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Para início de conversa

No documento Experiências Históricas Afro-Brasileiras (páginas 115-118)

Que a educação brasileira está longe de cumprir seu ideal, isso é certo. Também é certo que houve muitos avanços, especial- mente, quando se trata de reconhecimento das diferenças. Se, na prática, ainda acumulamos conservadorismos e atrasos, pelo menos, em termos de políticas, podemos expor algumas conquistas. A lei 10.639, sancionada em 9 de janeiro de 2003, e a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD, criada em 2004, mas depois alterada para SECADI, com o acréscimo do termo Inclusão, encaminha- ram novos rumos para a educação brasileira, no que diz respei- to às lutas históricas dos movimentos sociais brasileiros em defesa dos direitos das chamadas minorias. A SECADI imple- menta políticas educacionais para a promoção da educação inclusiva, valorizando temas como alfabetização e educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental, educação escolar indígena e diversidade étnico-racial. A cria- ção dessa secretaria no Ministério da educação - MEC é uma

das estratégias de enfrentamento das injustiças existentes nos sistemas de educação do país.

A SECADI, como outras secretarias do MEC, implemen- ta suas políticas em articulação com os sistemas de ensino e com os Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente. Essa articulação é promovida pela Rede Nacional de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública (RENAFOR), instituída pelo MEC, em 2011. As Instituições de Ensino Superior (IES), que participam da rede, o fazem por meio de um Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica (COMFOR).

Cada IES tem seu Comitê. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o COMFOR tem articulado diver- sos cursos de formação continuada, entre eles, o Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, com duas ofertas, sendo uma delas ajustada para a demanda do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), cujo público alvo alcançou professores da região com formação inicial em Letras, História, Geografia e Pedagogia. Integrando a estrutura curricular dessa especialização, estava a disciplina Literaturas

africanas em língua portuguesa. Ao ministrá-la, pude refletir

sobre seu papel na formação de professores de Letras, História, Geografia e Pedagogia.

A reflexão sobre a literatura na formação continua- da de professores dessas áreas atravessa diversas questões. Para nortear esse texto, destaco duas: por que literatura na formação de professores, especialmente daqueles que, na esco- la, quase nunca são responsabilizados pela área de linguagens? O que as literaturas africanas de expressão portuguesa podem ensinar, em termos de educação para a diversidade?

O estudo das literaturas afro-brasileiras e africanas pode ampliar a discussão acerca de diferentes temas. Neste trabalho, destacaremos como esse estudo pode explorar o conceito de nação e o de gênero, na perspectiva do feminismo, tendo como referência obras de autores africanos de língua portuguesa.

Por meio da literatura e, consequentemente, de seu ensi- no, a concepção de nação pode perpassar pela reelaboração do modo como a identidade nacional é pensada na escola. Esta, por muito tempo, definiu a nação baseada nos conceitos, imutáveis, de território, língua, etnia e religião. Desse modo, a unidade da nação era uma meta da educação, o que significava, entre outras coisas, a adoção de uma língua padrão baseada nos usos linguís- ticos das classes mais prestigiadas, o ensino da religião católica e, consequentemente, o apagamento escolar da cultura religiosa negra. A tradição do colonizador tinha, enfim, supremacia.

Por outro lado, essa literatura estudada nas escolas, quase sempre de autoria masculina, não questionava o papel da mulher na sociedade. Muito pelo contrário: quase sempre as obras lidas (quando lidas) na escola eram usadas na perspectiva de reforçar uma imagem de mulher branca, associada à figura da mãe, da esposa ideal e da amante capaz de enlouquecer os homens. O espaço da mulher negra nessa literatura é ainda mais reduzido ou inferiorizado. Se não é a escrava, é a cozinhei- ra, a babá ou a mulata cobiçada pelo patrão.

Quando o espaço da mulher, na tradição escolar, é o de autora, ela nunca é negra. Somente algumas obras de autoria feminina compunham os currículos escolares, isso quando a literatura tem algum espaço. No caso da literatura brasilei- ra, não é comum que se apresente aos alunos alguma obra de mulheres negras, ainda mais se o recorte temporal for o século XIX. Hoje, não se pode alegar que não se tem acesso à

produção literária de mulheres negras naquele período. O livro

Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, escrito em pleno romantis-

mo brasileiro, foi publicado pela editora Mulheres, em 2004. Do mesmo modo, obras como Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, também está disponível. Inúmeras pesquisas dão conta de produções em diversos períodos da literatura brasileira e também da literatura africana de língua portugue- sa. É certo que não é fácil encontrar essas obras nas livrarias, especialmente, naquelas de estados mais periféricos, como o Rio Grande do Norte, mas é assim porque não há procura por essas obras, o que acaba gerando um círculo vicioso. Não há demanda, não há oferta e, se essa não existe, não tem como formar um público leitor. Em todo caso, a inclusão da literatura escrita por mulheres africanas ou afrodescendentes de língua portuguesa impulsiona a discussão em torno de gênero e de discursos feministas, atentando para o tratamento que essas narrativas dão às mulheres negras.

Para discutir as questões geradoras da reflexão desen- volvida neste texto, amparamo-nos em documentos oficiais do MEC e em autores como Compagnon (2009), Hobsbawm (1990), Butler (2001), entre outros. Também ancoramos o texto em poemas africanos e afro-brasileiros.

Por que literatura de raiz africana

No documento Experiências Históricas Afro-Brasileiras (páginas 115-118)