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1. Verdade religiosa e comunicação

1.1. Verdade e fé no pensamento de Søren Kierkegaard

1.1.3. O paradoxo da verdade encarnada

Vimos que, para Kierkegaard, a fé, e com ela a noção de verdade religiosa, diz respeito à interioridade do indivíduo enquanto existente. Para ele, a verdade é uma questão subjetiva e pessoal e não um conhecimento objetivo ou proposicional. Isso, necessariamente, leva a uma distinção entre a tradição externa dos grupos religiosos (teologias, discursos, mitos, etc.) e a fé interior (experiência pessoal, subjetividade, vivencia, etc.). Se verdade religiosa diz respeito à existência ou situação de vida e não a assentimento intelectual, então pode-se dizer, usando palavras do próprio Kierkegaard, que a questão da verdade “não é sobre o zelo

sistemático […] por arrumar as verdades do cristianismo em §§ (parágrafos), mas antes sobre o cuidado, do indivíduo infinitamente interessado, por sua própria relação com tal doutrina” (2013, p. 21). Nesse sentido restrito a verdade é a subjetividade.

Assim sendo, a mais alta tarefa posta ao ser humano é a de tornar-se subjetivo. Com isso em mente, Kierkegaard desenvolve uma argumentação na qual leva às últimas consequências a questão da subjetividade no cristianismo. Para ele,

Objetivamente, fala-se sempre apenas do que é o caso; subjetivamente, fala-se do sujeito e da subjetividade, e eis que justamente a subjetividade é o caso. Isso tem de ser sustentado sempre: que o problema subjetivo não é algo referente ao caso, mas o caso é a subjetividade mesma. […] Assim, não há aqui uma questão a respeito da verdade do cristianismo, no sentido de que, sendo ela resolvida, a subjetividade haveria de aceitá-la com desembaraço e boa disposição. Não, a questão diz respeito à aceitação dessa verdade por parte do sujeito [...] (KIERKEGAARD, 2013, p. 133).

O dinamarquês pretende demonstrar quão pessoal e individual é a mensagem proposta pelo cristianismo, o qual pretende, de fato, dar uma felicidade eterna como exímio presente ao indivíduo. Entretanto, o cristianismo não o faz em atacado, mas de forma individual. Assim, se o cristianismo admite a subjetividade como possibilidade para apropriação ou aceitação desse presente, ele também deve supor que a subjetividade não tenha, por si mesma, plena

ciência a respeito desse bem maior. Pelo contrário, a compreensão do bem é desenvolvida na subjetividade do indivíduo a partir da possibilidade de apropriação. Em outras palavras, é a caminho que a verdade do cristianismo se apresenta. Ou; “[...] a verdade é o caminho” (KIERKEGAARD, 1991,p. 269).

Aqui se encontra o que, no pensamento kierkegaardiano, diferencia essencialmente a religião da ciência; “[…] a ciência quer ensinar que se tornar objetivo é o caminho, enquanto o cristianismo ensina que o caminho é o tornar-se subjetivo, ou seja: no sentido verdadeiro, tornar-se sujeito” (2013, p. 135), vir-a-ser. Segundo essa perspectiva, trata-se de “aprender da própria vida vivendo” (2013, p. 165), pois a subjetividade se desenvolve na medida em que, ao agir, o indivíduo se reelabora a si mesmo e em seu pensar sobre sua própria existência.

Como se sabe, a religião cristã, desde seus primórdios, estrutura-se na figura e na mensagem religiosa do Cristo, encarnação da própria divindade; “O Verbo se fez carne e habitou entre nós. Vimos a sua glória, a glória como do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (BÍBLIA, 2010, João 1.14). No verbo que se faz carne a própria verdade eterna entra na existência. Ela entra na história e se decide na relação com o existir. Segundo Kierkegaard, quando essa verdade essencial eterna (Deus encarnado) se relaciona com o existente, o que surge é um paradoxo. O paradoxo do cristianismo se dá, portanto, ao serem justapostos a verdade essencial eterna e o existir;

Por conseguinte, quando os reunimos na própria verdade, a verdade se torna então um paradoxo. A verdade eterna surgiu no tempo. É isso o paradoxo. Se o sujeito acima mencionado foi impedido pelo pecado de retomar-se a si mesmo na eternidade, agora não deve mais preocupar-se por causa disso, pois agora a verdade eterna, essencial, já não se encontra lá atrás, mas veio para a frente dele, pelo fato de ela mesma existir, ou ter existido, de modo que se o indivíduo, existindo, na existência, não alcançar a verdade, jamais a alcançará. (KIERKEGAARD, 2013, p. 220).

