• Nenhum resultado encontrado

Paradigmas científicos, ontologia e epistemologia aplicada na tese

4 PARADIGMAS EPISTEMOLÓGICOS, MÉTODOS E TÉCNICAS

4.1. Paradigmas científicos, ontologia e epistemologia aplicada na tese

Uma das mais complexas atividades dos pesquisadores é a definição da matriz epistemológica de sua pesquisa. Definir o pressuposto epistemológico é essencial para a condução do trabalho e para a eficácia das análises durante todo o processo de investigação.

A Administração possui dimensões epistemológicas variadas, não condicionadas apenas a um domínio epistemológico (FARIA, 2012). Nesse campo do saber, a posição epistemológica é sistemática, cujas bases podem se fazer também na filosofia, nas ciências sociais e na tecnologia, ciências que permitem estruturar as relações aplicadas aos resultados. Essas diversificações de paradigmas podem ser reflexos das abordagens de Estudos Críticos em Administração e da Teoria Crítica. Nesta pesquisa, essas pluralidades são consideradas e tratadas de maneiras reflexivas.

Compreendo que o surgimento dos paradigmas científicos na Administração ocorreu a partir das críticas feitas aos paradigmas kuhnianos considerados não suficientes para realização de pesquisa de forma ontológica e epistemológica nas áreas de ciências sociais e ciências sociais aplicadas.

Cunliffe (2011) apresenta o contexto histórico da evolução das pesquisas qualitativas em análises organizacionais ao longo dos anos e, com isso, os paradigmas funcionalistas, interpretativo, humanista radical e estruturalista radical informados por Burrel e Morgan (1979;

1980) e Burrel e Smircich (1980) devem ser debatidos.

A discussão sobre os paradigmas e métodos de pesquisas nos estudos organizacionais é o ponto central dos estudos de Paes de Paula (2016) e de Silva e Roman Neto (2010). Esses autores discorrem sobre os avanços nas noções de Burrell e Morgan (1979). Para isso, Paes de Paula (2016) se apoia em Habermas e em suas discussões sobre interesses cognitivos para propor que, para o avanço das ciências, tem de se estabelecer uma integração entre os paradigmas. Os paradigmas em estudos organizacionais devem superar a discussão de incomensurabilidades feita por Thomas Kuhn que serviu de base para os modelos

paradigmáticos de Burrell e Morgan (PAES DE PAULA, 2016; SILVA; ROMAN NETO, 2010).

Cançado, Pereira e Tenório (2013) apresentam a discussão epistemológica das pesquisas em gestão social e estabelecem as dimensões relacionadas às investigações que se amparam na teoria. Desse modo, as características desta pesquisa ancoram-se na perspectiva ontológica nominalista e de natureza voluntarista, pois se baseia no pressuposto da intersubjetividade e na busca do entendimento da realidade investigada junto aos sujeitos participantes da pesquisa.

Nesse sentido, convergem com a epistemologia e racionalidade ambiental de Enrique Leff (2002; 2006), as quais se apoiam na estrutura de processos comunicativos intersubjetivos entre os sujeitos em uma perspectiva de respeito à natureza.

A aproximação da gestão social, da racionalidade comunicativa de Habermas com a epistemologia e racionalidade ambiental de Leff (2002; 2006) foi feita, nesta tese, na perspectiva de compreender como se dá a relação entre população amazônida e território amazônico com base na ontologia da racionalidade ambiental que, para Nabaes e Pereira (2016), trata-se de um processo social que, fundamentada na educação, procura estabelecer a construção do saber de forma integral entre os sujeitos de maneira que se valorize os seus saberes e suas relações com a natureza. Sendo assim, as bases orientadoras em relação ao paradigma desta pesquisa é o humanismo radical (CANÇADO, TENÓRIO, PEREIRA, 2011;

CANÇADO, PEREIRA, TENÓRIO, 2013).

Este estudo, portanto, utiliza o paradigma humanista radical ao tratar o processo metodológico como um processo em curso e, ontológica e epistemologicamente, como esse processo provoca mudanças no modo de ser dos sujeitos e na construção do conhecimento científico sobre a Amazônia brasileira.

Habermas (2012b) elabora críticas contundentes sobre a filosofia da linguagem e psicologia do comportamento, que se baseiam na relação “Sujeito/Objeto”, numa perspectiva positivista, de racionalidade instrumental. A ontologia desta pesquisa parte da “Interação Sujeito/Sujeito” nos pressupostos da TAC e da ontologia ambiental, discutidas por Leff (2006), e busca em todo o processo de pesquisa uma relação entre pesquisador e os discursos analisados.

