológico e fonológico. Ou se, por exemplo, pretende trabalhar o uso do pretérito imperfeito para fazer pedidos, pode utilizar a canção “Desejos vãos”, cantada por Mariza, composta a partir do poema de Florbela Espanca com o mesmo nome.