Para Kierkegaard, no cristianismo, pelo fato de a verdade essencial eterna existir e relacionar-se com o ser; “A fraude da especulação de querer recordar-se de si fora da existência ficou impossibilitada” (2013, p. 220). Assim,

O paradoxo rebate, na incerteza objetiva e na ignorância, para a interioridade daquele que existe. Mas como o paradoxo não é, em si mesmo, o paradoxo, ele não rebate com interioridade suficiente; pois sem risco não há fé; quanto maior o risco, maior a fé; quanto mais confiabilidade objetiva, menos interioridade (pois a interioridade é justamente a subjetividade); quanto menos confiabilidade objetiva, mais profunda é a possível interioridade. Quando o próprio paradoxo é o paradoxo, ele rebate em virtude do absurdo, e a paixão da interioridade, que corresponde a isso, é a fé (KIERKEGAARD, 2013, p. 220-221).

Aqui o autor mostra o absurdo, do ponto de vista objetivo, de se conceber que a verdade eterna veio a ser no tempo; que o próprio Deus foi gerado, nasceu, cresceu na história, etc. O absurdo objetivo, que torna a mensagem cristã paradoxal, é que Deus “veio a ser como qualquer humano, a ponto de não se poder diferenciá-lo de um outro ser humano” (2013, p. 221). A certeza subjetiva que se apega com a paixão da interioridade a esse absurdo, é a fé. Fé, para Kierkegaard, no sentido mais estrito se refere ao devir e se relaciona, portanto, “ao fato de que Deus veio a ser” (2013, p. 221). Em sua argumentação, o filósofo toma a seu favor o próprio Sócrates que, segundo ele, quando “acreditava que Deus existe, mantinha firme certeza objetiva com toda paixão da interioridade”. Na visão kiekegaardiana, Sócrates percebia que “lá onde o caminho bifurca há um caminho de aproximação objetiva, por exemplo, pela observação da natureza, pela história do mundo, etc. Seu mérito foi, justamente, o de evitar este caminho, onde o canto da sereia da quantificação encanta e engana o existente” (2013, p. 221-222).

Para Kierkegaard, “o absurdo é, justamente pela repulsa objetiva, o dinamômetro da fé na interioridade. […] é justamente o objeto da fé, a única coisa que se pode crer” (2013, p. 222). Assim, se a objetividade acredita possuir uma segurança que a subjetividade não tem, a fé é justamente o paradoxo de crer no que é objetivamente incerto por força do absurdo. Vale salientar que essa era a fé de Abraão, o qual, segundo escreveu o apóstolo Paulo aos romanos, “em esperança, creu contra a esperança [...]” (BÍBLIA, 2010, Romanos 4.18). Ele acreditou no absurdo de que retornaria para casa com o filho após tê-lo sacrificado (KIERKEGAARD, 2009).

O cristianismo, para quem Abraão é tido como o pai da fé, proclamou o Cristo como a verdade essencial, eterna, que veio a ser no tempo; “ele se proclamou como o paradoxo e exigiu a interioridade da fé em relação ao que é um escândalo para os judeus, e para os gregos uma tolice – e para o entendimento o que há de absurdo” (KIERKEGAARD, 2013, p. 224). Assim, o cristianismo não poderia ser melhor expresso do que se afirmando que ele é verdade justamente por força da subjetividade que o absorve pela fé.

Kierkegaard ironiza dizendo que “parece estranho que o cristianismo devesse ter vindo ao mundo para ser explicado, ah, como se ele próprio estivesse um tanto confuso a respeito de si mesmo e, por isso, viesse ao mundo à procura do homem sábio, do especulante, daquele que pode ajudar com a explicação” (2013, p. 224). E, mais adiante;

A verdade eterna entrou no mundo, porque precisava de uma explicação, e a esperava de uma discussão que ela provocaria. Do mesmo modo, um professor

publica os traços fundamentais de um sistema, calculando que a obra escrita, ao ser resenhada e debatida, tomará, mais cedo ou mais tarde, uma forma nova e totalmente revista. Somente essa segunda edição […] é a verdade, e assim, só a especulação é a verdadeira e única edição satisfatória da verdade provisional do cristianismo (KIERKEGAARD, 2013, p. 228).

