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A Cooperação Sul-Sul pressupõe a parceria entre iguais para a promoção de interesses mútuos. Nesse sentido, o problema de déficit habitacional é comum aos dois países e estava presente na pauta de seus respectivos governos. No que se refere à igualdade em termos sócio- econômicos, se analisada sob o prisma de indicadores absolutos como o PIB, certamente encontraremos enorme disparidade entre ambos os países, inclusive porque este indicador sofre forte influência do tamanho da população que, no caso do Brasil é cerca de 6 vezes maior que a da Venezuela. Se, entretanto, compararmos as realidades utilizando indicadores ponderados tais como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o PIB per capita PPP (Por Paridade de Poder de Compra, na sigla em inglês) e o Coeficiente de GINI (desigualdade na distribuição de renda) encontraremos resultados que aproximam, mais do que afastam, ambos os países (ver Gráfico 2 a 4) e, nos dois primeiros indicadores a Venezuela apresenta dados um pouco mais favoráveis que o Brasil.

Gráfico 2: Evolução IDH Brasil- Venezuela (2000-2012)

Fonte: dados do PNUD - elaboração própria

0,650 0,700 0,750 0,800

2000 2005 2010 2011 2012

Evolução do IDH Brasil-Venezuela - (2000-2012)

Gráfico 3: PIB per capta PPP – Brasil – Venezuela (2008-2013) - Em US$

Fonte: dados do CIA World Factbook - elaboração própria

Gráfico 4: Coeficiente de GINI – Brasil – Venezuela (2000-2008)

Fonte: dados do UNICEF – elaboração própria 9500 10000 10500 11000 11500 12000 12500 13000 13500 14000 2008 2009 2010 2011 2012 2013

PIB per capita PPP - Brasil-Venezuela (2008-2013)

Brasil Venezuela

35

45

55

2000 2005 2008

Coeficiente de GINI - Brasil-Venezuela (2000-2008)

No tocante às políticas do setor de habitação, ambos os países tem um histórico que vai dos anos 1930 até os anos 2000, cabendo portanto suscitar o questionamento das razões que levaram a Venezuela a buscar a cooperação com o Brasil, uma vez que aquele país tem um background de programas habitacionais, tão antigo quanto o brasileiro, em contexto distinto, mas que por isso mesmo talvez mais adequado à realidade daquele país.

Na opinião de Corival do Carmo, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal de Sergipe, que esteve na Venezuela entre março de 2011 e fevereiro de 2012, como bolsista do IPEA no convênio entre a PDVSA e o IPEA, havia uma lacuna de conhecimento causada pela ruptura política estabelecida com ascensão de Hugo Chávez ao poder, a qual, por sua vez, teria gerado uma renovação nos quadros dos organismos do governo, tanto por substituição de iniciativa do governo, quanto por pedido de demissão daqueles que não tinham afinidade ideológica com o governo bolivariano:

[...] a polarização política estabelecida após o fracasso da tentativa de golpe em 2002 criou um problema de quadros burocráticos. A Venezuela nunca teve um quadro burocrático concursado e estável como no Brasil. Então, houve uma clara descontinuidade burocrática, várias pessoas deixaram o governo por iniciativa própria ou foram substituídas por iniciativa do governo. Exceto no caso da PDVSA, a maior parte dos quadros burocráticos com os quais tive contato eram jovens e com pouca experiência anterior em gestão de políticas públicas. Portanto, este pode ser um fator (CARMO, 2016) 56

Carmo informa ainda que os projetos habitacionais anteriormente existentes não se adequavam ao desejo do governo Chávez de atender um número maior de pessoas em um curto espaço de tempo. Podemos também acrescentar que, conforme visto no início deste capítulo, o interesse do governo da Venezuela em relação ao modelo brasileiro estava mais voltado aos sistemas e à gestão dos programas, bem como ao modus operandi da Caixa, o que é também ratificado por Carmo. Cabe resaltar que, conforme demonstrado no subcapítulo anterior, de fato, o GMVV não é uma simples cópia do PMCMV, compreendendo-se, portanto que não foi uma mera transposição de um modelo e que ambos os países realizaram um intercâmbio de experiências e de conhecimentos.

Para Maria Fernanda Ramos Coelho, os ganhos para o Brasil, à luz da expectativa de troca de experiências preconizada pela cooperação bilateral, se referem ao aprendizado dos técnicos brasileiros com o trabalho social desenvolvido na Venezuela:

