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Uma abordagem macroscópica

A abordagem tipológica tem assumido um papel importante na investigação dedicada à psicologia da família, assumindo uma perspectiva mais “macroscópica” sobre os estilos parentais (“person-centered approaches”). Sabendo que os pais se comportam de acordo com mais do que uma das dimensões de estilo educativo parental (e.g., um pai pode ser simultaneamente apoiante e controlador dos movimentos do seu filho) e que o posicionamento numa dimensão afecta a manifestação de outra (e.g., se um pai não se envolve no exercício da sua parentalidade, é possível que não demonstre afecto e suporte emocional para com o filho ou que não exerça controlo, supervisão ou monitorização sobre as suas rotinas),

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faz sentido analisar o modo como estes estilos se agrupam de acordo com as características de cada progenitor e do contexto em que se inserem (O’Connor, 2006). Por estes motivos, esta é uma abordagem que potencia a validade ecológica, uma vez que analisa a forma como certos estilos e comportamentos parentais são usados naturalmente e em simultâneo nos contextos reais em que as famílias se encontram (Pereira, Canavarro, Cardoso, & Mendonça, 2009).

Apesar das abordagens dimensionais (“variable-centered approaches”) poderem avaliar o contributo independente e específico de cada variável parental no ajustamento da criança (Darling & Steinberg, 1993), a definição de tipologias mais alargadas permite analisar de que modo a interacção entre as dimensões (e.g., rejeição e controlo) e subdimensões (e.g., superprotecção, suporte) parentais se associa à ansiedade infantil e estabelecer comparações entre diferentes tipologias (Frosch & Mangelsdorf, 2001). Assim, devido à sua natureza holística, a análise de tipologias permite aceder a padrões combinados de estilos e práticas parentais a partir do contexto natural em que os pais se inserem (Bergman, Cairns, Nilsson, & Nystedt, 2000; Steinberg et al., 1994).

Nas últimas décadas, as abordagens tipológicas têm desempenhado um importante contributo na área da psicologia da família (Mandara, 2003). A tipologia parental mais influente foi proposta por Dianna Baumrind (1978) e teve o contributo importante de autores como Maccoby e Martin (1983). A partir das interacções de crianças e suas mães, observadas em larga escala pela autora e sua equipa em contextos laboratoriais e naturalistas e ao longo de vários anos, foram realizadas análises factoriais que permitiram extrair duas dimensões parentais principais: a responsividade (i.e., o grau

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em que os pais aceitam, apoiam e estão receptivos aos filhos, reconhecendo a sua individualidade e autonomia) e a exigência (i.e., padrões comportamentais e esforços exercidos pelos pais como forma de agirem como agentes socializadores da criança através da aplicação de regras e normas, de supervisão das actividades da criança, da regulação do seu comportamento ou do estabelecimento de expectativas acerca do grau de maturidade previsto para a criança). Assim, estes autores construíram um modelo configuracional baseado numa tipologia que combina estas duas dimensões em quatro padrões parentais de acordo com a maior ou menor presença de cada uma

destas dimensões (Maccoby & Martin, 1983; Morris, Cui, & Steinberg, 2013): a.

autoritativo (elevados níveis de responsividade e exigência), b. autoritário (baixa

responsividade e elevada exigência), c. permissivo ou indulgente (elevada responsividade e baixa exigência), e d. desinvestido ou negligente (níveis reduzidos de responsividade e exigência).

A tipologia de Baumrind (1991) foi provavelmente a mais amplamente aplicada a vários contextos e em diversos países. O padrão autoritativo, em que os pais orientam e guiam a criança num contexto afectivo de proximidade e aceitação, tem sido considerado unanimemente como o que promove melhores níveis de ajustamento em vários domínios de funcionamento da criança (e.g., ajustamento emocional, estratégias de coping adaptativas, desempenho académico ou menor tendência para a adopção de comportamentos de risco: Sorkhabi & Mandara, 2012). Por contraste, os padrões permissivo e, principalmente, negligente têm vindo a associar-se a piores níveis de ajustamento em diversas áreas de vida da criança (Maccoby & Martin, 1983). Porém, vários estudos mostraram efeitos distintos consoante o género da criança e os contextos culturais e sociais em que se inserem (e.g., ao contrário do que acontece

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com as criança anglo-saxónicas, o estilo autoritário parece promover o auto-controlo e a assertividade em raparigas afro-americanas - Baumrind, 1972 - e a inibição em crianças chinesas; Chen et al., 1998). Note-se que a maior parte da literatura recorreu a amostras de classe média e Euro-americanas (Graham & Weems, 2014; Möller, Majdandžic, Vriends, & Bögels, 2013; Soysa & Weiss, 2014). A própria constituição das tipologias parentais parece variar em função da cultura (e.g., os padrões descritos por Baumrind e colaboradores não reflectem as especificidades culturais de países asiáticos como a China; Chao, 1994).

