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Parentalidade e ansiedade parental A ansiedade “em família”

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem-se revelado eficaz na redução da ansiedade em crianças (55-60%). No entanto, muitas crianças continuam a apresentar dificuldades significativas após o tratamento (e.g., Cartwright-Hatton, Roberts, Chitsabesan, Fothergill, & Harrington, 2004; James, James, Soler, & Choke, 2013). Vários estudos têm evidenciado que os sintomas de ansiedade parental, nomeadamente em casos em que os pais também têm diagnóstico de PA, podem ter uma influência na eficácia da intervenções dirigidas à ansiedade infantil (e.g., Berman, Weems, Silverman, & Kurtines, 2000; Bodden et al., 2008a; Cobham, Dadds, & Spence,

1998; Cooper, Gallop, Willetts, & Creswell, 2008; Crawford, & Manassis, 2001; Dadds, Spence, Holland, Barrett, & Laurens, 1997; Dadds et al., 1999; Hudson et al., 2013; Rapee et al., 2009; Silverman, Kurtines, Pina, & Jaccard, 2009), o que é frequente suceder em contexto clínico devido à elevada coexistência familiar deste problema (e.g., Cooper, Fearn, Willetts, Seabrook, & Parkinson, 2006; Last, Hersen, Kazdin, Francis, & Grubb, 1987). Todavia, os mecanismos através dos quais a ansiedade parental se associa à ansiedade dos filhos e à eficácia dos tratamentos ainda não são claros. Pensa-se que a ansiedade parental per se pode não interferir directamente no processo de intervenção mas, acima de tudo, contribuir para a manutenção de padrões de interacção disfuncionais que surgem no contexto familiar quando existe

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ansiedade parental elevada (Breinholst, Esbjørn, Reinholdt-Dunne, & Stallard, 2012; Settipani, O’Neil, Podell, Beidas, & Kendall, 2013), assim como para a existência de crenças parentais que podem dificultar o processo de adesão dos pais à intervenção (Pereira et al., 2015). Por essa razão, os autores sugerem que se caracterize melhor a forma como pais ansiosos e não ansiosos respondem aos filhos ansiosos, de modo a compreender melhor os processos que afectam negativa ou positivamente a intervenção (Apetroia, Hill, & Creswell, 2015).

Se os comportamentos parentais correspondem a um dos mecanismos de promoção e transmissão intergeracional de ansiedade nas crianças, é também expectável que as manifestações de ansiedade parental possam, elas próprias, influenciar a criança. Esta influência pode ocorrer de forma directa, através da observação de comportamentos promotores de ansiedade e evitamento ou de transmissão de informação geradora de ansiedade, ou indirecta, através de práticas parentais negativas. De acordo com os modelos teóricos, a ansiedade parental compromete as competências e estratégias de coping adaptativas dos pais, conduzindo a comportamentos parentais promotores de ansiedade infantil (e.g., Chorpita & Barlow, 1998; Ginsburg & Schlossberg, 2002; Rapee, 1997). A ansiedade que os próprios pais sentem pode influenciar o desenvolvimento e manutenção da ansiedade dos filhos ao aumentarem a probabilidade de ocorrência de certos comportamentos parentais e processos de influência, referidos anteriormente: a) modelagem e reforço do evitamento; b) transmissão de informação geradora de ansiedade; e c) estilos e práticas parentais negativas (e.g., rejeição e controlo excessivo). Analisemos com maior detalhe cada um deles.