Kierkegaard, em seu Pós-Escrito está tão convencido de sua argumentação que continua a fazer uso da ironia para atacar a tendência objetivadora que se infiltrara na cristandade de seu tempo;

Se o terrível, nos velhos tempos, era que alguém pudesse se escandalizar; agora o terrível consiste em que não haja mais nada terrível; que alguém, num um, dois, três, antes de dar uma olhada ao redor, se transforme num especulante a especular sobre a fé. Sobre qual fé? […] A fé objetiva é, afinal, como se o cristianismo tivesse sido também proclamado como um pequeno sistema, decerto não tão bom quanto o hegeliano. É como se Cristo […] tivesse sido um professor e os apóstolos tivessem formado uma pequena Academia de ciências. Verdadeiramente, se alguma vez foi difícil tornar-se cristão, acredito que agora se torna mais difícil a cada ano, pelo fato de agora isso ter-se tornado tão fácil; só há um pouco de concorrência para tornar-se especulante. E, contudo, o especulante é talvez o mais distanciado do cristianismo, e talvez seja mil vezes preferível ser um escandalizado, que contudo constantemente se relaciona com o cristianismo, enquanto que o especulante o compreendeu (2013, p. 226-227).

O propósito do filósofo é alertar para a necessidade de o cristianismo valorizar o paradoxal em sua mensagem; a prestar atenção para que sua mensagem jamais deixe de “ser aquela flor rara”, que o apresenta como escândalo e loucura, tanto no começo, quanto agora e

“enquanto o mundo for mundo” (KIERKEGAARD apud VALLS, 2013, p. 154-155). Assim,

em As obras do amor, ele afirma:

Quando o cristianismo veio ao mundo, não precisava (embora o tenha feito) chamar expressamente a atenção para o fato de ele ser um escândalo, pois isso aliás bem facilmente descobriu o mundo, que se escandalizou com ele. Mas agora, agora, quando o mundo se tornou cristão, agora o cristianismo tem de antes de mais nada prestar atenção expressamente ao escândalo […] Não é de admirar então que o cristianismo e sua felicidade e suas tarefas não consigam mais satisfazer “os cristãos” - afinal já não conseguem nem mesmo se escandalizar dele! […] Mas agora, agora que o cristianismo ao longo dos séculos viveu em amplas relações com a razão humana, agora, quando um cristianismo decaído – tal como aqueles anjos decaídos, que se casaram com mulheres terrenas – casou-se com a razão humana, agora que o cristianismo e a razão vem se tuteando: agora o cristianismo tem de antes de mais nada prestar atenção ao conflito. […] Somente a possibilidade de escândalo […] é capaz de despertar o adormecido, capaz de chamar de volta o enfeitiçado, de modo que o cristianismo volte a ser o que ele era (KIERKEGAARD apud VALLS, 2013, p. 154-155).

O escândalo é compreendido como um choque ou ofensa que expressa aquela atitude de rejeição da razão natural ao deparar-se com a dimensão incognoscível e inefável da fé. Isso está bem presente no caso de Abraão. Segundo Johannes de Silentio, “Pela fé, partiu Abraão

da terra de seus pais e tornou-se estrangeiro na terra prometida. Deixou uma coisa para trás, levou outra consigo; deixou para trás o entendimento terreno e levou consigo a fé; caso contrário, nem sequer teria partido, antes teria pensado que tal coisa era de todo irrazoável” (2009, p.68). O irrazoável, o irracional está no âmago da religião cristã. A proposição defendida pelo cristianismo de que, em Cristo, Deus “a si mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (BÍBLIA, 2010, Filipenses 2.7) é, segundo Kierkegaard, o paradoxo sensu strictissimo, o paradoxo absoluto (2013, p. 228). E esse paradoxo absoluto, só pode relacionar-se com a diferença absoluta entre Deus e o homem que, por sua vez, repousa no fato de que o homem é um ser individual (e pecador), e Deus ser o infinito que é eterno (e santo). Assim, se o indivíduo procura explicar e compreender o paradoxo racionalmente, seu discurso demonstra, por isso mesmo, que o que ele compreendeu “não era o paradoxo absoluto, mas um paradoxo relativo17, pois do paradoxo absoluto só se pode compreender que ele não pode ser compreendido” (KIERKEGAARD, 2013, p. 229).

