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Os primeiros reflexos de parceria rural nasceram na segunda metade do século XIX, onde o proprietário de terra passou a contratar famílias para explorar a terra, tendo em troca, parte da colheita. Porém, de certa forma, o proprietário da terra dominava o trabalhador, que recebia uma parte desproporcional dos frutos, diante da quantia de trabalho que tinha na propriedade. Nessa espécie de contrato, o lucro advém somente com o sucesso da atividade, pois só dependem da capacidade de produção e de lucros do uso da terra. A parceria rural enseja, além da divisão dos lucros, a divisão dos riscos. Havendo perda total dos produtos, a parceria poderá ser extinta, ou o contrato pode ser prorrogado (CERVO, 2013, p. 35).

A parceria rural está definida no art. art. 4° do Decreto n. 59.566/66, sendo uma espécie de contrato agrário onde um indivíduo se obriga a ceder a outro o uso específico de imóvel rural. O objeto do contrato da parceria rural, assim como no arrendamento, é o uso do imóvel rural. Dependendo da modalidade de parceria, “o uso do imóvel pode ser para exploração de atividade vegetal, animal, agroindustrial, extrativa ou mista” (ALMEIDA; BUAINAIN, 2013, p. 10). Os sujeitos envolvidos na parceria rural, compartilham os riscos do empreendimento, em proporção estipulada

em contrato, que deve obedecer, ainda, a lei15. Sobre o assunto,

Na parceria, os sujeitos associam terra, trabalho e capital, para usar na atividade agrária do imóvel rural. Os rendimentos e a produção obtidos são, ao final do contrato, partilhados; bem como os riscos do empreendimento, na proporção acordada, e em conformidade aos limites impostos pela lei. Ambos contratantes são denominados parceiros, sendo que parceiro- outorgante é o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens; e parceiro-outorgado, a pessoa ou o conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que os recebe para os fins próprios das modalidades de parcerias (art. 4°, parágrafo único, Decreto n. 59.566/66). O parceiro-outorgado, na maioria das vezes, é o cultivador direto; enquanto o parceiro-outorgante, quase sempre, concorre com o imóvel e as benfeitorias incluídas. Pode existir situações em que o parceiro-outorgante cede máquinas, animais de tração, sementes; os quais incidirão sobre os percentuais que lhe confere em relação ao resultado da atividade agrária (ALMEIDA; BUAINAIN, 2013, p. 10).

A natureza jurídica do contrato de parceria é diferente do arrendamento rural. A parceria é uma sociedade sui generis, ou seja, ela apresenta muitas características da relação societária, a saber: o empreendimento é exercido em conjunto pelos indivíduos que firmaram o contrato, assim como a responsabilidade será de ambos os contratantes. Os riscos serão suportados, igualmente, pelos parceiros, porém, os lucros, serão repartidos considerando uma proporção estabelecida previamente (ALMEIDA; BUAINAIN, 2013, p. 10 apud VIEIRA, 1998, p. 43).

A parceria, na visão do autor infra, e na forma detalhada no art. 5º do Regulamento (Dec. nº 50566), poderá ocorrer das seguintes formas:

I. Agrícola, quando o objeto da cessão for o uso de imóvel rural, de

parte ou partes dele, com o objetivo de nele ser exercida a atividade de produção vegetal;

II. Pecuária, quando o objetivo da cessão for animais para cria, recria, invernagem ou engorda;

III. Agroindustrial, quando o objeto da sessão for o uso do imóvel rural, de parte ou partes dele, ou maquinaria e implementos, com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola, pecuário ou florestal;

IV. Extrativa, quando o objeto de cessão for o uso de imóvel rural, de parte ou partes dele, e ou animais de qualquer espécie, como objetivo de

15 A parceria rural se configura pela existência de um contrato pelo qual uma pessoa, seja ela natural

ou jurídica (parceiro outorgante), cede para uma pessoa natural ou reunião familiar (parceiro outorgado), o uso de um imóvel rural ou prédio rústico para a exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista. Geralmente, o parceiro outorgante fornece os meios de produção e o parceiro outorgado emprega a sua força de trabalho. Ambos partilham os lucros e os prejuízos resultantes do contrato de parceria. Por se tratar de uma relação jurídica de natureza civil, os direitos, deveres e obrigações dos parceiros outorgante e outorgado estão regulamentados no contrato de parceria rural, observados, naturalmente, os requisitos e as exigências contidas na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (“Estatuto da Terra”), Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966 (“Decreto”) e no Código Civil (“CCB”), aplicável subsidiariamente, por força do artigo 92, parágrafo 9º, do Estatuto da Terra (NETO, 2017, p. 1).

ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal;

V. Mista, quando o objeto da cessão abranger mais de uma das

modalidades de parceria definida nos incisos anteriores (COELHO, 2016, p. 85).

Existe um pagamento mínimo anual na parceria, que ocorre mediante partilha de frutos e produtos adquiridos pelo negócio. Além disso, poderá envolver a entrega de animais e crias.

Nos contratos de parceria rural, devem ser observados, primordialmente, cinco princípios contratuais, de maior influência e relevância para análise da parceria, não impedindo, porém, a existência de outros. O primeiro deles é o princípio da autonomia da vontade, “segundo o qual as partes possuem livre vontade de celebrar contratos, devendo-se observar um justo equilíbrio, a fim de que o parceiro-outorgante não se beneficie mais do que o parceiro outorgado” (FERRÃO, 2013, p. 169-170). Outrossim,

[...] o contexto social, a partir dos fenômenos de massa da sociedade, revelaram o desequilíbrio material existente entre os contratantes, fato que levou os Estados a interferirem nas relações contratuais por meio do dirigismo contratual, como forma de propiciar uma proteção às partes hipossuficientes na relação contratual, estabelecendo um equilíbrio entre as partes. [...] O que muda nesse contexto é justamente que o contrato supera a noção individualista de simples instrumento econômico, sofrendo limites à autonomia da vontade, agregando valores humanos e atendendo a fins coletivos (COELHO, 2016, p. 71).

Também cabe a menção do princípio da função social do contrato, que preceitua que as relações contratuais “devem observar a melhor solução possível para as relações dos indivíduos em sociedade” (FERRÃO, 2013, p. 170). O Código Civil, dispõe expressamente em seu art. 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2002). Em complemento ao exposto:

[...] Desta forma, a previsão da função social do contrato, trazida pelo Código Civil vem a complementar a observância da função social já existente e observada pelos contratos agrários, assim como a protetividade do hipossuficiente na relação agrária, como defende João Sidnei Duarte Machado, sempre visando alcançar como finalidade a efetiva validade e eficácia dos fins sociais (COELHO, 2016, p. 75).

Um terceiro princípio de suma importância é o princípio da equivalência das prestações, “segundo o qual deve existir um justo equilíbrio na partilha dos frutos do contrato de parceria rural, de maneira que tanto o parceiro-outorgante, quanto o parceiro-outorgado, recebam suas riquezas na medida justa e equilibrada”

(FERRÃO, 2013, p. 170). Nesse sentido,

O presente princípio sustenta a ideia de que as prestações dos contratos devem ser equilibradas e justas, traduzindo-se em ganhos para ambas as partes. A vantagem faz parte da contraprestação, devendo ser vedada a desproporção que acarrete onerosidade excessiva entre as partes. [...] Em síntese, pelo princípio da equivalência das prestações tem-se que o contrato é o meio de circulação de riquezas e valores e nunca meio de exploração (COELHO, 2016, p. 75-76).

O quarto princípio a ser aqui abordado é o princípio da relatividade dos efeitos contratuais, onde o “contrato só produz efeito entre as partes, não ajudando, nem prejudicando terceiros, embora por um fenômeno econômico possa desencadear várias outras relações jurídicas contratuais” (FERRÃO, 2013, p. 170). Um exemplo dessas relações jurídicas contratuais que podem ser desencadeadas é um contrato de transporte de produtos agrícolas.

Por fim, traz-se o conceito do princípio da boa-fé objetiva dos contratos, A boa-fé objetiva traduz uma ideia de retidão de conduta, pautada sobre os padrões da ética, da honestidade, do respeito e da cooperação entre as partes. Segundo Miguel Reale, ”a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências” (COELHO, 2016, p. 77). Para ser enquadrado como um contrato de parceria rural, como visto, são necessários vários requisitos, que se não forem observados, ocorre a descaracterização da parceria rural, transformando-se em contrato de emprego (FERRÃO, 2013, p. 171). Para delimitar tal fenômeno, cita-se o disposto no artigo 96, § 4º, do Estatuto da Terra16. Finalizando a abordagem das principais

considerações acerca do contrato de parceria rural, passa-se à abordagem das diferenças encontradas nesses contratos típicos.

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