A maior parte dos estudos que recorreram à tipologia de Baumrind para analisar a sua relação com a ansiedade infantil, encontraram uma associação entre o padrão autoritário (i.e., aquele em que os pais têm elevadas expectativas de que a criança seja obediente num contexto pouco afectivo) e as manifestações de ansiedade na infância (e.g., Garcia & Gracia, 2009; Lamborn, Mounts, Steinberg, & Dornbusch, 1991; Martinez, García, & Yubero, 2007; Steinberg, Lamborn, Dornbusch, & Darling, 1992; Steinberg et al., 1994; Timpano et al., 2011). Por sua vez, a recente meta-análise de Yap e Jorm (2015) não encontrou estudos onde esta associação tivesse sido confirmada. Em contrapartida, alguns estudos que recorreram a medidas de auto- relato com crianças ansiosas, mostraram que o estilo autoritativo, assente em comportamentos que procuram dirigir mas também encorajar e valorizar a independência da criança, se associava a menores níveis de ansiedade infantil (Stark, Humphrey, Crook, & Lewis, 1990; Stark, Humphrey, Laurent, Livingston, & Christopher, 1993). Estes resultados, ainda que nem sempre consistentes entre si, revelam que padrões parentais baseados em níveis equilibrados de suporte e exigência poderão ser protectores em relação à manifestação de ansiedade na infância e adolescência, ao

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contrário daqueles em que os níveis de suporte são mais reduzidos. Por sua vez, a dimensão de exigência é caracterizada por diversas formas de controlo, não descrevendo formas mais específicas como a superprotecção, amplamente associada à ansiedade infantil, o que pode ajudar a explicar a inconsistência entre alguns resultados.

De forma mais ou menos semelhante a Baumrind, alguns autores derivaram tipologias a partir da combinação de dimensões contínuas (e.g., Heatherington & Martin, 1986). Parker e colaboradores (1979), por exemplo, desenvolveram uma medida de avaliação com duas dimensões (“responsiveness/care” e “overprotection”), a partir das quais derivaram padrões parentais. Os autores enfatizaram que a interacção e combinação de superprotecção elevada e reduzido suporte (“affectionless

control”) constituem o padrão parental de comportamento que melhor prediz os

problemas de ansiedade3 (Parker, 1981, 1990; Parker et al., 1979; Silove, Parker, Hadzi- Pavlovic, Manicavasagar, & Blaszcynski, 1991). O autor considera que a falta de suporte por si só não constitui um factor de manutenção da ansiedade a não ser que esteja interligado com outros factores de relevo, como é o caso da superprotecção. No entanto, nem sempre os estudos que recorreram à tipologia de Parker mostraram resultados consistentes (e.g., Silove et al., 1991), o que tem sido atribuído ao facto de não existirem pontos de corte precisos para delimitar níveis elevados de superprotecção e responsividade. Bögels e Brechman-Toussaint (2006) sublinham também que nem sempre estas dimensões se relacionam de forma linear com a

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Para além deste padrão, os autores encontraram mais quatro: a) “optimal parenting” (elevada responsivilidade/reduzida superprotecção; b) “affectionate constraint” (responsividade e superprotecção elevadas); c) “neglectful parenting” (responsividade e superprotecção reduzidos); e d) “average” (níveis médios de responsividade e de superprotecção).

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ansiedade, propondo que poderá existir uma relação curvilínea entre a ansiedade infantil e o excesso ou falta de controlo e/ou excesso ou falta de suporte emocional.

A investigação dedicada às tipologias parentais tem utilizado como medidas de

avaliação questionários de auto-relato respondidos pelos pais (e.g. Solantaus,

Leinonen, & Punamaki, 2004) e pelas crianças e adolescentes (e.g., Wen & Hui, 2012; Steinberg, Mounts, Lamborn, & Dornbusch, 1991; Steinberg, 2001), mas também a observação directa de práticas parentais a partir das interacções com a criança (Baumrind, 1971, 1978).

Por último, importa realçar que a abordagem tipológica apresenta igualmente algumas desvantagens ou limitações. Em primeiro lugar, quando na construção de tipologias não existirem pontos de corte para avaliar com exactidão se uma determinada dimensão (e.g., controlo) apresenta níveis elevados, moderados ou reduzidos dentro da tipologia correspondente, os resultados são influenciados pela interpretação do investigador (Chan & Koo, 2011; Wen & Hui 2012). Em segundo lugar, a abordagem tipológica frequentemente ignora as características da criança e dos contextos em mudança que podem influenciar a eficácia de um determinado comportamento parental num momento concreto, correndo o risco de se afastar dos modelos transaccionais, ecológicos e sistémicos (Grusec & Ungerer, 2003; Parke, 2002; Rodrigo & Palacios, 1998). Em terceiro lugar, esta análise ignora a variabilidade dimensional subjacente a cada tipologia (Barber & Xia, 2013). Por fim, esta perspectiva multidimensional caracteriza padrões globais, não possibilitando diferenciar quais as cognições e os comportamentos parentais específicos que contribuem para o desenvolvimento da criança. Por estes motivos, vários investigadores (e.g., Wen & Hui,

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2012; Leung & Lee, 2012) têm recomendado que as abordagens tipológica e dimensional possam ser utilizadas de modo complementar, uma vez que ambas apresentam características que, mais do que opostas, parecem ser compatíveis na procura de aspectos-chave para a caracterização da parentalidade e dos seus efeitos no bem-estar e ajustamento da criança.

Comportamentos específicos