No decorrer do Projeto, os técnicos da CAIXA que ficaram à disposição do Projeto conheceram a experiência venezuelana no que se refere a organização

social, com a constituição de conselhos comunais e brigadas. O Ministério do Poder Popular para as Comunas respondeu em 2011 por 47% da meta do setor público no Gran Misión Vivienda, com 1495 brigadas responsáveis pela construção de 40 mil novas moradias, em 140 territórios, além de 50 mil unidades para reforma ou ampliação. O modelo de gestão para que as brigadas e conselhos comunais executem e monitorem estas moradias inclui um processo de formação das equipes que vão trabalhar nas comunidades pela Escola de Aprendizagem – pedreiros, eletricistas, mestre de obras são capacitados em módulos técnicos e políticos, com o conhecimento das leis que regem estas relações. Foram formadas 350 mil líderes comunitários para serem facilitadores em suas comunidades, com a geração de 48 mil empregos. Foi proposto um programa de Intercambio de Experiências com o objetivo de aprofundar este conhecimento e permitir a construção de novas soluções na relação com os movimentos sociais no Brasil, bem como o marco legal que regula as transferências de recursos para os conselhos comunais. (COELHO, 2015) 57

Maria Fernanda Coelho relata ainda outros aprendizados com a prática dos venezuelanos:

Outro elemento importante foi conhecer a experiência Venezuela para atendimento aos desabrigados, que teve início depois das fortes enchentes no final de 2010 e início de 2011, que deixaram centenas de milhares de desabrigados. Realizamos apresentações na CAIXA, governo do GDF e no Ministério da Integração, apresentando a forma como o país vem tratando a questão da identificação das áreas de riscos e a população que precisa ser abrigada em face de perda da casa ou realocação por estar em área identificada como de instabilidade. O mapeamento dessas áreas e a identificação dos espaços urbanos adequados para a habitação é estruturante para o Gran

Misión Vivienda. Também a construção dos “túneis” ou “iglus” e a tecnologia

utilizada para a solução da sua construção foram aprendizados importantes da presente cooperação (COELHO, 2015) 58

No que concerne aos interesses e ganhos para o Brasil, a opinião de Carmo é de que foram mais no plano político:

Parcerias de cooperação técnica e, particularmente, a cooperação Sul-Sul não trazem ganhos de natureza objetiva e direta para o país ofertante da cooperação. Sendo assim, o principal efeito para o Brasil é reafirmar a sua posição na região, aumentar a sua influência para colocar-se como líder regional (CARMO, 2016)

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Neste aspecto a América do Sul, cada vez mais, tornou-se a prioridade, para o Brasil, desde o final dos anos 80, com o processo de redemocratização. Essa visão esteve apoiada em princípios de solidariedade, mas também de pragmatismo, conforme definido por Antonio José Ferreira Simões (2012, p. 23), diplomata brasileiro, que foi embaixador do Brasil na Venezuela de fevereiro de 2008 a janeiro de 2010: “Solidariedade não se confunde com generosidade, pois

57 Entrevista recebida por email enviado a acferreira@atarde.com.br em 20/09/2015 58 Id.

inclui elemento de reciprocidade: o país A é solidário com o país B porque sabe que, quando precisar, o país B será solidário com ele, na medida de suas possibilidades”. No bojo da solidariedade se insere a cooperação, visando objetivos comuns, e que é um dos quatro vetores que orientam as relações do Brasil com a América do Sul, juntamente com o respeito à pluralidade, a projeção do continente, como bloco político, no mundo e o crescimento sinérgico e solidário. Ao pragmatismo não escapava o interesse em explorar a região como mercado para os produtos manufaturados brasileiros, assim como um espaço natural de inserção das empresas brasileiras em processo de internacionalização (SIMÕES, 2012).

Para o ex-diplomata e professor venezuelano Demétrio Boersner (2010), no que se refere à liderança regional, a diplomacia brasileira conseguiu estabelecer um relacionamento amigável e cooperativo com o governo de Hugo Chávez, de modo que o Brasil se beneficiava das possibilidades de aproveitamento do excedente energético daquele país, bem como da ampliação da participação das construtoras brasileiras na construção de obras e do aumento do comércio bilateral com visível vantagem para o Brasil, o que seriam facetas do que Boersner (2010, p. 2) denominou de dupla-face:

Brasil levantó nuevamente la bandera del autonomismo y, por primera vez, comenzó a tratar de influir en los demás países de Suramérica para que siguiesen su ejemplo y formasen un bloque regional independiente del Norte y capaz de dialogar con él sobre bases de igualdad, “con una sola voz”. [...]

En sus pasadas dos décadas de gobierno promotor del desarrollo autónomo y solidario del mundo periférico emergente, Brasil no ha dejado, al mismo tiempo, de incrementar continuamente su riqueza y fortalecer a sus élites, sobre todo las económicas.

Dentre os diversos acordos de cooperação mantidos com o Brasil, estes voltados ao setor habitacional foram úteis para a Venezuela em razão de, poder contar com a ajuda de um país aliado, que lidava com problemas similares de déficit habitacional, e que detinha conhecimento no que se refere à gestão de sistemas e práticas de desenvolvimento urbano e habitação que poderiam ser aprendidos, adaptados e replicados. Com o Brasil e demais governos, com os quais firmou acordos, o governo da Venezuela pode se beneficiar da parceria com países que se aproximavam mais da sua ideologia do que os parceiros anteriores, como os Estados Unidos, cujas relações eram bastante conflituosas, exercitando o multilateralismo com nações amigas.