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A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA REALIDADE: O CASO DO ASSENTAMENTO FRUTA D ANTA/MG

FOTO 12 Parte da família do “Seu” Argemiro Lote

“ Seu” Manoelzinho, um ex-garimpeiro, tem sido, de fato, um pequeno empreendedor, dentro do modelo de desenvolvimento rural moderno. Porém, atualmente, a natureza está começando a cobrar sua parte. Infelizmente, o proprietário não vem conseguindo produzir como no início da ocupação do lote. Os cupins e as formigas estão tomando conta de grande parte do lote, além de começarem a devastar os lotes vizinhos. Tudo o que é plantado vem sendo devorado pelas pragas, já que estas não têm mais seus predadores naturais. Logo, atacam todas as culturas que sejam introduzidas na terra. A Foto 13 mostra a parte aflorante de um dos inúmeros formigueiros que ocorrem nesse lote.

Foto 13 - Formigueiro no lote 129

Depois de tentar vários tratamentos químicos para matar os formigueiros, entre eles, os venenos mais pesados, como o Aldrim (composto organo-fosforado), de venda proibida no Brasil (por atacar o sistema nervoso central e levar cerca de 50 anos para ser degradado naturalmente), o proprietário busca, agora, uma solução alternativa. Percebe-se claramente, conversando com o Seu Manoelzinho, que os motivos que o levaram a promover tais mudanças em seu lote são estritamente econômicos, não havendo uma motivação de caráter ambiental, até porque, ao contrário do “Seu” Argemiro, do lote 211, não existe uma preparação daquele assentado com respeito ao assunto. Ele pensa e age como um velho garimpeiro. Seu lote foi um dos escolhidos para realização do experimento, por dois motivos: primeiramente, para se verificar a eficiência da técnica de Rochagem em solos extremamente degradados. Em segundo lugar, para se tentar entender o perfil sociocultural e econômico de um agricultor que representa, mesmo que em pequena escala, o produtor moderno adepto do modelo convencional, que percebeu a insustentabilidade, ainda que econômica, dessa forma de produção. Apesar da visão pouco preservacionista desse agricultor, os resultados obtidos

no experimento de Rochagem foram excelentes. Após um primeiro momento, o milho (cultura testada), ainda na fase de germinação, foi atacado por lagartas que destruíram em parte o experimento. Foi necessário fazer um replantio nas áreas mais afetadas. O “Seu” Manoelzinho observou que, na área onde havia sido introduzida a técnica de Rochagem, o ataque das pragas foi menor.

Durante o tempo de realização do experimento, que permitiu uma convivência mais próxima com a família desse agricultor, foi possível constatar uma grande disposição, por parte deles, em experimentar novas tecnologias que os viabilizem como agricultores com possibilidades de serem inseridos no mercado. A família já tentou, com sucesso razoável, vários empreendimentos, como, por exemplo, fábrica de biscoitos e de farinha, entre outras atividades. Muito provavelmente por todas essas características, o lote do “Seu” Manoelzinho foi um dos mais estimulantes em termos de trabalho.

É provável que os resultados obtidos com o experimento da Rochagem tenham mostrado a agricultores como o “Seu” Manoelzinho que existem outras formas de explorar os recursos, sem, no entanto, esgotá-los. E, apesar deste resultado não estar previsto nos objetivos desta tese, vale a pena chamar a atenção sobre esse fato, pois o mesmo pode ter alguns desdobramentos que estimularão a germinação de uma nova forma de interação entre os homens e a terra, apesar da luta constante pela sobrevivência.

Esses exemplos reforçam a constatação de vários autores, entre os quais, Campanhola (1995), Leonardos, et. al. (2000), Shiki (1995), e Moreira (1998), que salientam que, mesmo em pequena escala, parcelas da humanidade encontram-se diante de dois paradigmas: o paradigma atual, dominante, e um outro, mais ecológico. O primeiro baseia-se no dom ínio sobre a Natureza e, o segundo, na harmonia com esta. Os conflitos e a busca de soluções produtivas no campo da ética, do mercado e da justiça social têm-se constituído como ingredientes fundamentais rumo a um novo padrão de produção, menos demandador dos recursos naturais. No entanto, não se deve esquecer que tão importante quanto a questão da preservação ambiental é a necessidade que os homens têm de retirar da terra o alimento que lhes garanta a sobrevivência, traduzida pela desejada sustentabilidade, em todas as suas dimensões. Como lembra Campanhola, op. cit., não se pode adotar a estratégia de deixar o meio ambiente intocável, em nome da preservação absoluta. Os recursos naturais devem gerar produção com estabilidade, associada à capacidade de suporte e à eqüidade dos benefícios e dos custos envolvidos.

