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A participação do capital privado e das empresas estatais nos investimentos realizados.

Capítulo 3. Os impactos da política de reestruturação e as limitações do modelo concorrencial.

1. Os investimentos no período 1993/

1.2. A participação do capital privado e das empresas estatais nos investimentos realizados.

Tendo como referência seu estudo sobre o perfil dos investimentos setoriais, Camargo (2001: 61, grifo nosso) traça o seguinte comentário acerca dos atores responsáveis pelos poucos investimentos verificados no período 1996/2000: “desconsiderando-se mudanças meramente patrimoniais, o volume de energia efetivamente acrescentado ao sistema foi quase que totalmente realizado por companhias que permaneceram sob controle do estado. Em hidrelétricas, os destaques ficaram por conta dos acréscimos realizados pela CHESF (1,6 mil MW), COPEL (1,2 mil MW), CESP (1,4 mil MW), CEMIG (463 MW) e FURNAS (1,4 mil MW), esta última principalmente com a construção da UHE Serra da Mesa, concluída mais tarde pela iniciativa privada (...). O contraponto ao predomínio estatal na geração hidrelétrica no período foi a LIGHT, que acrescentou 185 MW à sua capacidade própria de geração em 1998-99, assumindo investimentos em curso. Em geração termelétrica, a expansão se concentrou em poucas empresas de controle privado – GERASUL (455 MW), ENERSUL (74 MW), CEMAT (57 MW) e CELPA (50 MW) –, mas em todos os casos as obras de ampliação foram iniciadas ainda na gestão

156 “O sistema é planejado para que, em condições normais, os reservatórios estejam praticamente cheios ao

final do período de chuvas. Na Região Sudeste, cujos reservatórios são os mais importantes do país, até 1993, eles estavam com mais de 95% da capacidade preenchida, todos os anos ao final do período chuvoso”

estatal e só depois transferidas aos novos controladores privados, ainda assim com participação do estado como acionista minoritário. Somadas, estas empresas responderam por um incremento de 562 MW de geração termelétrica ao sistema interligado, mais que compensando algumas reduções apresentadas no período.”

Aos apontamentos expostos acima podemos acrescentar ainda que, segundo a análise de Camargo (2001) e Bielschowsky (1997), a expansão da capacidade instalada total entre 1996 e 2000, como no caso da geração térmica, também decorreu fundamentalmente de investimentos estatais iniciados na década anterior. Segundo os autores em questão, tais investimentos foram paralisados ainda nos anos oitenta em virtude da crise financeira setorial, sendo concluídos apenas nos anos noventa.

Dada essa importante nota, vejamos como se deu a conclusão de algumas das principais obras em questão no intuito de desvendarmos se a retomada das mesmas resultou de decisões tomadas a partir de sinais emitidos pelo mercado criado pela política de reestruturação, ou, alternativamente, de arranjos específicos entre os agentes envolvidos.

As obras das usinas hidrelétricas de Serra da Mesa157 e Itá158 puderam ser retomadas a partir do decreto 915/93 e da Lei 8987/95 que, como vimos no segundo capítulo, permitiram a formação de parcerias entre concessionárias estatais e autoprodutores e/ou produtores independentes. É relevante notar que, em ambos os casos, as obras já estavam bastante adiantadas, o que representava boa oportunidade de negócios para o setor privado. Também em ambos os casos foi estabelecido que o consórcio vencedor da licitação seria aquele que oferecesse menor participação no volume de energia a ser gerada em troca dos investimentos para a finalização das usinas. Além disso, também como parte da estratégia lançada para a atração de capitais privados, parte substancial das obras restantes teria financiamento garantido pelo BNDES.159

Outra semelhança entre os empreendimentos acima citados diz respeito aos grupos vencedores das licitações. Em ambas as obras destacou-se a participação de grandes consumidores interessados em elevar o montante de sua autoprodução. No caso de Serra da Mesa, o grupo vencedor foi formado pelo grupo Votorantim e pelo Bradesco. No caso de

157 Usina projetada para uma capacidade nominal de 1.275 MW e 750 MW de energia garantida. 158 Projetada para uma capacidade nominal de 1.450 MW e 668 MW de energia garantida. 159 No caso de Serra da Mesa, 80% do valor da obra foi financiado pelo BNDES.

Itá, formavam o consórcio vencedor duas empresas petroquímicas do grupo Oderbrecht, a CSN e a empresa de cimento Itambé.

Em síntese, tais empreendimentos possuíam fortes atrativos para o setor privado. Em primeiro lugar, a gestão das usinas ficaria sob responsabilidade das concessionárias estatais, que, diferentemente dos grupos privados, tinham vasta experiência nesse campo. Em segundo lugar, havia a garantia de compra pelas concessionárias da parcela de energia que caberia aos investidores privados. Em terceiro lugar, e não menos importante, o BNDES garantia parte substantiva do financiamento das obras restantes.

