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Paris, 4 de julho de

No documento COMO EU ENTENDO OBRAS PÓSTUMAS (páginas 185-188)

(Médium: Sr. D...)

Meus trabalhos pessoais. Conselhos diversos

Vão em bom andamento os teus trabalhos particulares; prossegue na reimpres- são da tua última obra; fase a tua tábua geral para o fim do ano; é coisa de utilidade e, quanto ao mais, descansa em nós.

Está apenas em começo a impulsão que A Gênese produziu e muitos elementos, abalados por ela, se colocarão, dentro em pouco, sob a tua bandeira. Outras obras sé- rias também aparecerão, para acabar de esclarecer o juízo humano sobre a nova dou- trina.

Aprovo igualmente a publicação das cartas de Lavater. É uma coisa pequenina, mas destinada a produzir grandes efeitos. Em suma, o ano será fecundo para todos os amigos do progresso racional e liberal.

Também estou de inteiro acordo em que publiques o resumo que pretendes fazer sob a forma de catecismo ou manual, mas acho que o deves esmiuçar cuidadosa- mente. Quando estiveres para dá-lo à publicidade, não esqueças de me consultar so- bre o título; terei talvez uma boa indicação a te oferecer e cujos termos dependerão dos acontecimentos já verificados.

Ao te aconselharmos ultimamente que não levasses muito tempo para remodelar A Gênese, dissemos que terias de fazer-lhe acréscimos em diversos pontos, a fim de preencheres algumas lacunas e de condensares, aqui e ali, a matéria, a fim de não tor- nares mais extenso o volume.

Não foram perdidas as nossas observações e muito nos alegrará o colaborarmos na remodelação dessa obra, como nos alegrou o termos contribuído para a sua execu- ção.

Recomendo-te hoje que revejas com atenção, sobretudo os primeiros capítulos, cujas ideias são todas excelentes, que nada contêm que não seja verdadeiro, mas al- gumas de cujas expressões poderiam prestar-se a interpretações errôneas. Salvo es- sas retificações, que te aconselho a não deixares de lado, porque os antagonistas se lançam às palavras, quando não podem atacar as ideias, nada mais preciso indicar-te sobre o assunto. Aconselho, entretanto, que não percas tempo; é preferível que os vo- lumes esperem pelo público, do que este por eles. Nada deprecia mais uma obra do que a interrupção da sua venda. Impacientado por não poder satisfazer aos pedidos que recebe, o editor, a quem assim escapam ocasiões de vender o livro, se desinteres- sa das obras do autor imprevidente. O público se cansa de esperar e a má impressão que daí resulta custa a apagar-se.

Por outro lado, não é errado que gozes de uma certa liberdade de Espírito para acudir às eventualidades que possam surgir ao teu derredor e para dispensares teus cuidados a estudos particulares que, segundo os acontecimentos, podem ser suscita- dos atualmente ou relegados para tempos mais propícios.

Tem-te, pois, pronto para tudo; desembaraça-te de todos os óbices, quer para te consagrares a um trabalho especial, se a tranquilidade geral o permite, quer para esta- res preparado a qualquer acontecimento, se complicações imprevistas vierem tornar necessária, de tua parte, uma determinação súbita, O ano próximo começará em bre- ve; é preciso, pois, que, pelos fins deste, dês a última demão à primeira parte da obra espírita, a fim de teres livre o campo para a conclusão da tarefa que concerne ao futu- ro.

CAPÍTULO 83

Fora da caridade não há elevação

Estes princípios, para mim, não existem apenas em teoria, pois que os ponho em prática; faço tanto certo quanto o permite a minha posição; presto serviços quando posso; os pobres nunca foram repelidos de minha porta, ou tratados com dureza; foram recebidos sempre, a qualquer hora, com a mesma benevolência; jamais me queixei dos passos que hei dado para fazer um benefício; pais de família têm saído da prisão, gra- ças aos meus esforços. Certamente, não me cabe inventariar o certo que já pude fazer; mas, do momento em que parecem esquecer tudo, é-me lícito, creio, trazer à lembran- ça que a minha consciência me diz que nunca fiz errado a ninguém, que hei praticado todo o certo que esteve ao meu alcance, e isto, repito-o, sem me preocupar com a opi- nião de quem quer que seja.