Existe um grande número de pesquisadores, técnicos e gestores que afirmam que o atual modelo agrícola encontra-se em decadência, conforme mostrado no Capítulo 02. Entre as muitas razões mencionadas, a principal é o descompasso entre a produção em larga escala e o descuido com o solo, sendo este, em última instância, o recurso primordial da produção.

Os pequenos produtores assentados em Fruta D'Anta não fogem a ess» regra geral. Os resultados da pesquisa de campo, verificados pelas respostas ao questionário, revelaram que 100% dos proprietários que tiveram acesso a financiamentos para custeio agrícola foram induzidos ao uso de sementes selecionadas e fertilizantes químicos (NPK), além de defensivos e herbicidas. Com isso, muitas áreas já estão sendo abandonadas, uma vez que o custo para sua recuperação é incompatível com as possibilidades financeiras destes produtores. Os resultados apresentados a seguir foram obtidos por meio de um grupo de perguntas inseridas no questionário, as quais tinham por objetivo traçar um perfil padrão dos assentados no que diz respeito ao conhecimento de técnicas de fertilização.

Dos 165 entrevistados, 100% responderam que a dosagem do fertilizante empregado é feita a partir da receita da EMATER, que também recomenda a calagem para corrigir o pH do solo que é extremamente baixo, em torno de 3 e 4 (Tabela 18, cap. 05). O teor de NPK é reconhecido somente quando se fala na formulação, por exemplo, 4/14/8 ou 4/30/16. Cerca de 90% dos entrevistados que usam regularmente essa forma de fertilização mencionaram que, após duas ou três safras, a dosagem desse fertilizante necessita ser modificada para que a produção se mantenha constante. Menos de 20% deles sabem com certeza qual o custo que o preparo da terra (incluindo, fertilização, correção, sementes e máquina) representa no custo total da lavoura. Outras técnicas de fertilização usadas são a fosfatagem e adubação orgânica. Somente cinco agricultores (todos engajados em movimentos de assistência e apoio de organizações não-governamentais) se referiram à adubação verde. Quando perguntados se eles observaram alterações no solo, após algumas safras, devido ao uso de fertilizantes convencionais, 48,5% responderam que sim, 25,8% responderam que não, 19% não observaram mudanças e 6,7 não responderam (Figura 09). Tal resultado mostra que a percepção ambiental dos agricultores é boa mas, na maioria dos casos, está associada à questão de produtividade, muito mais do que aos impactos causados ao solo devido ao uso repetido de fertilizantes químicos. Um dado que vem reforçar esta tendência aparece nas

n

respostas dadas à pergunta quanto ao interesse em experimentar um novo tipo de fertilizante

alternativo mais barato e menos danoso em termos ambientais (Figura 10). Cerca de 38% responderam não terem disposição para experimentar novas alternativas, ao passo que 60% responderam que sim, mas 70% desses, mencionaram como fator determinante para a escolha a redução do custo de produção.

erro Legenda 1 - Sim 2 -N ão 3 - Não observou 4 - Não sabe

Figura 09 - Percepção dos agricultores sobre os prejuízos causados ao solo devido ao uso

sistemático de adubação química.

Legenda

1 - Não mudariam a forma de fertilização 2 - Desejam experimentar técnicas alternativas 3 - Não sabe

1 2 3

Figura 10 - Histograma mostrando o resultado das perguntas sobre a disposição dos

agricultores para mudar a forma de fertilização dos solos de seus lotes.

Os principais tipos de culturas citadas como usuais pelos entrevistados são, em ordem decrescente de importância: cana-de-açúcar, mandioca, milho, arroz, sorgo, feijão, e frutas. Somente cerca de 30% vendem o excedente da sua produção anual. Os produtos derivados da atividade agrícola, comercializados com valor agregado mínimo e que encontram um mercado ainda restrito e local, são: rapadura, biscoitos, polvilho e farinha.

A partir dos resultados da pesquisa, foi possível confirmar que, de fato, os pequenos produtores que se organizam e pressionam pela implantação de novos assentamentos por meio do Programa de Reforma Agrária possuem uma dinâmica de conscientização e de conhecimento de tecnologias bem diferenciada daqueles pequenos produtores não organizados em associações ou sindicatos. Para aqueles agricultores, o acesso à informação é bem maior, em função principalmente, do apoio e suporte fornecido pelos grupos e organizações não-governamentais. Este fato pode facilitar a penetração e assimilação de novas técnicas de produção, o que eqüivale dizer que os agricultores assentados pelo Programa de Reforma Agrária possuem uma leve vantagem, quando considerado o universo da agricultura familiar. Neste aspecto, a vivência político-organizacional os torna mais abertos a novas estratégias de produção e conservação dos recursos naturais. Pode-se admitir, portanto, que o acesso à informação por parte dos agricultores assentados seja um dos fatores responsáveis pela atual forma de produção, sabidamente demandadora de recursos naturais. Entretanto, essa mesma facilidade de acesso e assimilação da informação pode, por outro lado, configurar-se como ferramenta responsável pela transformação nos modos de produção, em direção a um a agricultura sustentável, do ponto de vista ecológico.