É o paradoxo que expõe os limites da razão e da pretensão de atingir as verdades últimas por meio da dialética hegeliana. A mediação da razão tem sua validade e é essencial para diagnosticar as coisas do mundo físico. Mas ela é insuficiente quando se trata do abismo, da decisão pessoal do humano diante do divino que, paradoxalmente, não se encontra no tempo nem na eternidade, mas no instante (ALMEIDA, 2010), no salto. A fé necessita, por isso, que o paradoxo permaneça, pois, se ele for superado ou desfeito, no sentido estritamente cristão, ela deixará de existir, ou não terá mais validade. Da mesma forma, a relação com o Cristo é marcada pela possibilidade do escândalo, não apenas para aqueles que conviveram com ele, mas para todos que desejam segui-lo (MARQUES, 2013). Eliminar a possibilidade de escândalo, afirma Anticlimacus – o pseudônimo cristão de Kierkegaard – é o mesmo que eliminar o próprio Cristo (KIERKEGAARD, 1991).

A especulação presente no cristianismo, em especial na teologia, não pretende, em princípio, combater a corrente moderna mítico-alegórica que declara o cristianismo como

mito em sua totalidade. Segundo Kierkegaard, essa corrente tem uma conduta clara e qualquer

um poderia facilmente formar uma opinião a respeito. Mas o que a especulação busca combater é a corrente ateia mítico-alegórica que busca desacreditar completamente a religião. O embate da especulação é, na realidade, uma forma de defesa e, ao mesmo tempo, uma 17 Para Paul Tillich (2000), o dogma se origina da preocupação da igreja com relação às interpretações errôneas que apareciam e que, com o tempo, acabaram se tornando leis canônicas. Segundo ele, Lutero também reconhecia o fato de que “os dogmas não resultaram de interesses teóricos, mas da necessidade de se proteger a substância da mensagem Cristã”. Esta substância, ou base fixa “era a confissão de que Jesus era o Cristo. Além disso, tudo mais era mutável” (p. 21). Nesse sentido, o paradoxo absoluto do cristianismo é essa base fixa. Tudo o mais são paradoxos relativos.

busca por seguranças objetivas para o que é, essencialmente, subjetividade. Ao fazer isso, entretanto, a especulação aceita o paradoxo, porém não se detém nele. Ao perceber que o paradoxo é exatamente a perdição da especulação, busca decifrá-lo, tornando-o acessível ao pensamento; explicando-o. Kierkegaard se pergunta então sobre o que significa explicar alguma coisa. Explicar seria mostrar que a coisa obscura em questão não é essa, mas outra coisa? Ou explicar significa superar o paradoxo? Para o filósofo, se explicar for mostrar que o obscuro ou paradoxal é outra coisa que não aquilo que se aparenta, então isso não será uma explicação, mas uma retificação. E retificação, em última análise, não explica, mas elimina o paradoxo. De forma análoga, se explicar for superar, então o paradoxo também é eliminado, pois, ao explicá-lo, o especulante não está assumindo que o cristianismo seja, em si a verdade, mas que “é a compreensão do cristianismo pelo especulante que constitui a verdade do cristianismo” (2013, p. 235).

Se a especulação está certa, é uma outra questão; aqui se pergunta apenas como sua explicação do cristianismo se relaciona com o cristianismo que ela explica. E como deveriam eles se relacionar? A especulação é objetiva, e, objetivamente, não há nenhuma verdade para um existente, mas apenas uma aproximação, já que, pelo existir, ele está impedido de se tornar inteiramente objetivo. O cristianismo, ao contrário, é subjetivo; a interioridade da fé no crente é a eterna decisão da verdade. E objetivamente não há nenhuma verdade, pois o saber objetivo da verdade, ou das verdades, do cristianismo é, justamente, inverdade; saber recitar de cor uma confissão de fé é paganismo, pois o cristianismo é a interioridade (KIERKEGAARD, 2013, p. 235).