A esse respeito trago tranquila a consciência; e a ingratidão com que me hajam pago em mais de uma ocasião não constituirá motivo para que eu deixe de praticá-lo. A ingratidão é uma das imperfeições da Humanidade e, como nenhum de nós está isento de censuras, é preciso desculpar os outros, para que nos desculpem a nós, de sorte a podermos dizer como Jesus-Cristo: «atire a primeira pedra aquele que estiver sem er- ro». Continuarei, pois, a fazer todo o certo que me seja possível, mesmo aos meus ad- versários, porquanto o ódio não me cega. Sempre lhes estenderei as mãos, para tirá- los de um precipício, se se oferecer oportunidade.

Eis como entendo a caridade cristã. Compreendo uma religião que nos prescreve retribuamos o errado com o certo e, com mais forte razão, que retribuamos o certo com o certo. Nunca, entretanto, compreenderia a que nos prescrevesse que paguemos o er- rado com o errado.

(Pensamentos íntimos de Allan Kardec, num documento achado entre os seus papéis.)

CAPÍTULO 84 PROJETO — 1868

Um dos maiores obstáculos capazes de retardar a propagação da Doutrina seria a falta de unidade. O único meio de evitá-la, senão quanto ao presente, pelo menos quanto ao futuro, é formulá-la em todas as suas partes e até nos mais mínimos deta- lhes, com tanta precisão e clareza, que impossível se torne qualquer interpretação di- vergente.

Se a doutrina do Cristo deu lugar a tantas controvérsias, se ainda agora tão mal compreendida se acha e tão diversamente praticada, é isso devido a que o Cristo se limitou a um ensinamento oral e a que seus próprios apóstolos apenas transmitiram princípios gerais, que cada um interpretou de acordo com suas ideias ou interesses. Se ele houvesse formulado a organização da Igreja cristã com a precisão de uma lei ou de um regulamento, é incontestável que houvera evitado a maior parte dos cismas e das querelas religiosas, assim como a exploração que foi feita da religião, em proveito das ambições pessoais. Resultou que, se o Cristianismo constituiu, para alguns humanos esclarecidos, uma causa de séria reforma moral, não foi e ainda não é para muitos se- não objeto de uma crença cega e fanática, resultado que, em grande número de criatu- ras, gerou a dúvida e a incredulidade absoluta.

Somente o Espiritismo, bem entendido e bem compreendido, pode remediar esse estado de coisas e tornar-se, conforme disseram os Espíritos, a grande alavanca da transformação da Humanidade. A experiência deve esclarecer-nos sobre o caminho a seguir. Mostrando-nos os inconvenientes do passado, ela nos diz claramente que o ú- nico meio de serem evitados no futuro consiste em assentar o Espiritismo sobre as ba- ses sólidas de uma doutrina positiva que nada deixe ao arbítrio das interpretações. As dissidências que possam surgir se fundirão por si mesmas na unidade principal que se estabeleceria sobre as bases mais racionais, desde que essas bases sejam claras e não vagamente definidas. Também ressalta destas considerações que essa marcha, dirigida com prudência, representa o mais poderoso meio de luta contra os antagonis- tas da Doutrina Espírita. Todos os sofismas quebrar-se-ão de encontro a princípios aos quais a sã razão nada acharia para opor.

Dois elementos hão de concorrer para o progresso do Espiritismo: o estabeleci- mento teórico da Doutrina e os meios de a popularizar. O desenvolvimento cada dia maior, que ela toma, multiplica as nossas relações, que somente tendem a ampliar-se, pelo impulso que lhe darão a nova edição de O Livro dos Espíritos e a publicidade que se fará a esse propósito.

Para utilizarmos de maneira proveitosa essas relações, se, depois de constituída a teoria, eu tivesse de concorrer para sua instalação, necessário seria que, além da publicação de minhas obras, dispusesse de meios para exercer uma ação mais direta. Ora, creio fora conveniente que aquele que fundou a teoria pudesse ao mesmo tempo impulsioná-la, porque então haveria mais unidade. Sob esse aspecto, a Sociedade tem necessariamente que exercer grande influência, conforme o disseram os próprios Espí- ritos; sua ação, porém, não será, em realidade, eficiente, senão quando ela servir de centro e de ponto de ligação donde parta um ensinamento preponderante sobre a opi- nião pública. Para isso, faz-se mister uma organização mais forte e elementos que ela não possui. No século em que estamos e tendo-se em vista o estado dos nossos cos- tumes, os recursos financeiros são o grande motor de todas as coisas, quando empre- gados com discernimento. Na hipótese de que esses recursos, de um modo ou doutro, me viessem às mãos, eis o plano que eu seguiria e cuja execução seria proporcional à importância dos meios e subordinada aos conselhos dos Espíritos.

CAPÍTULO 85

No documento COMO EU ENTENDO OBRAS PÓSTUMAS (páginas 185-188)