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O BID20 define a participação como “um processo através do qual as partes interessadas influenciam e dividem o controle sobre as iniciativas de desenvolvimento e sobre as decisões e recursos que os afetam” (SOARES, 1998, p. 22-23). A participação não é restringida a modalidades específicas do projeto. Ao contrário, segundo a instituição, os métodos participativos podem ser usados em todos os tipos de projeto e em todas as fases do seu ciclo.

Como partes interessadas o banco entende que:

[...] abrange não apenas as populações diretamente atingidas, como o conjunto de atores sociais que direta ou indiretamente tenham relação com o projeto ou com as políticas propostas, incluindo governo e agências implementadoras, organizações da sociedade civil, acadêmicos, populações locais e os próprios bancos. (SOARES, 1998, p. 22-23).

Frente às diferenças entre os atores envolvidos, o BID reconhece a necessidade de se criar mecanismos que possibilitem a interação entre eles em bases eqüitativas. Assim, estabelece “como precondição para a participação a divulgação de informações, a promoção sistemática de consultas às comunidades e a capacitação organizativa e financeira dessas últimas.” (SOARES, 1998, p. 24).

Conforme já comentado, Soares (1998) entende que a inserção da participação no conjunto das políticas do BID constitui-se no reflexo de um processo mais amplo, iniciado a partir dos anos 1990, que vem alterando a forma de pensar o desenvolvimento

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e a cooperação. Esse processo teve início com a reforma das diretrizes das instituições financeiras decorrente dos fracassos de suas políticas. As principais características desse processo fundaram-se na democratização e na descentralização de poder dos governos da América Latina, somados ao forte surgimento dos movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil, que exigiam participar da definição das políticas que influenciavam a vida dos cidadãos.

Considera-se um grande passo por parte do BID admitir, pelo menos no discurso, que a população atingida por suas políticas tenha o direito de participar das decisões que entornam suas vidas.

Entretanto, ainda que encontrar no discurso dos bancos o compromisso de tornar a participação um elemento cotidiano do planejamento do desenvolvimento, a ênfase colocada nesse discurso sobre a participação não é suficiente para garantir sua prática. Segundo Soares (1998), pode-se dizer que a participação dentro dos programas do BID ainda é um elemento marginal. Sendo que os entraves colocados são de diversas ordens, abrangendo desde a ausência de normas e diretrizes claras, pouca flexibilidade nos procedimentos e desembolsos, limitações de diversas naturezas da população participante até claras restrições de ordem política, como omissão e manipulação de informações.

Jean-Pierre Leroy e Maria Soares (1998), além de criticarem a concepção de participação exposta pelo BID como não sendo clara sobre os conceitos utilizados, também afirmam que o banco não possui regras claras e concisas para que sua implementação aconteça da forma mais participativa possível, deixando a entender que em termos de participação “qualquer coisa serve”. Um planejamento temporal por parte do BID que suporte processos participativos também se mantém deficiente em seus programas. Não é de se surpreender que estes não apresentem os resultados esperados. Os autores ainda afirmam que são raras as experiências participativas realizadas nesses programas que tiveram êxito. Quando aconteceram, apresentaram um caráter bastante fragmentado.

Leroy e Soares (1998) vão mais além e dizem que, apesar de não haver um modelo único para a participação, como bem alertam os relatórios do BID, até hoje não foram definidas diretrizes básicas para a sua absorção nos procedimentos dos bancos. A participação não pode se limitar, como ainda ocorre, a meras consultas pontuais. Os bancos têm falhado ainda ao deixarem de adequar seus procedimentos à nova dinâmica da participação. Não é possível adotar o enfoque participativo e manter, por exemplo, os

mesmos prazos estreitos para a realização da etapa inicial dos projetos, na qual são fundamentais a identificação dos atores, a difusão de informações e o processo de consulta e negociação com a população envolvida. Por se desconsiderar esse procedimento, acabam-se gerando inúmeros problemas – um deles seria o entrave a processos participativos – e atrasos sucessivos nas fases posteriores dos projetos.

Segundo Silvio Caccia Bava (2003), na década de 1990, os bancos multilaterais, preocupados em melhorar sua imagem, deram início a um processo que desembocou na produção de uma agenda social mundial e nas propostas de participação e empoderamento21associados ao tema da governabilidade. Sobre as intenções do banco em relação à participação, Caccia Bava (2003, p. 26) sugere que:

Não se trata de ampliar a democracia e socializar o poder, como reivindicam os movimentos sociais [....]. Trata-se, isto sim, de canalizar as demandas sociais para momentos de consulta e formalização destas demandas para que elas sejam processadas por canais institucionais e métodos que garantam o controle da situação e a estabilidade política pelas instituições que organizam esses processos de participação.

Esta participação que os Bancos concedem à sociedade civil e às ONGs não ameaça sua soberania, pois não tem o poder de alterar as suas políticas. Além disso, se o direito de participar é doado, os riscos de manipulação e cooptação são bastante reais. Em seu discurso, o banco concebe a participação à sociedade civil como meio de promover o empoderamento desta. Mas,

A participação da sociedade civil, nesses termos [como direito doado], é vista como uma forma de esvaziar os movimentos sociais e protestos [...], assim como um meio de reconstruir a imagem das instituições multilaterais perante a opinião pública mundial. (CACCIA BAVA, 2003, p. 26).