Ao afirmar que a verdade religiosa é subjetividade, Kierkegaard não pretende, de forma alguma, negar a objetividade como já ficou demonstrado anteriormente. Ele está, no entanto, mais preocupado com a relação que o sujeito que aborda o cristianismo objetivamente tem com o cristianismo por ele explicado. No mesmo texto em que o filósofo fala da necessidade de encontrar uma verdade pela qual pudesse viver e morrer, ele afirma;

[…] de que me adiantaria poder desenvolver a importância do cristianismo e explicar muitos dos seus fenômenos, quando este não teria nenhuma importância mais profunda para mim e para minha vida? […] É claro que não me nego a assumir o imperativo do reconhecimento nem nego que através deste seja possível influenciar os homens, mas então eu quero este imperativo vivamente assumido em mim, e é isso que eu agora reconheço como sendo o fundamental. É por isto que a minha alma anseia, como os desertos da África anseiam pela água […] Era neste ponto que estava me fazendo falta levar uma vida humana completa, e não só uma vida do pensamento baseando os meus desenvolvimentos em algo, dito objetivo, – algo que, de qualquer maneira, não pertence a mim – em vez de algo que é ligado à raiz mais profunda da minha existência, através do que eu virtualmente me fundo com o Divino, ao qual estou preso, mesmo se o mundo inteiro se acabar (KIERKEGAARD apud HARBSMEIER, 1993, p. 196).

O cristianismo possui fatos objetivos. Esse é o caso da pessoa de Jesus Cristo. Mas o que torna Cristo um objeto religioso não é o fato de se provar objetivamente que ele existiu. Na compreensão do filósofo, não é o ato de acreditar na veracidade da narrativa histórica, na descrição metafísica ou na prova científica a respeito da existência de Jesus ou de Deus que se constitui a verdade da fé. Se assim fosse “aquela paixão que é tão intensa quanto a fé, teria sido dirigida para o meramente histórico” (KIERKEGAARD, 2011, p.127) que é sempre apenas aproximação.

Conceber fé e/ou verdade religiosa objetivamente ou fora da paixão infinita, é uma contradição. “Seria cômico”, afirma Kierkegaard, “interessar-se infinitamente em relação a algo que em seu ponto máximo continua sempre apenas uma aproximação. Se a paixão for adicionada apesar disso, aparece o zelotismo” (2013, p. 37). E o aspecto ridículo do zelotismo é que “sua paixão infinita o empurra para o objeto errado” (2013, p. 41). Por isso, Kierkegaard insiste que, por mais necessária que ela seja, não é a relação cognitiva com Jesus ou com sua existência histórica o que de fato importa, mas, que é justamente a relação não cognitiva, pessoal e subjetiva, que torna Jesus Cristo um objeto religioso. Nesse sentido, se a

verdade religiosa fosse não cognitiva, ou seja, se ela fosse vista a partir da subjetividade do ser, inclusive as pressões exercidas pela ciência sobre a religião se dissolveriam; “o conflito

entre a ciência e a religião já não seria possível, e o constante entrincheiramento do crente religioso face a um sistema científico em marcha progressiva iria cessar” (WIEBE, 1999, p. 69), pois a religião, a fé e a verdade religiosa, vistas desse patamar, se fundamentam em bases diferentes daquelas das ciências e conhecimentos objetivos.

Fica claro, portanto, que há uma imensa distância ontológica entre o homem e a divindade. Trata-se de um verdadeiro abismo intransponível que torna inviável a tarefa de categorizar o infinito em um sistema lógico racional. É claro que, como lembra Marques (2013), ainda há um espaço para a razão, mesmo que este seja simplesmente para entender o absurdo da fé pois, como afirma Climacus no Pós-Escrito, “do paradoxo absoluto só se pode compreender que ele não pode ser compreendido” (KIERKEGAARD, 2013, p. 229).

Com efeito, a fé tem duas tarefas: vigiar e descobrir a cada momento a improbabilidade, o paradoxo, para então, com a paixão da interioridade, permanecer firme. […] Onde o entendimento desespera, lá a fé já está presente, a fim de tornar o desespero bem decisivo, para que o movimento da fé não se torne uma transação dentro da esfera de negociações do entendimento (KIERKEGAARD, 2013, p. 245).