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Em substituição a um prisma estático na compreensão do sistema penal na sociedade, de modo oposto, o Paradigma da Reação Social ou “Labelling Aproach” traz a proposta de um ponto de vista que considera a integralidade do meio no qual aquele se encontra inserido, percebendo as interações entre os seus componentes. Assim, o sistema em estudo é visto sob a forma de um “continuum”, em que se pode perceber diversos componentes, considerados desde

o legislador até as instituições e os órgãos relacionados às atividades para o controle e o fornecimento de assistência aos egressos (BARATTA, 2002, p.96).

A denominada criminologia da reação social – interacionista – vai de encontro à concepção dos positivistas que confere destaque à pesquisa sobre o “ser criminoso”, caracterizado como uma anomalia de caráter biológico e social, responsável pela ocorrência das práticas delitivas, valorizando um entendimento que considera os diversos aspectos relacionados ao tema, destacando a função exercida pela atribuição social de valores a comportamentos e como estes se refletem na elaboração das normas jurídicas, nos padrões sociais e na própria criminologia.

Surgindo entre o final da década de 50 e os anos 60 do século XX, este modelo se propõe a analisar acerca das circunstâncias que determinam a consideração de uma pessoa como “desviante”. A partir de uma concepção mais ampla, a qual confere relevância a todos os aspectos envolvidos, bem como as interações que existem entre eles, utiliza a Criminologia Crítica como base e atribui destaque aos conceitos da conduta desviada e da reação social. Para Andrade (1997, p.215), a criminalidade não constitui um atributo inerente a uma ação ou estrutura que exista previamente à atividade ligada à reação – aqui compreendida como controle social: ela é decorrente de atribuições ou rótulos que se impingem a determinadas pessoas a partir de intrincados procedimentos ligados aos relacionamentos na sociedade, definindo-as ou selecionando-as, tanto formal como informalmente.

Conforme Hassemer (2005, p.101-102), o termo labeling approach tem como significado o destaque ao processo de etiquetamento e sua tese fundamental reside no entendimento de que a criminalidade é produzida por um fenômeno no qual se dá a imputação a determinadas pessoas, por parte da polícia, do Ministério Público e do Tribunal penal, ou seja, é desempenhado pelas instituições encarregadas de desempenhar o controle formal na sociedade.

A noção de desvio é elaborada por grupos sociais encarregados da produção de regras que, se não obedecidas, farão com que se atribua a algumas pessoas a consideração como delinquentes. Com isso, pode-se notar que não se trata de uma marca atribuída ao ato que elas possam haver cometido, porém surge da elaboração desempenhada por aqueles que elaboram as normas e as reprimendas para os que venham a desobedecer aos comandos vigentes, de forma que a conduta desviante é bastante apropriada para o sujeito assim considerado (ANDRADE, 1997, p.215).

A atuação desempenhada pelo sistema penal na estrutura da sociedade aparece como fator extremamente relevante para o surgimento dos crimes, seja pela definição a respeito destes

elaborada pelo poder legislativo, seja pela seleção das pessoas que receberão os rótulos ou estigmas devido à tipificação de condutas como ilícitas. Através de práticas seletivas, o sistema penal determina a gênese da criminalidade, a qual influencia a lei que o rege e também é por ele produzida. Com isso, este fenômeno aparece como a conduta ou procedimento próprio da maioria dos indivíduos no meio social e nas várias camadas da sociedade (não sendo um acontecimento ímpar, mas praticado de maneira regular, submetido a uma distribuição seletiva e desigual, visto que a criminalização é desenvolvida por este sistema, cuja estrutura está voltada para os processos de criminalização preferencial dos menos aquinhoados), conforme Andrade (1997, p.215).

Há um direcionamento da atuação exercida pelo direito penal em relação a algumas pessoas que, de modo comum, pertencem a setores sociais com menor poder econômico e, em virtude dessa e de outras peculiaridades, mostram-se mais propensos a serem alcançados pela criminalização. Assim, para Baratta (2002, p.171), a criminalidade é convertida em um procedimento típico da maioria das pessoas, não se cogitando de uma noção contrária, em que é verificada apenas em reduzidos grupos nos segmentos da sociedade.

Dessa maneira, pelo fato da conduta que tenha importância penal não ser praticada por todos os indivíduos, porém somente aqueles que venham dos estratos sociais já referidos, a seletividade mostra-se aplicada em sua forma mais expressiva, possibilitando a classificação como criminosos em potencial, de modo que não se verifica uma criminalização realizada de forma igualitária. O sistema penal mostra-se contra algumas pessoas, oferece respostas mais enérgicas para algumas das condutas que tenham recebido a tipificação como delito e, assim, não considera que a conduta criminal seja suficiente para alcançar estes objetivos.

Em um meio social que, desde o seu surgimento, apresenta grandes desigualdades, os que monopolizam o poder engendram uma cruel impunidade relativamente às suas atividades, exercendo influência sobre os que elaboram as normas, de modo a conferir legitimidade à tutela direcionada a bens jurídicos previamente estabelecidos. Neste cenário, aos menos aquinhoados é destinada a aplicação dos estigmas às suas práticas, o que os transforma em sujeitos que são “preferencialmente” destinatários das normas penais.

Neste sentido, para Castro (1983, p.15), o sistema penal é marcado por uma seletividade que recebe influências dos estratos e peculiaridades sociais, não havendo a incriminação de condutas igualitária nas diferentes classes, pois inexiste uma essência inerente ao que se considera como delitivo, porém este é determinado, impositivamente, pelo grupo social ou pessoa que disponha de mais poder, o qual será fator determinante para que a cultura, os dogmas e os anseios destes influenciem no estabelecimento do que se considera como fato delituoso.

As condutas delitivas não o são por uma condição inerente a sua natureza, mas recebem esta classificação porque aqueles que monopolizavam o poder e elaboravam as normas julgaram ser conveniente reprimi-las.

É sabido que, entre as pessoas que vivem em sociedade, vários dogmas ou crenças não recebem a aquiescência da maioria, por transpor o que é usualmente tolerado, mas não tomam parte no rol das práticas proibidas por lei, de modo que são compreendidas sob a forma de desvio, e não de delito. A ausência da atribuição de uma marca mais gravosa, contudo, decorre do fato de que não se mostrou interessante para alguém que possuísse prestígio ou empenho bastantes convertê-lo em um tipo penal relevante, de acordo com Castro (1983, p.15).

O meio social, por intermédio de processos nos quais os sujeitos recebem “rótulos” ou “etiquetas”, engendra as noções de desvio e desviante e a reação social a ser aplicada na hipótese de ocorrência do fato delitivo determina o aparecimento da criminalidade secundária. Esta influencia diretamente nos motivos que lastreiam as punições que o sistema penal institui, sendo estas voltadas para a permanência da condição desviante das pessoas que tenham sido alcançadas pelo sistema.

Frente ao exposto, o paradigma da reação social constata a ocorrência de uma opção por se conferir ou não a natureza criminosa a uma prática e àquele que a desempenha, desde que possa haver a adequação ao estereótipo fixamente determinado pela sociedade para os sujeitos considerados marginais. Esta atribuição dá-se por intermédio de processos voltados para a rotulação e o etiquetamento, responsáveis pela gênese das categorias de desvio e desviante e, assim, influencia no âmbito das reprimendas aplicadas pelo sistema penal, de forma que as penas, antes percebidas como dotadas do papel de recuperação dos sujeitos e proteção da sociedade, atuam de modo a permitir a persistência do denominado caráter desviante sobre a pessoa que já tenha recebido a etiqueta ou o rótulo da conduta socialmente indesejada.