Apesar disso, considera-se ainda distante uma mudança para padrões de manejo agrícola mais sustentáveis em meio aos pequenos produtores, conforme evidenciado ao longo da tese. Pode-se, portanto, a partir dos dados obtidos na pesquisa, reiterar a constatação de que, no que se refere à produção agrícola, a cultura dominante encontra-se diretamente atrelada ao uso de práticas e métodos defendidos nos moldes da Revolução Verde. Muito provavelmente, esse é um dos motivos pelos quais os pequenos produtores agrícolas tendem a reproduzir, em menor escala, o modelo produtivista dos grandes latifúndios. É bem verdade que quase não existem outras opções para essa classe de trabalhadores que, via de regra, necessita de financiamentos oficiais onde está implícito o uso do pacote tecnológico (gerador de problemas, por vezes, incontornáveis).

O grande desafio atual consiste, portanto, na avaliação de quais fatores poderão dar origem a uma reorganização da base tecnológica da produção, com o objetivo de se formular um novo padrão para a agricultura, capaz de se manter ao longo do tempo, considerados os aspectos de produtividade, conservação do meio ambiente e, também, as questões sociais. A partir dos resultados da pesquisa, foi possível inferir um perfil aproximado dos agricultores assentados em Fruta D'Anta. Os chefes de família, de modo geral, são pessoas com baixa

escolaridade, que reproduzem o modelo agrícola convencional, em função de três fatores principais, quais sejam:

• Os financiamentos oficiais, quando alcançados pelos trâmites normais (rede bancária oficial com o aval da EMATER), exigem a compra do pacote tecnológico, o qual condiciona o uso de sementes melhoradas, fertilizantes e defensivos tradicionais como forma de garantir a produção e, portanto, o resgate da dívida;

Desconhecimento de outras formas de fertilização ou uso inadequado 'de insumos químicos, que pode levar, no médio prazo, à inviabilização de muitas áreas atualmente cultivadas;

Idealização do produtor rural como modelo de sucesso econômico e social a ser alcançado. A visão de interação harmoniosa com a terra passa por um caminho paralelo que, salvo algumas exceções, não os levaria a alcançar o padrão idealizado.

Por outro lado, até por influência do experimento com Rochagem, muitos dos pequenos produtores de Fruta D ’Anta vêm buscando construir um novo modelo de vida que permita um a m aior compreensão dos recursos naturais de que dispõem. Em suma, a organização dos produtores, a disponibilização de tecnologias não convencionais e acessíveis à valorização de potencialidades locais e o estímulo a práticas de produção alternativas podem se converter em novas perspectivas às populações que vivem no campo e estão excluídas do mercado formal.

Entre as principais constatações decorrentes da pesquisa, ficou claro que, para se mudar o atual panorama de desigualdades no meio rural, muitas medidas são necessárias, desde o uso de tecnologias apropriadas até a implementação de programas que priorizem a habitação, educação, saúde e distribuição de terra, além de uma forma de previdência social ativa. Encontrar e repassar alternativas acessíveis pode-se configurar como o início de uma mudança na relação de cidadania, justiça social e qualidade de vida dessa população, que vem lutando para conquistar o direito à terra e à vida. A convivência com as famílias de assentados foi positiva em vários aspectos, pois permitiu a compreensão de que as pessoas que enfrentam as mais diferentes adversidades - especialmente, os excluídos da sociedade contemporânea - encontram força e criatividade para tomarem iniciativas que viabilizam a realização de idéias e sonhos, alcançados com muito trabalho, dedicação e união em torno de uma utopia que lhes permita uma vida melhor.

Foto: Iara Brasileiro

?R*Pr

F O T O 14 - A gricultores que participaram dos experim entos de Rochagem no Assentam ento Fruta D ’Anta (da esquerda para direita D ercílio, Clem ente, N ascim en to, Zé Maria, M anoel, A rgem iro, Suzi, Geraldo, Z eca Pacheco, Juarez, C elso, Chiquinho, Luiz, Tião Meira e Pedro)

terra-m ãe ben dita m ão que sem eia a terra

acalenta e esverdeia o chão da ald eia de pedra, p ó e areia terra-m ãe vem abençoar tudo, tudo que se plan tar p e la mão de João, de Zé, de M aria

todo dia é dia de Terra suor e sem eio lua cheia, dança do jon go, catira louvação a m ãe rainha p e lo chão que flo rec erá p e la mão de João, de Zé, de M aria