Vários outros exemplos160 poderiam ser listados em se tratando de soluções extraordinárias.161 No entanto, dados os objetivos deste trabalho, o fundamental a se destacar em relação às principais obras dos anos noventa é que:

i- em sua grande maioria representavam antigos projetos de investimento de empresas estatais que foram interrompidos na crise dos anos oitenta e retomados, a partir de 1993, através parcerias envolvendo concessionárias estatais e investidores privados;

ii- entre os participantes mais comuns nos consórcios privados destacam-se grandes consumidores de energia elétrica e diversas concessionárias de distribuição interessadas em elevar sua parcela de geração própria na energia total comercializada;

160 Um dos exemplos mais intrigantes de parcerias foi o caso da UHE Salto Caxias, que é a principal exceção

dos grandes empreendimentos hidrelétricos dos anos noventa exatamente por ter sido iniciado em 1994 e não nos anos oitenta. O que chama a atenção no caso de Salto Caxias é o fato de que a COPEL tenha inicialmente aceitado o estabelecimento de uma parceria com o setor privado para a conclusão da obra mesmo não precisando de tais recursos. Segundo Camargo (2001: 69), “(u)ma vez que não estava nos planos do governo

paranaense a privatização da companhia, interessava ao BNDES (possível financiador e responsável pelo programa de privatização) que a COPEL ao menos firmasse parcerias com a iniciativa privada para realização deste empreendimento, e com isso abrisse espaço para outros investimentos necessários à expansão de seu sistema. Assim, firmou-se um ‘empréstimo-ponte’ de US$ 150 milhões por 18 meses, ao final dos quais a COPEL deveria repassar ao setor privado parcela do negócio, em troca de um financiamento de longo prazo para tocar sua parcela no empreendimento. Entretanto, a boa saúde financeira da empresa e a elevada rentabilidade garantida na comercialização de energia da UHE de Salto Caxias fez com que a COPEL decidisse manter-se sozinha no negócio, partindo para novas fontes de financiamento via ELETROBRÁS e BID.”

161 Soluções extraordinárias, segundo nossa compreensão, são soluções que não emergem de sinais emitidos

pelo mercado criado pela política de reestruturação ou soluções viabilizadas por agentes estatais. Exemplos nesse sentido seriam a UHE Dona Francisca (125 MW) e a UHE Machadinho (1.140 MW), obras inconclusas em 2000. Nesses casos, as garantias de compra de energia ficariam a cargo da COPEL e o aval dos

iii- em muitos casos de parceria entre investidores privados e empresas estatais, a maior parte dos riscos de investimento, garantia de financiamentos e operação ficava a cargo das últimas, que apareciam apenas formalmente como sócias minoritárias para escapar das restrições de financiamento impostas pelo Governo Federal;162

iv- do acréscimo de capacidade então previsto para o ano 2000, mais de dois terços ainda resultavam de obras paralisadas que foram retomadas sem nenhuma participação de capitais privados.163

Em suma, os dados e análises expostos acima indicam que a recuperação dos investimentos na segunda metade dos anos noventa se deveu fundamentalmente às soluções que, “por mais engenhosas que tenham sido, foram típicas de uma fase de transição, e estiveram longe de corresponder a uma solução geral de ‘mercado’ para obras novas. Corresponderam a modelos de parceria para finalização de obras em andamento e tiveram, nos dois casos mais críticos – Serra da Mesa e Itá – forte amparo do BNDES, como parte do estímulo à atração do capital privado” (Bielschowsky: 1997: 27). Sublinhe- se, portanto, que não estiveram na origem dessa modesta recuperação dos investimentos hipotéticas decisões privadas tomadas a partir das sinalizações do mercado criado pela reestruturação.

Mas o que dizer dos investimentos então programados e não concluídos até 2001? Se nosso objetivo é avaliar os efeitos da política de reestruturação sobre os investimentos setoriais, importa analisar a ampliação da capacidade produtiva programada para o período subseqüente uma vez que esta resultaria de decisões de investimento tomadas já em meio à vigência do marco regulatório criado nos anos noventa.

Uma pergunta é muito relevante nesse sentido: observava-se nesses investimentos programados a participação expressiva de produtores independentes? Ou seja, vislumbrava- se a participação significativa da categoria de agente concebida durante a reestruturação para produzir energia para venda no mercado? Vejamos o que Bielschowsky (2002: 89 a 91) acrescenta a esse respeito.

162 Discutiremos mais à frente as restrições ao financiamento das empresas estatais. Na seção 4, veremos

outros dados e apontamentos acerca das parcerias assinaladas.