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Por um lado, considera-se que pais ansiosos apresentam maior probabilidade de influenciar os seus filhos através da modelagem das suas cognições, emoções e comportamentos. Deste modo, pais ansiosos poderão ser repetidamente observados pelas crianças (e até encorajá-las a verbalizar cognições de vulnerabilidade, perigo e baixo controlo, abordadas mais adiante), a exibir expressões de ansiedade, a catastrofizar e a adoptar estratégias desadaptativas para lidar com as situações receadas, entre as quais, respostas de evitamento (Creswell, Murray, Stacey, & Cooper, 2011; Gerull & Rapee, 2002; Wood et al., 2003). De entre os estudos que

procuraram corroborar esta hipótese, destacamos o estudo longitudinal de Murray e colaboradores (2007). Foram observadas interacções entre bebés de 10 semanas e as respectivas mães ao longo de duas tarefas, uma de interacção cara-a-cara e outra de conversação com um estranho. A amostra foi repartida em três grupos, de acordo com o diagnóstico de ansiedade materna (i.e., ansiedade social, ansiedade generalizada e sem PA). Apesar de as mães com ansiedade social se mostraram tão sensíveis no contacto com os filhos quanto as mães da condição de controlo, manifestaram significativamente mais ansiedade, interagiram menos com a pessoa desconhecida e encorajaram menos os seus filhos a interagirem com a mesma. Estas diferenças não se registaram em relação ao grupo de mães com ansiedade generalizada, o que parece apontar para especificidades comportamentais associadas ao diagnóstico e ao tipo de tarefa de observação. Além disso, a expressão materna de ansiedade social foi preditora de comportamentos de evitamento por parte dos filhos face a estranhos anos mais tarde. Estudos como este poderão ajudar a clarificar o contributo potencial que a observação de comportamentos de pais ansiosos tem no comportamento das crianças.

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Por sua vez, a comunicação verbal ou transmissão de informação geradora de ansiedade por parte dos pais tem sido igualmente apontada como uma fonte de influência potencial no desenvolvimento e reforço de respostas ansiosas nos filhos. Os estudos nesta área demostram que mães ansiosas tendem a manifestar mais interpretações de ameaça, tendência para a catastrofização e para manifestar enviesamentos de atenção (e.g., Lester, Field, & Cartwright-Hatton, 2012). Por exemplo, num estudo de Moore et al. (2004) foram analisadas três tarefas de discussão em quatro grupos crianças/jovens (7-15 anos) e suas mães, formados a

partir da presença ou ausência de PA nas crianças e nas mães. Os resultados mostram que as mães ansiosas tendiam a catastrofizar, assim como as mães de crianças ansiosas, apontando para o facto de as expressões de catastrofização poderem surgir em respostas à ansiedade da criança mas também como uma manifestação da própria ansiedade materna, podendo também aumentar a probabilidade de serem modeladas por parte da criança. Também o estudo longitudinal de Murray et al. (2008), recorrendo ao paradigma da referenciação social, analisou como é que bebés, filhos de mães com e sem ansiedade social, interagiam com uma pessoa estranha, após terem observado a sua mãe na mesma situação aos 10 e aos 14 meses. Os resultados mostraram que os filhos de mães ansiosas evitavam a pessoa desconhecida, em particular nos casos em que as crianças tinham inibição comportamental, o que nos remete para um possível efeito de modelagem destes comportamentos. Verificou-se também que as expressões de ansiedade maternas e o fraco encorajamento à aproximação predizem comportamentos de evitamento nas crianças. Estas crianças foram analisadas mais tarde, aos 5 anos, num estudo com desenho narrativo e em contexto naturalista a partir de uma situação relacionada com um desafio social (i.e.,

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começo das aulas). Os resultados mostraram que, independentemente dos níveis de inibição comportamental iniciais, as crianças ansiosas socialmente evidenciavam mais cognições ansiogénas (e.g., atribuições de ameaça), em comparação com as não- ansiosas.