Habermas tem posicionamento contrário à predominância do Positivismo como filosofia de pesquisa da ciência (HAMEL, 2021). Freire (2019a) alega que a relação dialógica entre sujeitos se consolida pela comunicação e pela intercomunicação, o que se encontra na perspectiva da TAC que Habermas (2012a; 2012b) propõe. Nesse contexto, o pesquisador procura se relacionar de maneira horizontalizada com os discursos analisados na pesquisa em

uma perspectiva dialógica/dialética em relação ao conhecimento acadêmico e ao conhecimento empírico e teórico. A dialógica e a dialética são perspectivas que oportunizam o rigor e a crítica por parte do pesquisador (MACEDO, 2009).

Busca-se, em vista disso, realizar estudos sobre as esferas públicas e, nesse sentido, alinhar e aproximar os conhecimentos científicos dos conhecimentos tradicionais existentes no campo de pesquisa, utilizando-se de técnicas de coletas e análises dos textos, consideradas como um processo de aprendizagem intersubjetiva.

Esta pesquisa se apoia nos preceitos da gestão social que se pautam na articulação dos diferentes saberes e práticas dos sujeitos envolvidos no processo de pesquisa. Considera-se como base os processos de formação de conhecimento que valorizam os diferentes saberes, acadêmicos e não acadêmicos, com suas diferentes formações e histórias de vidas (CANÇADO;

TENÓRIO; PEREIRA, 2013; SCHOMMER; FRANÇA FILHO, 2008). Nesse sentido, destaco a produção de conhecimento que fomentam o entendimento de como são estabelecidas as esferas públicas.

São nas práticas comunicativas cotidianas que as pessoas se relacionam umas com as outras com o objetivo de interagir de forma protagonista, formando uma opinião comum que poderá resultar na formação de esferas públicas temáticas (HABERMAS, 2012b). Busco, nesse contexto de significações, compreender como são formadas as esferas públicas nos textos analisados nos jornais investigados. Quando o pesquisador aborda as decisões tomadas na condução do processo de pesquisa e seu posicionamento e as relaciona com a dos sujeitos pesquisados, intenta demonstrar a superação entre o Positivismo e a opção pela intersubjetividade em todo o processo de construção do trabalho.

Freire (2019b) orienta a pensar a objetividade e subjetividade de modo que não existe uma sem a outra e, portanto, ambas não podem ser colocadas antagonicamente, já que só assim é possível compreender a realidade dos ambientes e sujeitos investigados. Para o autor (2019b, p. 54), “quanto mais as massas populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual elas devem incidir sua ação transformadora, tanto mais se “inserem” nela criticamente”.

Desse modo, o mais importante no contexto ontoepistemológico é o rigor e reflexividade utilizados em todo o desenvolvimento metodológico da pesquisa, principalmente, em relação às maneiras de como os as informações serão coletadas e analisadas. Nesse sentido, não posso romper com a minha vivência como pesquisador em relação aos discursos pesquisados, uma vez que minha história de vida se inicia e continua no contexto da Amazônia brasileira.

Esta pesquisa se ampara nos princípios qualitativos de interpretação de informações, se

fundamentada nas realidades construídas pelos discursos encontrados nos jornais investigados como meio para compreender a formação de esferas públicas sobre o desmatamento na Amazônia brasileira, com objetivo de identificar e caracterizar como essas esferas públicas influenciaram as políticas públicas no âmbito internacional, nacional e regional por meio de leis, decretos, relatórios da ONU, do governo federal e do Estado de Rondônia entre os anos de 2011 e 2020. Diante disso, a justificativa de Inocêncio e Favoreto (2020), que aconselham a necessidade de analisar de forma empírica a teoria habermasiana na perspectiva de gestão social, corrobora com as novas possibilidades dentro da própria abordagem qualitativa, tal qual se propõe realizar neste estudo.

A pesquisa qualitativa deve considerar o contexto histórico e cultural em que se realiza o processo investigativo para que se possa compreender a materialidade do ambiente e discursos dos sujeitos pesquisados (FARIA, 2015). Para a efetividade de uma pesquisa baseada na abordagem qualitativa, faz-se necessário buscar a totalidade complexa das atividades do ambiente pesquisado, envolvimento dos investigados como sujeito participante da pesquisa, o que supera a dicotomia entre sujeito e objeto numa perspectiva totalizadora (FREIRE, 2019a;

GALEFFI, 2009).

