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2. EXPOSITOR TEÓRICO

2.1. A ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA

2.1.6. Para uma crítica da Administração Política

Ainda que se tenha visto neste relatório que a Administração Política é o preenchimento de um vácuo conceitual no âmbito dos estudos administrativos, que se reconheça que ela representa um avanço metodológico no campo do debate sobre o desenvolvimento, não é de todo surpresa que os esforços de constituição do campo estão abertos a críticas.

Afinal, a construção formal do campo iniciou-se apenas no início da década de 1990. Logo, nesta fase deste trabalho são apresentados alguns dos principais questionamentos e contra-argumentos interpostos às proposições que sustentam a estrutura conceitual do campo da Administração Política.

A primeira dessas observações se estriba na admoestação de que, antes de qualquer outra coisa, os estudos do campo da Administração Política precisam reconhecer que, caso o seu desígnio principal seja o da superação da materialidade, não há como escapar do debate sobre a influência dos antagonismos estruturais por sobre a formatação das relações sociais de produção (PAÇO CUNHA, 2016).

O Campo da Administração Política também não pode perder a oportunidade de realizar uma interpretação das relações sociais de produção a partir das perspectivas das classes e dos segmentos sociais submetidos a uma situação de dominância social (CARIBÉ, 2008).

Afinal de contas, é o poder social e econômico das classes dominantes o combustível das modalidades existentes de Administração Política, e o seu devir é basicamente pontilhado pela sua defesa – o que se traduz, também, na defesa dos interesses dessas classes condutoras

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– e pela determinação de alinhamentos e conflitos com as demais classes (CRISTALDO e PEREIRA, 2008).

Essa perspectiva também é trabalhada por Chagas (2010) quando ele amenta que o desenvolvimento econômico é, também, uma peça de disputa política e que a sua condução no sentido de uma melhor forma de repartição da riqueza socialmente produzida tem tudo para sofrer as mais diversas formas de resistência por parte das classes dirigentes.

Pedrão (2010) corrobora com essa premissa ao lembrar que o discurso do desenvolvimento nacional é uma ferramenta ideológica filha do conceito ocidental de planejamento – cujas raízes advêm ainda da Segunda Revolução industrial – e que, na maior parte das vezes se resume a um conjunto estático de metas operacionais, que se justificam em nome de um dado interesse classista.

Por isso que a centralidade do projeto nacional de desenvolvimento deve ser devidamente sopesada nos estudos do campo para que não se caia no equívoco de tão somente estar se reproduzindo os interesses das elites econômicas sem, necessariamente, estar contribuindo para o processo de emancipação humana.

Esse foco na questão nacional – em específico sob a perspectiva do desenvolvimento econômico – é uma constante na construção discursiva dos estudos vinculados ao campo da Administração Política e isso se apresenta de forma patente quando se lê a seguinte concordata:

[...] impomos à Administração Política o compromisso de superar os desafios que se colocam à Nação, tendo como tarefa, daqui por diante, transformar uma realidade que se apresenta cruelmente desfavorável para a parcela expressiva da sociedade brasileira: apontando caminhos, direções e meios para que a tarefa de transformação seja executada na velocidade da urgência dos mais necessitados. Para tanto, é necessário ultrapassarmos os limites dos diagnósticos e trabalharmos orientados pelo espírito das transformações; noutras palavras: a nossa tarefa não é, apenas, observar, expor e explicar as mazelas da nossa sociedade; é, também, dever nosso encaminhar, aconselhar e dirigir os nossos destinos. (R. S. SANTOS; GOMES, 2011a, p. 6).

Tal situação pode ser um problema se não for observado que a busca por uma ciência social que se proponha a intervir na realidade das sociedades alvo de relações de dependência externa – como é o caso do Brasil – geralmente é produto do modo de pensar de suas elites intelectuais e que, nos mais diferenciados graus, esses segmentos estão à mercê das mais

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variadas formas de relações de alienação (PEDRÃO, 2011).

Com base no exposto por Paço Cunha (2016), quando do seu comentário sobre as escolas administrativas que focam suas análises em dimensões culturais, históricas e socioeconômicas (e não, apenas, em aspectos funcionalistas), é também preciso se tomar o cuidado de não se reduzir a interpretação da realidade social tão somente a uma questão distributiva, passando ao largo das relações de dominação e de exploração que permeiam toda e qualquer sociedade de classes.

Consequentemente, isso vai requerer cuidados em dobro por parte daqueles que se colocam na linha de frente da construção do Campo, tendo em vista que, dada a situação de submissão imposta ao país, a elaboração de conceitos e definições pode, muito bem, estar sendo influenciada por ideias criadas alhures.

Sob outra perspectiva, Caribé (2008), levanta críticas aos contextos nos quais as sociedades lançam mão da Administração Política. A seu ver, essa sempre serviu mais como instrumento ideológico, de escamoteio do real, do que como ferramenta contribuinte para a emancipação humana e esse é um aspecto que não pode ser negligenciado por aqueles que se debruçam sobre o campo.

Afinal, a Administração Política, como prática social, tem por desiderato a validação dos formatos de condução do processo produtivo, de modo que as sociedades promovam o menor nível de resistências possíveis às regras de conduta apresentadas no âmbito do sistema de organização da produção (CRISTALDO; PEREIRA, 2008).

