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2. A questão teórica das estratégias de leitura no Currículo de São Paulo:

2.5 Para encurtar a conversa

Iniciamos este capítulo anunciando a pretensão de alcançar dois de nossos objetivos específicos, respondendo a questões que nos fizeram chegar a eles. Cumpramos, então, o que foi prometido:

Quadro 13 – Síntese do capítulo “A questão teórica das estratégias de leitura no Currículo de São Paulo: fundamentação ou intuição?”

Objetivo 1: desvelar qual a vertente teórica que sustenta as estratégias de leitura

presentes no material

Questões problemas: Qual a vertente teórica adotada pelo material no que concerne

às estratégias de leitura? Há uma teoria sólida ou as estratégias são apresentadas de maneira intuitiva?

Categoria/Indicadores: A(s) vertente(s) teórica(s) adotada(s) no que se refere às

estratégias de leitura./Examinar as instruções dadas pelo Caderno do Professor no que diz respeito às atividades de leitura e compreensão leitora. Examinar as questões de leitura propostas nos Cadernos do Aluno. Verificar os pressupostos teóricos apresentados no Currículo. Interpretar o discurso de um dos elaboradores do material.

Hipótese inicial: Acreditávamos não haver uma fundamentação teórica sólida em

relação às estratégias de leitura.

Resultados: A partir de análise documental e entrevista com um dos elaboradores do

material, compreendemos que o que chamávamos de estratégias de leitura é considerado habilidades de leitura, muito embora em alguns momentos apareça como estratégias, tanto no material como no discurso do autor entrevistado. Nesse sentido, a hipótese inicial foi confirmada, o que pode deixar o docente usuário deste material sem ponto de referência para sua prática.

Objetivo 2: Identificar e caracterizar as estratégias de leitura propostas pelo material Questão problema: Quais estratégias de leitura são contempladas pelo material? Categoria/Indicadores: Estratégias de leitura implícitas nas instruções (sugestões)

dos Cadernos do Professor e nas questões dos Cadernos do Aluno; estratégias de leitura nomeadas pelo material./ Interpretar a descrição dos procedimentos de leitura propostos pelo material; Explicitar as estratégias de leitura presentes.

Hipótese inicial: Como conhecíamos o material antes do início da pesquisa de

mestrado, já víamos explícitas algumas estratégias de leitura. Portanto, imaginávamos encontrar várias outras implícitas no passo a passo de cada Situação de Aprendizagem.

Resultados: As estratégias são contempladas a partir de tarefas que pretendem que o

determinado texto. No primeiro caso, as estratégias são: comparar diferentes textos; resumir histórias; identificar elementos da narrativa; comparar trechos do mesmo texto; criar imagens mentais; ativar conhecimentos prévios; selecionar informações explícitas; estabelecer relações entre tipo e experiências de leitura. Na segunda situação, as estratégias são: ativar conhecimentos prévios; comparar diferentes textos; sintetizar características de gêneros; levantar hipóteses; confrontar diferentes impressões e interpretações; identificar e selecionar informações explícitas. Já no terceiro caso, as estratégias são: inferir; identificar e selecionar informações explícitas; resolver dúvidas de entendimento superficial; criar imagens mentais; comparar diferentes textos; estabelecer relações entre a leitura e experiências pessoais; resumir; dramatizar; levantar hipóteses.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2014.

Tais resultados nos fazem refletir sobre dois aspectos. O primeiro é que a falta de uma teoria sólida e explicitada pode fazer com que o usuário apenas siga as instruções dadas pelo material, que, nesse caso, estruturaria a prática docente. Ademais, as tarefas propostas podem não ser compreendidas, de modo que o educador não tem uma referência em que se apoiar em situações de dúvidas e de reflexão sobre sua prática. Isso porque foco não é, em nenhum momento, no desenvolvimento de estratégias de leitura, mas na compreensão (do gênero, do tipo ou do texto), isto é, não há um trabalho sistematizado e pontual que indique o ensino de cada estratégia e o acompanhamento do professor nesse processo, uma vez que as estratégias aparecem de maneira aleatória. Além de elas não serem definidas (e apenas algumas serem nomeadas), não há um trabalho centralizado cujo foco seja o seu aprimoramento. Talvez o docente nem note qual estratégia está sendo contemplada em cada tarefa, o que pode dificultar seu trabalho interventivo.

O segundo aspecto é que o estudo do gênero, da tipologia e do texto é fragmentado. É clara a necessidade de uma sistematização para o estudo das funções, estruturas, organizações e ideologia, de tal forma que se faz precisa certa fragmentação dos elementos que compõem o enunciado como um todo. No entanto, o material costuma contemplar apenas características do gênero, do tipo ou do texto em momentos isolados. Não é comum trabalhar a mensagem do texto e as particularidades de gênero e tipo a partir de um mesmo texto.

Nesse processo de didatização do ensino da leitura, notamos que o desenvolvimento das estratégias para compreender o tipo e o gênero ocorre de três formas: 1- em geral, as tarefas que visam que os alunos compreendam determinado gênero ou tipo textual são um fim e não um meio, de modo que o objetivo final é fazer

com que o aluno compreenda apenas a estrutura e o funcionamento do texto, desconsiderando, todavia, seu caráter interacional, o discurso subjacente; 2- as tarefas que têm como finalidade principal ensinar conceitos e características de determinado gênero ou tipo textual muitas vezes podem servir também para a compreensão do conteúdo discursivo do texto, a depender da capacidade do docente de perceber a relação entre estrutura e função de determinado tipo ou gênero e o propósito comunicativo do texto, fazendo um trabalho de mediação para que os educandos também notem tais associações. Essa relação não é mencionada no material; 3- poucas tarefas trazem, explicitamente nos Cadernos do Professor, a relação entre tipo-discurso, gênero-discurso ou tipo-gênero-discurso. Quanto às estratégias para compreender o texto, notamos que o material, embora parta de determinado gênero, não relaciona suas condições específicas com a ideologia do texto.

O desenvolvimento das estratégias de leitura com vistas à compreensão de gêneros e tipos, quando isolado do discurso, pode engendrar uma prática estruturalista, desconsiderando o caráter dialógico da linguagem que o próprio material defende. Do mesmo modo, o desenvolvimento de estratégias de leitura para compreender o texto (discurso), quando isolado do gênero, não contempla uma leitura ampla (e necessária) das situações comunicativas. Assim, os conceitos de linguagem, gênero do discurso, tipologia e letramento nos quais o Currículo afirma se embasar podem se descaracterizar caso a prática do professor não tenha uma relação harmônica com as concepções do material. Analisamos essa relação a partir do próximo capítulo.