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Políticas Científicas e Tecnológicas

3 SOBRE POLÍTICAS CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS

3.6 Políticas Científicas e Tecnológicas

As políticas científicas e tecnológicas têm sua origem no final da Segunda Guerra Mundial devido às novas características do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, com a crescente importância que passa a ser dada ao direcionamento da atividade de pesquisa e desenvolvimento por parte dos Estados das sociedades industrializadas mais desenvolvidas, e principalmente, segundo Price (1986) em seu livro “Litlle Science, Big Science and Beyond”, após o projeto Manhattan, o projeto para a construção da bomba atômica, que marca o início da chamada big science, ou seja, dos grandes projetos de pesquisa e desenvolvimento direcionados a fins estratégicos.

Essa atenção dada às pesquisas científicas e tecnológicas depois da Segunda Guerra Mundial esta ligada à necessidade de desenvolvimento da indústria e dos outros setores da economia em que a necessidade de inovação e aprimoramento de processos e produtos é fundamental para seu desenvolvimento e acúmulo de capital.

Segundo Dagnino (2004), nesse período, o governo norte americano investiu fortemente na coalizão científico-militar, difundindo a idéia de que tal ligação era condição fundamental para o desenvolvimento social, expondo a idéia de um transbordamento (spillover) das pesquisas feitas nas áreas militares para os setores da sociedade civil (PRICE, 1986). Dessa perspectiva decorre a idéia de uma cadeia linear de inovação, que afirma que, partindo de uma cadeia de desenvolvimento iniciada na pesquisa básica, se alcançaria o bem-estar social, idéia esta que será a base da relação entre a comunidade científica e o Estado. O modelo institucional nela baseado passa a ser um elemento central do discurso que viabilizaria o casamento da política da ciência e para a ciência nos países capitalistas avançados.

No decorrer do processo, o que acabou ocorrendo foi uma determinação das metas da ciência básica e de seu desenvolvimento, pelas respectivas necessidades de inovação de determinados setores da economia, desconstruindo a

idéia de uma cadeia linear de inovação. Houve uma inversão de valores no qual a ciência e a tecnologia, desenvolvidas nos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento públicos ou privados, acabam sendo encomendados pelas necessidades específicas do desenvolvimento e acúmulo de capital, por meio de inovações e patentes, de determinados setores da economia dos países centrais.

O papel que possui a comunidade de pesquisa no processo decisório da política científica e tecnológica a torna um ator em condições centrais para iniciar um necessário processo de sua reorientação no sentido de alterar a trajetória da ciência e tecnologia.

A ciência possui características específicas que não são diretamente assimiláveis aos valores capitalistas. Algo que lhe garante uma autonomia relativa e até independência em relação ao Estado e aos detentores dos meios de produção. Sendo assim, o papel hegemônico que possui a comunidade de pesquisa no processo decisório da política de C&T a torna o ator em melhores condições para iniciar um necessário processo de sua reorientação no sentido de alterar a trajetória da C&T e antecipar demandas da sociedade que não encontram possibilidade de serem satisfeitas dada à atual correlação de forças políticas. [...] Utilizando esta sua autonomia relativa em relação à estrutura capitalista no âmbito de uma política pública específica (no caso da política de C&T) que depende diretamente de sua ação, a comunidade de pesquisa poderia determinar uma mudança qualitativa nessa trajetória sem que uma transformação política e econômica estrutural tenha lugar. (DAGNINO, 2004)

Carvalho (2010), os cientistas se encontram em uma situação na qual, por um lado almejam a independência, algo fundamental para a criatividade, de outro, submete-se aos jogos do poder econômico e institucional. Sem liberdade não há perspectivas satisfatórias para a transformação radical da realidade. O pensamento livre exige que as especialidades dos pesquisadores não se convertam numa máquina utilizável, operacional. Sempre necessário, o especialista precisa imbuir-se das motivações reais dos homens e redimensioná-las em prol da coletividade. Mas para isso, cita o autor, é necessário que adquira um sentimento, daquilo que é belo, do que é moralmente correto (EINSTEIN citado por CARVALHO, 2010).

Revoluções tecnológicas sempre induziram mudanças drásticas nas culturas das sociedades em que se sucederam. Hoje, as políticas direcionadas à ciência e à tecnologia criam e direcionam inovações de produtos, processos e gestão, e com isso, induzem também mudanças que permeiam desde os hábitos domésticos do usuário incorporados por meio das novas tecnologias, até a própria

organização do processo de trabalho, o que inclui a forma e a condição da divisão e administração do trabalho, a quantidade de trabalhadores para determinado processo de produção e os custos ambientais necessários a essa produção.

Geralmente as análises em políticas científicas e tecnológicas são voltadas exatamente às possibilidades destas como instrumento de desenvolvimento econômico, e não visando outras possibilidades, ou discutindo criticamente esse papel instrumental. Por serem políticas, estas estão num terreno continuo de possibilidades, e quando direcionadas ao cerne da racionalização das sociedades contemporâneas e base do desenvolvimento do capital, ou seja, à ciência e à tecnologia, podem induzir mudanças culturais ainda maiores e influenciar na ordem da produção.

Amilcar Herrera (1982), um dos primeiros estudiosos brasileiros das políticas científicas e tecnológicas, ao refletir sobre o planejamento científico e tecnológico afirma que a sustentabilidade de um país pressupõe a possibilidade de tomar decisões autônomas em áreas estratégicas como o campo científico e tecnológico. Políticas de desenvolvimento socioeconômico que abandonem os modelos imitativos e busque soluções próprias para os problemas específicos do país se libertam da dependência tecnológica, e uma de suas piores conseqüências, que é a pouca integração existente entre o planejamento socioeconômico e o planejamento científico e tecnológico. Estes dois planejamentos, na maioria das vezes são efetuados por atores diferentes e em tempos diferentes, por isso deve haver uma revisão da combinação estratégica entre a política da ciência e a política para a ciência. A política da ciência é o conjunto de medidas orientadas para proporcionar ao sistema de pesquisa e desenvolvimento, os meios para viabilizar o cumprimento dos objetivos socioeconômicos estabelecidos pelo plano de sustentabilidade socioeconômica. A política para a ciência é o conjunto de ações que os atores sociais devem realizar para que o sistema de pesquisa e desenvolvimento alcance a dimensão, estrutura e qualidade necessárias para poder cumprir os objetivos assinalados na política da ciência.

Por isso, hoje, diante de todos os problemas socioambientais com os quais a sociedade global se depara, pensar em políticas científicas e tecnológicas é por pressuposto, pensar em estratégias voltadas a uma sociedade global sustentável, e para tal, é necessário incorporar às estratégias científicas e

tecnológicas um novo olhar, capaz de religar saberes, que dê conta de toda a complexidade da vida.