Ademais, Caribé (2008, p. 40) propõe que estabelecer uma crítica da Administração Política é determinar também uma reinterpretação de “todas as outras formas de organização hierarquizadas que objetivavam separar do trabalhador o controle do processo de trabalho no qual está inserido, sob a ótica do proletariado”, uma vez que ela põe à mostra o fato de que toda e qualquer forma de organização produtiva, no ambiente de uma sociedade de classes, nada mais são do que a concretização de desejos de aumento da produtividade e de subjugação das classes dominadas.

Conforme Cristaldo e Pereira (2008) bem pontificam, os estudos do campo da Administração Política necessitam ampliar os seus escopos para além dos limites das Finanças Públicas e, também, devem se divorciar da ideia de que a superação da materialidade e a profusão do bem-estar são fenômenos univocamente planejados.

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inexistem no interior das fronteiras das ciências sociais, tendo em vista conceitos abstratos possuem baixa probabilidade de encontrarem, na tessitura do real, sua contraparte integral, dado as realidades se modificarem em função das mudanças que ocorrem no tempo e no espaço.

Quem dá uma boa ideia da amplitude da aplicação da Administração Política é Campos e Ferraz (2016) quando vislumbram a construção da memória social como uma construção coletiva politicamente conduzida pela figura do Estado, onde esse posta como gestor do passado e elaborador de narrativas vigentes e vindouras.

Dando continuidade, faz-se premente lembrar que, para Caribé (2008), enquanto um fato histórico, a Administração Política é a institucionalização dos modos de dominação social, sendo fruto de uma intencionalidade prévia, racional, funcionalista e autoritária. Dessa forma, os estudos do Campo não podem se furtar a jogar luzes por sobre esses predicados.

Tal proposição encontra guarida no fato de que as racionalidades organizacionais – tanto para as Firmas quanto para o Estado – são apenas expressões da vontade das classes dirigentes, mas, mesmo assim, essa não é uma situação perene e absoluta estabilidade, tendo em vista que essa proeminência se dá num extrato de permanente contradição e conflito (CRISTALDO; PEREIRA, 2008).

Do mesmo jeito, também não se pode olvidar que, ainda quando plenamente exitosa, a intervenção estatal por meio de políticas públicas tão somente se presta a aplacar os efeitos nocivos do modo de produção capitalista, cujo devir é dado pela concentração de capitais e de poder político (BAPTISTA; MATOS, 2017).

Dessa forma, a Administração Política existente é do mesmo jeito, um esboço de acordo entre classes, mas não uma adesão pura e simples, posto ser resultado de um cenário de confrontos. Contudo, um dado formato apenas subsiste em duas condições:

 Enquanto ainda for do interesse das classes dominantes;

 Enquanto as resistências ao seu império não forem substanciais.

Por isso que se mostra acertada a proposição de Caribé (2008) de que se debruçar por sobre formatos de Administração Política é o mesmo que procurar compreender os processos pelos quais uma dada classe social sujeita as demais, ou seja, desvelar como a sua dominação

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é fruto de um ato de Gestão.

Fonseca (2009) vai mais à frente e defende que espaços de viés crítico relacionados aos estudos administrativos – tais como a Administração Política – devem adentrar à natureza dos aparelhos de Estado tomando como referência a interpretação marxista-leninista dos fenômenos de Gestão e de Administração.

A. L. N. Santos (2004) questiona a que segmento da Administração Científica procuraria pertencer a Administração Política, se à grei do mainstream, onde o campo morderia o fruto da racionalidade instrumental, mas, em contrapartida, veria abrir à sua frente uma larga porta de oportunidades ou à senda dos estudos críticos que, a despeito de sua adesão à racionalidade substantiva, seria colocar-se na porta estreita do circuito alternativo da referida ciência?

Não há como estabelecer uma resposta definitiva para tal dúvida, uma vez que a Administração Política é um segmento vinculado às ciências sociais aplicadas e, obviamente, o seu manuseio é função diretas das mãos que tomam o cabo da nau da sua operacionalização. A depender dos interesses envolvidos, ela pode tanto servir à justificativa do status quo quanto à superação da realidade existente.

Mesmo assim, os pioneiros do campo alegam que:

[...] os estudos que estão sendo desenvolvidos no âmbito da Administração Política, nos últimos dez anos, demonstram uma preocupação clara com a irresoluta materialidade e sua respectiva inclusão na centralidade do nosso trabalho de pensar e agir — enfim, que seja central em nossa agenda a transformação de nossa realidade. (SANTOS, R. S.; GOMES, 2010b, p. 6).

Em assim sendo, independentemente do viés adotado pela pesquisa, quem navegar pelas águas da Administração Política deve ter consigo mesmo que o processo de emancipação humana e o desenvolvimento econômico – para ficar em dois fenômenos sociais de extrema importância – são processos políticos que têm suas conduções pautadas por interesses que se impõem em função da correlação das forças envolvidas e, no mais das vezes, conflitivas (CHAGAS, 2010).

Se a Administração Política se pretende uma ciência social, então ela deve, conforme defende Pedrão (2010, p. 59), arrogar para si um viés histórico ao mesmo tempo em que deve navegar por entre um ambiente demarcado por interesses conflitivos de “pluralidades e

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rupturas”.

Por fim, Paço Cunha (2016) avança e segue exortando que os estudos no campo da Administração Política não têm outro caminho que não o de se inserir na luta ideológica pela formação da consciência de classe, se preocupando em estabelecer as determinações de classe, com destaque para as mais variadas formas de relacionamento do ser de classe, das condições de classe e da ação reflexiva de reconhecer-se como integrante de uma classe.