Por fim, no que concerne aos estilos e práticas parentais, tem sido sugerido que pais ansiosos tendem a interpretar situações desafiantes para a criança como uma ameaça ou perigo, o que poderá conduzir à necessidade de exercer controlo e proteger os filhos, mas também à promoção de atitudes baseadas no evitamento e no criticismo (Wood, 2006; Woodruff-Borden et al., 2002). Ginsburg e colaboradores (2006) concluíram que o criticismo varia em função de algumas variáveis moderadoras, donde se destaca o tipo de tarefa. Apesar de mães ansiosas e não ansiosas tenderem a ser mais críticas em tarefas estruturadas, as mães ansiosas eram-no de forma transversal, especialmente em tarefas de exposição social e com tempo limitado.

Todavia, apesar de alguns estudos mostrarem que a ansiedade parental se associa a maior negatividade e reduzida promoção da autonomia (Whaley et al., 1999), nem todos encontraram estas associações (Ginsburg et al., 2004; Turner et al., 2003; Woodruff-Borden et al., 2002). Na meta-análise de McLeod et al. (2007b), cinco em

sete estudos não corroboraram a existência desta associação (Ginsburg et al., 2006; Moore et al., 2004; Turner et al., 2003). Por sua vez, van der Bruggen et al., (2008) estenderam a sua meta-análise dedicada à associação entre a ansiedade infantil e o

controlo parental, ao contributo da ansiedade dos pais no exercício deste controlo (N =

11). Consistentemente com o que havia sido encontrado em meta-análises anteriores, a associação entre controlo parental e ansiedade infantil apresentou um efeito

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moderado (d = .58), o mesmo não se verificando em relação à associação entre ansiedade parental e controlo (d = .08). Note-se que apesar dos efeitos serem tendencialmente pequenos, nos estudos que incluíram crianças em idade escolar, tarefas com discussão entre pais e filhos e amostras com mais rapazes, esta relação surgiu de forma significativa, chamando a atenção para a importância de considerar factores moderadores na abordagem a esta temática. Os autores levantam várias hipóteses para estes resultados nomeadamente: [a] os estudos não terem conseguido induzir ansiedade nos pais durante as tarefas (independentemente de terem

apresentado resultados elevados nos questionários que avaliavam a ansiedade-traço); [b] a possibilidade dos pais poderem agir não só de forma mais controladora mas também de forma oposta, nomeadamente evitando confrontar-se com a reacção da criança ou afastando-se da situação (i.e., respostas de fuga e/ou não-reacção; Deakin, 1998), provavelmente devido à necessidade de auto-regular e gerir as suas próprias emoções (van der Bruggen, Bögels, & Van Zeilst, 2009); e [c] a necessidade de analisar a associação entre ansiedade infantil e parental, tendo o controlo parental como mediador, através de estudos longitudinais.

Assim, estes resultados parecem contrariar o que defendem os modelos teóricos que sugerem que a ansiedade dos pais propícia comportamentos de controlo sobre os filhos (e.g., Adam, Gunnar, & Tanaka, 2004; Ginsburg et al., 2004; Rapee, 2001). Por conseguinte, é importante esclarecer se esta relação de facto não se confirma ou se existem variáveis mediadoras ou moderadoras de relevo a considerar nesta associação. Por exemplo, importa sublinhar que os resultados destes estudos parecem variar de acordo com o informador utilizado (McLeod et al., 2007b) ou com o próprio

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com mães ansiosas e não ansiosas em três tarefas de interacção com os seus filhos (7- 14 anos), recorrendo a observadores independentes. Os resultados demostram que as mães ansiosas promoviam menor autonomia do que as não-ansiosas mas apenas quando a criança expressava ansiedade. Estes dados sublinham a natureza dinâmica e bidireccional da relação entre a ansiedade parental, parentalidade e ansiedade da criança, assim como o facto de os comportamentos de controlo não dependerem apenas ou necessariamente da ansiedade dos pais (Drake & Ginsburg, 2011). Na verdade, devido à agregação da ansiedade a nível intrafamiliar, é provável que a

