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3 Para além da educação infantil

Após darmos início a construção de nossa identidade e autonomia durante a etapa da educação infantil, cada um de nós, seres humanos, defrontasse com as diferentes mudanças que se estabelecerão ao longo da vida.

“Inúmeras questões estão associadas à identidade. Historicamente, o termo empregado para significar o que hoje se entende por identidade foi personalidade, privilegiando não só a perspectiva individualista, mas também uma visão em que os princípios da ciência médica sustentavam toda proposta de compreensão. Nesse contexto, os debates versavam sobre o ‘normal’ e o ‘patológico’, o ‘natural’ e o ‘inerente’.” (LAURENTI & BARROS, 2008)

Com os estudos feitos para a elaboração deste trabalho, podemos concluir que a identidade é em si uma construção sócio-histórica e cultural de cada indivíduo. Não existem duas identidades iguais, pois ela é uma singularidade que se constrói nas relações estabelecidas ao longo da vida humana.

“É importante, segundo Jacques (1998), não limitar o conceito de identidade ao de autoconsciência ou auto-imagem. A identidade é o ponto de referência, a partir do qual surge o conceito de si e a imagem de si, de caráter mais restrito. Seria mais sensato dizer que essa singularidade, o reconhecimento pessoal dessa exclusividade, não é construída, mas vai sendo construída, a fim de abandonar a noção de imutabilidade. A identidade não se apresenta sob a forma de uma entidade que rege o comportamento das pessoas, mas é o próprio comportamento, é ação, é verbo.” (Id)

No decorrer de nossas vidas, vamos assumindo diferentes identidades, como se fossem “papéis”. Em cada contexto social, familiar e individual, adquirimos novas identidades que vão se agregando as que já foram introjetadas. Cada momento vivenciado requer uma construção diferente de nossa identidade, como se construíssemos uma multiplicidade de papéis a serem empregados na vida cotidiana.

“A cada personagem materializado, a identidade tem assegurada sua manifestação enquanto totalidade, mas uma totalidade que não se esgota nem tampouco se resume

a concretização de personagens. As personagens são partes constitutivas da identidade e, ao mesmo tempo, configura-se como um todo que se cria a si mesmo, enquanto fenômeno de uma totalidade concreta. A identidade é ainda um universo de personagens já existentes e de outros ainda possíveis.” (Id)

Atualmente, no mundo moderno e em constante transformação, há uma busca incessante do ser humano por se conhecer, por pertencer, ser aceito e reconhecido pela sociedade. Esse complexo contexto exige que cada indivíduo disponha de uma capacidade de mutação e adaptação cada vez mais rápida.

Zygmunt Bauman, autor polonês, caracteriza a sociedade pós-moderna como “modernidade líquida” 7. Segundo ele, o líquido perde a forma com facilidade e assume outras características rapidamente, assim como a sociedade atual se projeta.

A modernidade não é mais sinônimo de segurança e confiabilidade. As idéias, opiniões, valores, etc. se transformam tão velozmente causando uma sensação de falta de proteção a vida cotidiana segura. Não se pode mais falar de éticas e valores eternos, pois assim como nossa identidade, os princípios que regem uma determinada sociedade também se transformam continuamente.

Em seu livro “Identidade” (2005), Bauman faz uma análise de como é possível se construir formas de identidade na sociedade ‘líquida’ em que vivemos.

Segundo o autor,

“nesse nosso mundo fluido, comprometer-se com uma única identidade para toda a

vida, ou até menos do que a vida toda, mas por um longo tempo à frente, é um negócio arriscado. As identidades são para usar e exibir, para armazenar e manter”. (BAUMAN, 2005 p. 96)

Talvez não seja mais garantido que o ser humano tenha valores fixos, engendrados, seguir por muito tempo em um mesmo conjunto de idéias pode significar estar atrasado, parado no tempo. Todos os ideais e valores que levaram

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tantos anos para serem construídos e antes eram garantia de solidez, hoje com a modernidade perderam sua razão de existir tão rigidamente.

“Bauman zomba educadamente dos que tentam conceitualizar em definitivo a relevância política da identidade. Numa sociedade que se tornou incertas e transitórias as identidades sociais, culturais e sexuais, qualquer tentativa de ‘solidificar’ o que se tornou líquido por meio de uma política de identidade levaria inevitavelmente o pensamento crítico a um beco sem saída.” (Id, p. 12)

Para este autor, a identidade não diz respeito somente a subjetividade de cada um e sim a uma realidade social na qual todos somos inseridos.

Faz críticas ao conceito de uma ‘identidade nacional’, segundo ele, criado na época moderna. Este conceito diz respeito a algo que é imposto e não natural de cada um. Assim, Bauman explica a grande procura da sociedade pós-moderna pela criação de ‘sociedades alternativas’, e cita como exemplo o grande aumento de comunidades virtuais. “Tampouco podem essas ‘comunidades virtuais’ dar substancia á identidade pessoal - a razão básica para procurá-las.” (Id, p. 31)

Pessoas que não se reconhecem na sociedade real e procuram outros indivíduos para se agruparem na rede mundial de computadores.

“As pessoas em busca de identidade se vêem invariavelmente diante da tarefa intimidadora de ‘alcançar o impossível’: essa expressão genérica implica, como se sabe, tarefas que não podem ser realizadas no ‘tempo real’, mas que serão presumivelmente realizadas na plenitude do tempo – na infinitude...” (Id, p. 17)

Bauman utiliza de sua experiência de vida para explicitar a plasticidade da identidade humana em sua construção.

Nascido na Polônia, lutou na Segunda Guerra Mundial enfrentando o nazismo pelo seu país, após algum tempo o Partido Comunista negou seu direito de lecionar na Polônia, fazendo com que ele mudasse para a Inglaterra, segundo o autor, país que o escolheu e que ele também havia escolhido para continuar seus trabalhos.

Apesar de não viver mais na Polônia, Bauman não desconsidera sua identidade polonesa, ao mesmo tempo tem nacionalidade britânica, o seja, uma identidade construída na Inglaterra.

Sendo assim, “a identidade é vista como totalidade não apenas no sentido da multiplicidade dos personagens, mas também no que se refere ao conjunto de elementos biológicos, psicológicos e sociais que a constitui” (LAURENTI & BARROS, 2008)

A partir disto, o autor traz grandes críticas à formação da identidade na pós- modernidade. Faz reflexões sobre pessoas que não tem a oportunidade de escolher sua identidade, talvez por estarem inseridos em um determinado contexto que não permita essa possibilidade, tendo assim, negado seu direito de construção individual.

“A identidade também é ocultação e revelação. A revelação é condição para a ocultação. Perante determinadas condições objetivas é revelada a uma dada pessoa uma personagem e ocultadas outras. A identidade é também desumanização no sentido da impossibilidade de novas concretizações. O indivíduo desenvolve atividades que o negam como ser humano ou é forçado a repor personagens reproduzindo as condições que o desumaniza.” (Id)

Portanto, pode-se concluir que, apesar de a identidade ser uma construção particular de cada ser humano, está extremamente vinculada ao contexto sócio- histórico em que o indivíduo encontra-se inserido, podendo assim, sofrer influências diretas do mesmo.

“Esse homem multifacetado e ambíguo, cuja flexibilidade é responsável pela capacidade de reorganização da vida cotidiana, é dono de uma plasticidade que sugere sempre novas expectativas, novos domínios, novos ‘vir-a-ser’”.(Id)

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