• Nenhum resultado encontrado

Para uma sociedade global sustentável

2 SOBRE COMPLEXIDADE E SUSTENTABILIDADE

2.4 Para uma sociedade global sustentável

Desde Darwin, em “A origem das espécies” é consagrada a idéia de que o sucesso evolutivo dos seres vivos depende da capacidade destes se adaptarem às circunstâncias e as transformações que o meio lhes oferece.

Para se construir uma sociedade global sustentável, a adaptação dos grupos humanos deve considerar as capacidades singulares de cada grupo, ligadas a sua história, cultura, condições geográficas de existência e processos de adaptações, apropriações e tantas outras variáveis, especialmente o conhecimento e a técnica, ou, a ciência e a tecnologia.

Conti (2000) considera que, sendo a política referente aos comportamentos da espécie humana e suas relações de poder nos comportamentos socialmente organizados, há de se considerar o inegável nexo entre política e

ecologia. Mas a história mostra que a consciência de tal relação tem atingido níveis diferentes nas diversas sociedades e nas diversas fases históricas. As primeiras sociedades historicamente documentadas relacionavam diretamente política e ecologia: nos antigos impérios fluviais da Mesopotâmia e do Egito, dado o fato de suas possibilidades de sobrevivência dependerem da capacidade de uma resposta comportamental coletiva às variações do volume dos rios, o poder político possuía uma forte conotação ecológica, estando ligado à capacidade de prever as inundações, descrever e medir as conseqüências dos fatos ambientais e de intervir na regulação das águas.

Hoje as possibilidades de sobrevivência das sociedades contemporâneas continuam dependendo diretamente da capacidade de uma resposta comportamental coletiva aos problemas socioambientais globais atuais. A formação de uma sociedade global sustentável prevê a revisão de importância que os seres humanos denotam ao meio ambiente.

Gonçalves (1989) em “Os (dês)caminhos do meio ambiente” afirma que a razão não necessariamente está com quem venceu, embora os vencedores sempre apresentem as suas vitórias como sendo vitórias da Razão. A razão hegemônica atual não se afirmou perante outras concepções porque era superior ou mais racional, mas sim, no corpo da complexa história do ocidente, em luta com outras formas de pensamento e práticas sociais. O autor afirma que pensar uma sociedade global sustentável é colocar em questão as relações dos seres humanos com a visão de natureza que tem vigorado e como tal perpassa o sentir, o pensar e o agir das atuais sociedades industriais capitalistas e o modo de ser, de produzir e de viver dessas sociedades. Nesse contexto, a problemática ecológica implica em questões extremamente complexas como: outros valores (o que por si só coloca questões de ordem cultural, filosófica e política), implica um outro conceito de natureza e outras características para a forma de organização social da produção material.

Para isso o autor indica a educação ambiental, um processo de aprendizagem permanente, com vistas não somente a forma de exploração- transformação-distribuição-consumo dos recursos naturais e dos hábitos de consumo, mas também à justiça social, direitos civis, políticos e sociais; ou seja, é uma forma de educação voltada à reformulação da cidadania e à mudança de valores individuais e coletivos. Uma educação que se ocupa de questões que vão

desde a extinção de espécies, a explosão demográfica, a corrida armamentista, a urbanização desenfreada, a contaminação dos alimentos, a devastação das florestas, o aquecimento global, as técnicas centralizadoras até as conjunções do poder político. Uma educação que transite entre a ciência, a filosofia e a política.

Essa perspectiva de educação ambiental vai ao encontro de uma perspectiva complexa em educação:

Uma perspectiva complexa em educação estimula a transformação do indivíduo prosaico em sujeito planetário, que é sensível, ético, político, crítico e criativo. Para isso, precisamos de uma nova ética, capaz de inspirar a compaixão que, com paixão e sabedoria nos remeta aos desígnios do tempo, com paradigmas aglutinadores e de religação, que não sejam reducionistas e fragmentados. Precisamos, pois, do cultivo de uma ética de responsabilidade, que inspire o sujeito a despir-se de seus preconceitos e convicções mais arraigadas, de modo a tornar-se responsável por si, pelo outro, por sua comunidade na inserção cósmico-planetária. Precisamos também de uma ética de solidariedade que, nos permita ver o outro como semelhante, ainda que diferente em sua subjetividade, mas igual, na espécie humana. Só a compreensão é capaz de nos aproximar do outro, com aceitação e respeito, compartilhando de suas dores, prazeres, sofrimentos e alegrias. Há ainda, outra ética de que precisamos e que, podemos desenvolver a partir do cultivo pessoal e do prazer por essa aprendizagem. É a ética da religação, que liga outra vez, o homo sapiens ao

demens, ao ludens ao faber, construtor e partícipe da aventura humana.

Essa religação cósmica pressupõe a união da prosa com a poesia, que habitam em todos nós. Somos carentes de uma ética, portanto, planetária que, une e não separa; que congrega e agrega o meio ambiente, na complexidade da vida. Trata-se do que é tecido junto, do complexus, qual um abraço. [...] Assim, o amor, o diálogo e a compreensão; a relação com o meio ambiente, que inclui o sujeito consigo, com o outro, com a natureza e inserido na realidade cósmica sugere a fraternidade de uma ética planetária, que envolve a todos e a cada um numa rede relacional, num abraço de complexidade (PETRAGLIA, 2009).

O pensamento disciplinar impede a concretização de uma política de civilização. Carvalho (2010) aponta na transdisciplinaridade a possibilidade de novas liberdades de espírito, que torna possível obter condições de inaugurar uma educação redirecionada para mudanças estruturais que garantam o entrelaçamento das emoções e das ações, uma ciência do homem e de todos os homens. Segundo ele, tolerância, solidariedade, autonomia e auto-afirmação são os valores universais a serem postos em prática em ações pedagógicas, sociais e políticas.

É preciso ética, e uma ética complexa envolve alguns fundamentos como reconhecer o ser humano no meio do enredado jogo cósmico, um sistema de forças composto por quatro componentes que se articulam de modo contraditório,

complementar e antagônico: religação, separação, integração, desintegração. Constituído por um embate entre o global e o local, o universal e o particular, cabe ao sistema-mundo decidir se religação e integração prevalecerão sobre separação e desintegração. No primeiro caso, pode-se prever a consolidação de uma biopolítica de civilização terrena; no segundo a expansão descomedida da barbárie; se, pelo preceito kantiano, não se deve fazer aos outros aquilo que não se quer que seja feito a nós mesmos, a ética envolve sempre um ato de religação consigo mesmo, com os outros, com a comunidade, a história, a humanidade, o cosmo (CARVALHO, 2010).

Par o autor, qualquer discussão sobre o tema da ética deve envolver três movimentos interdependentes alicerçados na tríade indivíduo-sociedade-espécie: a auto-ética que exige o auto-exame, a auto-crítica, a responsabilidade e, por vezes, o perdão; a socio-ética que implica abertura da comunidade local (cultura da diferença) à sociedade universal (terra-pátria); a antropoética fundada na identidade humana comum, no homem genérico, na regeneração da vida, nas finitudes e incertezas do espírito, da sociedade, da alma e do corpo.

Os códigos de éticas voltados à busca da sustentabilidade socioambiental devem promover a auto-crítica para transformação do pensar e agir do individuo, para que este se perceba como co-responsável pelos problemas socioambientais e vítima destes; e deve promover ainda a mudança na forma dos indivíduos se unirem para produzirem juntos a sobrevivência de todos.

O modo de organização e relacionamento dos indivíduos para a produção material da vida em sociedade deve ser influenciada por essa mudança de comportamento dos indivíduos, se tornando produtores e consumidores responsáveis e ativistas, incorporando esse novo modo de pensar e agir como uma nova antropoética.