associação entre ansiedade dos pais e parentalidade resulte da interacção que estas dimensões têm com o nível de ansiedade da criança. Note-se que no estudo de Moore et al. (2004), as mães de crianças ansiosas, independentemente do seu próprio nível de ansiedade, foram menos apoiantes e promoveram menos a autonomia na interacção com os filhos do que as mães de crianças não-ansiosas. Gar e Hudson (2008) aprofundaram este resultado num estudo mais alargado com 155 mães e crianças/jovens (4-16 anos), agrupados de acordo com a presença e ausência de PA em ambas as gerações. Os resultados confirmaram o efeito da ansiedade dos filhos (mas não da ansiedade parental) no envolvimento excessivo dos pais nas duas tarefas de interacções (i.e., preparação de um discurso e na realização de um discurso de 5 minutos ou Five Minutes Speech Sample - FMSS). Na FMSS, as mães de crianças ansiosas apresentaram também comportamentos mais negativos, não havendo relação entre esta dimensão e a ansiedade materna.

Em conclusão, resultados como estes apontam para a hipótese dos comportamentos parentais baseados no controlo excessivo e na negatividade surgirem como respostas prováveis à ansiedade manifestada pela criança, o que poderá reforçar

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ainda mais a sua sintomatologia, em particular se interagirem com outros factores de vulnerabilidade que estiverem presentes (Creswell, Murray, Stacey, & Cooper, 2011). No estudo de Hirshfeld e colaboradores (1997), por exemplo, as mães ansiosas foram mais críticas na FMSS quando os filhos tinham inibição comportamental do que quando não apresentavam este traço. Esta distinção não ocorreu no grupo de mães não-ansiosas. Apesar deste importante contributo, a maior parte destes estudos não permitiu concluir que a ansiedade parental aumenta o recurso a práticas e estilos educativos negativos, pelo que os autores aconselham o recurso a estudo

longitudinais.

Por último, importa sublinhar que os que os pais ansiosos se podem igualmente

envolver menos na interacção com os filhos e evitam mais a aproximação com eles,

provavelmente como reflexo da sua própria ansiedade. Estes comportamentos de não- envolvimento surgem habitualmente na literatura com a denominação de “withdrawal”. Por exemplo, num estudo de Turner e colaboradores (2003) foi pedido aos pais que se sentassem numa cadeira e observassem os filhos a brincar no parque infantil. Os resultados mostram que os pais ansiosos não se mantinham tão perto nem acompanhavam nem monitorizavam tanto a criança. Woodruff-Borden e colaboradores (2006) mostraram que a ansiedade parental estava relacionada com comportamentos de afastamento por parte dos pais durante situações de interacção com a criança. Na verdade, segundo os autores, a ansiedade parental pode induzir respostas de luta/fuga ou paralisação (Deakin, 1998), o que, em termos comportamentais, se reflecte em comportamentos dirigidos directamente à criança (e.g., envolvimento excessivo) mas também em menor investimento, envolvimento ou mesmo afastamento, assumindo assim um possível efeito curvilíneo na ansiedade (van

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der Bruggen et al., 2008). É também provável que, independentemente da presença de um diagnóstico de ansiedade nos pais, estados emocionais negativos (e.g., ansiedade, preocupação, irritação, raiva) possam alocar os recursos dos pais no sentido de se auto-regularem emocionalmente em vez de se focarem na gestão da ansiedade da criança ou do problema.

Em resumo, se a investigação dedicada à identificação de factores de risco para a ansiedade infantil assim como dos factores parentais preditores da eficácia das intervenções tem dado passos importantes, a análise dos processos que explicam esta influência encontra-se ainda a dar os primeiros passos. Uma crítica apontada por alguns autores da área prende-se com a dificuldade em perceber se a parentalidade é mais afectada pela ansiedade dos pais ou dos filhos. Estes dados preliminares, apontam para o contributo directo ou indirecto da ansiedade parental quer no desenvolvimento e manutenção da ansiedade infantil, quer na sua protecção

Olhar de fora para dentro