Segundo o autor, o governo projetava, em 2002, um expressivo crescimento da oferta de energia elétrica (30,4%) entre 2001 e 2004 (tabela 2). Mesmo impossibilitado de investigar as chances de realização de tal meta, Bielschowsky admitia, por hipótese, que a expansão da capacidade instalada nesses anos atingiria os níveis esperados. Trata-se, a nosso juízo, de uma estratégia do autor para avaliar se, mesmo num cenário otimista164, seria elevada a participação de produtores independentes nos investimentos projetados. Vejamos os resultados.

Tabela 2. Ampliação prevista pelo governo na potência instalada de energia elétrica por tipo de geração

Potência Instalada em 2001 (GW) (%) Previsão 2004 (GW) (%) Usina hidrelétrica 61,6 77,5% 69,5 67% Usina termelétrica 6,9 8,7% 17,0 16,4% Usina nuclear 2,0 2,5% 2,0 1,9% Fontes alternativas (eólica, PCH, biomassa) 2,3 2,9% 5,6 5,4% Subtotal 72,8 92% 94,1 91% Importações de Itaipu 5,5 7% 6,2 6% Demais importações 1,2 1% 3,4 3% Total 79,5 100% 103,7 100%

Fonte: MME, Câmara de Gestão do Setor Elétrico, Programa Estratégico de Aumento de Oferta, jun. de 2002. Cf. Bielschowsky (2002: 90).

Quanto à propensão a investir em geração hidrelétrica, Bielschowsky (02: 90 e 91) relata que, em uma expansão prevista de cerca de 10 GW entre 2001 e 2004, aproximadamente 38% desse total se referia a investimentos sob comando de empresas estatais. A quase totalidade do restante correspondia a investimentos a serem realizados por consórcios compostos por grandes consumidores (empresas petroquímicas, de alumínio, siderúrgicas, etc) e/ou por concessionárias de distribuição privadas interessadas em elevar sua parcela de autoprodução até o limite de 30% estabelecido pela legislação.

Ou seja, o levantamento feito pelo autor indica que, mesmo numa hipótese otimista quanto à realização e finalização das obras no prazo previsto, seria praticamente nula a participação de produtores independentes, vale dizer, daquela categoria de agentes que, na visão dos reformadores, deveria ser uma das principais responsáveis pela expansão após a inauguração do modelo concorrencial. Fica evidenciada, portanto, a frustração das

164 Otimista porque procedente de uma fonte (o Governo Federal) naturalmente interessada em evidenciar

expectativas dos idealizadores da reforma mesmo sob a hipótese otimista dos investimentos estimados se realizarem plenamente e no tempo esperado.

No que diz respeito à expansão prevista das termelétricas a gás, a conclusão não é diferente. Num investimento estimado em cerca de 10 GW, destacava-se a participação da PETROBRÁS como ator principal, seja pela venda de gás e simultânea compra de energia produzida, seja pela ampla participação acionária nos consórcios e parcerias formadas.

Em suma, a partir dos dados analisados podemos concluir que a reestruturação não obteve sucesso em se tratando de alguns de seus principais objetivos. Em primeiro lugar, os investimentos iniciados e/ou concluídos a partir de 1993 se mostraram absolutamente insuficientes diante da expansão do consumo, sendo o racionamento de 2001 a prova mais contundente desse fato.

Em segundo lugar, a tão esperada expansão dos investimentos privados, embora tenha ocorrido, foi muito modesta diante das necessidades de expansão do sistema e, no caso das obras mais relevantes (retomada de obras paralisadas), notou-se que estas só puderam ser viabilizadas através de parcerias com empresas estatais. Aliás, não custa resgatar que em muitas dessas parcerias o financiamento, as principais garantias e os principais riscos ficaram a cargo dos agentes estatais. Isto significa que as soluções encontradas para viabilizar tais obras não foram soluções de mercado, mas soluções extraordinárias.

Em terceiro lugar, e ainda quanto aos investimentos privados, tanto os realizados como os esperados, era insignificante a presença de produtores independentes de energia, vale dizer, daqueles atores sobre os quais recaíam grandes esperanças em se tratando da expansão da capacidade produtiva setorial e da venda de energia num ambiente de mercado. Como se viu, a quase totalidade dos investimentos privados concluídos ou esperados correspondia a empreendimentos lançados por grandes consumidores e/ou distribuidoras de energia interessadas em ampliar a parcela de geração própria, ou seja, interessados em reduzir seu grau de exposição aos riscos inerentes ao novo mercado.165

Identificadas algumas das principais características dos investimentos setoriais, passemos à análise dos determinantes dos investimentos públicos e privados.

2. A política de reestruturação e a política econômica como determinantes do