Para Denzin e Lincoln (2006, p. 18), “a pesquisa qualitativa envolve o estudo de uso e a coleta de uma variedade de materiais empíricos [...] que descrevem momentos e significados rotineiros e problemáticos na vida dos indivíduos”.

A aplicação de pesquisas com base na abordagem qualitativa se consolida nos estudos em Administração (PAIVA JÚNIOR; LEÃO; MELLO, 2011). Para Jonsen, Fendt e Point (2018), há a necessidade de se ampliar e consolidar as pesquisas qualitativas nos Estudos Organizacionais, o que justifica o uso dessa abordagem nesta investigação. Não obstante, é importante que, na aplicação dos métodos de pesquisas, no ambiente e na redação da tese estejam consolidadas algumas características da pesquisa qualitativa como: confiabilidade, reflexividade, validade, rigor e a forma de escrita que, para Oliveira e Piccinini (2009) e Latusek e Vlaar (2015), são elementos centrais em uma pesquisa qualitativa.

Shenton (2004), com base nos conceitos de Guba (1981) e Lincoln e Guba (1985; 1989), discutem quatro critérios de validade na pesquisa qualitativa: 1) credibilidade; 2) transferibilidade; 3) confiabilidade e 4) confirmabilidade. 1) Credibilidade: é um dos principais critérios da pesquisa qualitativa para alcançar a confiança no trabalho produzido. Para isso, é necessário adotar métodos de pesquisas bem estabelecidos que coadunam com o problema e a teoria investigados. 2) Transferibilidade: apesar de as pesquisas qualitativas terem como campo

um número pequeno de investigados, é necessário se ater à possibilidade de se transferir o estudo para outras pesquisas. Negligenciar ou postular a transferência na íntegra pode ser considerado um erro nas pesquisas qualitativas. 3) Confiabilidade: Nesse caso, é orientado ao pesquisador detalhar todo o processo de pesquisa aos leitores como se fosse um protótipo. 4) Confirmabilidade: é a busca da objetividade na pesquisa.

É importante que se tenha na escrita da pesquisa qualitativa a percepção do comprometimento e da criatividade do pesquisador para alcançar, em seus resultados, o rigor e a validade junto à comunidade científica (JONSEN; FENDT; POINT, 2018). A escrita é um ponto chave para que se possa aplicar os métodos qualitativos e trazer para o produto (texto) a essência da experiência no campo junto com os seus resultados de pesquisa. A escrita, na pesquisa qualitativa é, pois, difícil de ser feita, mas é necessário que seja produzida da melhor maneira para que os trabalhos qualitativos vençam os desafios de rigor e de validade científica.

Por isso, a escrita da tese, resultado desta pesquisa, será desenvolvida com rigor e com a atenção devida às informações coletadas.

Para Galeffi (2009, p. 38),

pensar rigorosamente o rigor na pesquisa qualitativa é compreender sua contrapartida complementar: a flexibilidade. Rigor e flexibilidade andam juntos na pesquisa qualitativa, porque o excesso de rigidez deve ser corrigido ou equilibrado com a flexibilidade, assim como o excesso de flexibilidade tem que ser corrigido com o tensionamento justo.

Rigor, para Macedo (2009, p. 75), “significa a busca da qualidade epistemológica, metodológica, ética e política, socialmente referenciadas, da pesquisa dita qualitativa”. Para Cunliffe (2020), a reflexividade se relaciona com a capacidade de o pesquisador investigar o ambiente, no sentido amplo, suas identidades de maneira que seja possível desenvolver críticas profundas, o que permite interpretar a realidade de maneira mais precisa. Por conseguinte, a reflexividade e o rigor são pontos importantes para executar pesquisas qualitativas.

O trabalho de Jonsen, Fendt e Point (2018), sobre como preparar e utilizar a criatividade para conseguir o rigor e a validade em pesquisa constitui uma das tarefas mais árduas para o cientista qualitativo. É o desafio metodológico colocado para a elaboração desta tese, como nos apresenta Galeffi (2009, p. 37): “a resultante de uma pesquisa qualitativa constituída consistentemente é sempre uma combinação nova, um arranjo desconhecido em relação ao acervo já dado no passado da tradição na qual se inscreve a pesquisa”.

A partir dessas considerações teórico-metodológicas sobre a natureza da pesquisa, a

orientação ontológica e epistemológica, procura-se, nas próximas seções, colocar em prática a análise contextual sobre a Amazônia brasileira, seu desmatamento e os discursos sobre essas temáticas apresentados nos jornais.

4.2. Análise dos discursos que consolidam as esferas públicas sobre desmatamento na