A importância de uma conduta de coesão social baseada na solidariedade para a superação de problemas do grupo é evidenciada numericamente em vários períodos da história, como mostra Veiga (2007, p.20), sobre a longevidade dos ingleses, contrariando o que diriam os que supõe que o desenvolvimento econômico é diretamente proporcional à qualidade de vida, aumentou bem mais em tempos de crescimento medíocre:

A expectativa de vida aumentou 6,5 anos no período de 1911-1921 e 6,8 anos no período 1940-1951, mais do que o dobro que aumentou nas décadas de 1920 e de 1950. Ou seja, um dos melhores indicadores de desenvolvimento avançou mais em duas circunstâncias bem adversas, com racionamento alimentar, dificuldades higiênicas e morticínio. [...] E a explicação desse aparente paradoxo está no fato de que foram conjunturas de alta coesão social entre os britânicos. Períodos que exigiram intensa solidariedade no enfrentamento das dificuldades impostas pelas duas guerras mundiais (VEIGA, 2007, p.20).

A humanidade se depara com a iminência de uma catástrofe global e a possibilidade de extinção da própria vida no planeta. Essa catástrofe não foi baseada em guerras entre as nações, mas no seu próprio modo de relacionamento com o planeta. O pensar complexo aponta para a liberdade que vai ao encontro de uma nova percepção na qual a liberdade é entendida não individualmente, nem no indivíduo, mas como um movimentar-se com o todo (MORIN, 1998).

É da necessária mudança da postura ética dos seres humanos, sua forma de pensar e agir, que depende a sobrevivência de toda a sociedade global que precisa criar uma identidade de civilização planetária para a sua continuidade e da própria Terra-Pátria.

Em “Terra-Pátria”, ensaio publicado em 1993, Edgar Morin e Anne Kern enfatizavam a necessidade de uma reforma do pensamento capaz de conceber as coisas em seu contexto e definir a comunidade de destino terrestre. Segundo eles, a recuperação da vida só se efetivará se conseguirmos exercitar a solidariedade, e como ponto de partida, três princípios, ou bases para o diálogo precisam ser construídos e assumidos por todos: sustentabilidade, responsabilidade e esperança, constituem orientações gerais cuja função é impregnar o cenário planetário, superar o sentimento de impotência e deflagrar uma ecologia da ação voltada para a regeneração biocultural.

Para Carvalho (2007) o primeiro passo para enfrentar esse desafio reside na alfabetização ecológica, que implica preservar o lar-terra de qualquer tipo de agressão, por meio de uma ampla cooperação entre todas as espécies. Por isso, a imagem da competição pela sobrevivência deve ser substituída pela parceria pacífica em prol da continuidade, da preservação, da construção de valores éticos e universais. Para ele

A sustentabilidade planetária requer a eleição de prioridades. É quase certo que o desenvolvimento e a velocidade da tecnologia terão de ser repensados, sem que isso envolva qualquer tipo de retorno à idade da pedra. A responsabilidade se efetiva com a liberdade de fazer escolhas e tomar decisões que propiciem o bem-comum, a salvaguarda do equilíbrio dos sistemas naturais e a fraternidade de todos os povos e culturas. Os autores deixam claro que a religação dos saberes e a reconstrução de meta pontos de vista sobre a vida, a terra, o cosmo, a humanidade, as culturas e o próprio conhecimento que constituem pontos de partida irrevogáveis para políticas acadêmicas da dita sociedade do conhecimento. Ancorados na trindade indivíduo-sociedade-espécie, inserem-se na tetralógica ordem- desordem-interação-organização. (CARVALHO, 2007, p.26)

Carvalho (2007) afirma ainda que as formas de ação coletiva voltadas para a reciprocidade e a solidariedade planetárias, a conscientização da humanidade comum são pressupostos que fornecem sentido à recuperação da natureza e à utopia realizável de uma antropoética que religa pensamentos, intelectos e afetividades a dimensões individuais, coletivas, democráticas, cósmicas, e requer a luta em prol de uma identidade futura baseada na sinergia entre todas as espécies de vida, inclusive os seres humanos.

As conclusões de Morin e Kern em Terra-pátria comportam os objetivos de salvar o planeta, civilizar a Terra, restaurar a unidade humana, salvaguardar a diversidade. A salvação pessoal, afirmam eles, reside no amor e na fraternidade, e a salvação coletiva consiste em evitar o desastre de uma morte prematura da humanidade.