O autor ainda afirma que o que se tem observado nas experiências é que a participação,

[...] tem ficado muito aquém das expectativas, quase só no discurso, tornando-se na verdade um exercício ideológico de incorporar as iniciativas populares aos discursos e programas, ressignificando-as e, desta forma, buscando promover a cooptação, a manipulação e o controle das forças sociais envolvidas. (CACCIA BAVA, 2003, p. 27).

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Segundo Rodrigo Horochovski (2006), o termo “empoderamento” implica na capacidade dos indivíduos terem controle sobre o que lhes afeta, isso requer ampliação da participação cidadã no processo político de tomada de decisão. Nos projetos dos Bancos, as práticas de empoderamento têm ficado aquém do que sugere o sentido do termo.

A partir dos autores estudados, a incorporação da participação nas diretrizes das Instituições Financeiras não aconteceu pela preocupação destas instituições com o exercício da cidadania dos pobres dos países subdesenvolvidos. O que estava em voga era que as pressões de organizações internacionais ganharam visibilidade e passaram a preocupar os bancos multilaterais que já tinham em mãos dados explícitos sobre o fracasso de suas políticas de ajuste. Dessa forma, os Bancos preferiram absorver as críticas e reelaborá-las, de maneira a atender, embora de maneira parcial, as demandas nelas contidas. Preferiram dar atenção às inquietudes antes que elas se convertessem em obstáculos para seu desempenho político.

Por outro lado, a participação da sociedade civil atua a favor dos bancos multilaterais, pois auxilia no controle dos recursos utilizados exigindo dos governos transparência e prestação de contas sobre o emprego dos recursos. Dessa forma, a sociedade civil pressiona os governos que resistem em incorporar a participação, pois esta constitui-se numa forma de controle social sobre a gestão pública inibindo favorecimentos ilícitos ou clientelismos (SOARES, 1998).

Os governos, por sua vez, usam o discurso da participação por conveniência, mas procuram por todos os meios esvaziá-la de qualquer sentido. Outro ponto falho em muitos governos é a concepção de planejamento que defendem, por ser ultrapassada e contraditória com a possibilidade de participação.

Modelado de maneira a garantir aos órgãos públicos o monopólio das ações, trata-se de processo eminentemente técnico-burocrático, herdeiro da concepção autoritária e centralizada que marcou o planejamento desde os anos da ditadura. Dessa forma, ou se resiste à participação em nome do bom planejamento ou se abre a possibilidade de participação como condição para o sucesso do projeto, mas dentro de uma concepção instrumental e utilitarista. (LEROY E SOARES, 1998, p. 216).

A concepção tecnocrática da participação é entendida por Leroy e Soares (1998) quando esta é programada de cima para baixo, ou seja, os gestores é que definem quando, como e onde a população pode participar. São raros os casos em que esse tipo de abertura traz resultados positivos à participação. Reza o BID que “tem que ter” participação, mesmo que não tenha sido programada esta etapa. Então, na maior parte dos casos alguns grupos irão ou ignorá-la ou orientá-la de modo clientelista.

Por outro lado, Leroy e Soares (1998) ressaltam que a aceitação da participação por parte dos governos e órgãos públicos pode ter outras motivações. Instaura-se um tipo de barganha em vários projetos em que o Estado faz algumas

concessões à participação aceitando algumas reivindicações, em compensação as pessoas que estão participando emprestam legitimidade aos governos envolvidos. Além disso, os governos ainda podem atuar no sentido de manipular a sociedade através da exagerada formalização da participação.

Criam-se organismos, uns, supostamente deliberativos e outros, técnicos, que codificam a participação, amarram-na em regras, cotas, critérios, afogam-na em números e dossiês, ridicularizam-nas em reuniões burocráticas. [....] São formas mais sutis e, no entanto, mais eficazes de esvaziamento do que o não funcionamento ou o descumprimento da função dos órgãos colegiados, pois envolvem as entidades na teia da tecnoburocracia. Dessa forma, o risco é que a participação estreitamente vinculada ao projeto se esgote com seu término. (LEROY E SOARES, 1998, p. 220).

Chama-se a atenção para a ausência de cultura democrática tanto dentro do Estado quanto entre a população. São poucos os setores públicos, tanto os funcionários quanto seus dirigentes políticos, que possuem uma cultura democrática difundida. O setor público, na maioria das vezes, não se encontra preparado para possibilitar processos participativos da sociedade. Por sua vez, a população tem poucas experiências de construção de espaços de decisão e participação.

As relações clientelistas, que se dão entre o governo ou políticos e setores pobres da população ainda se apresentam, segundo Giovana Veloso (2006), como um caminho alternativo para o acesso aos bens públicos, que por si só já são escassos e difíceis de obter. Todavia, não se pode deixar de considerar que o clientelismo constitui- se numa relação de poder vertical e hierarquizado obstruindo a formação do capital social e atravancando novas formas de participação nos negócios públicos e na própria consolidação da cidadania, atuando como limitador da democracia. Esta idéia também é compartilhada por Francisco Farias (2000, p. 1) que define o clientelismo como “a apropriação privada da coisa pública”. Este autor percebe a barganha do voto como uma corrupção da democracia e “as razões apresentadas para o desvirtuamento da democracia pelo clientelismo normalmente são: a pobreza, a ignorância, a herança de um passado pré-moderno”.

Por fim, ressalta-se para as falhas de participação de uma população marcada pela expropriação, com dificuldades em argumentar e negociar suas vidas. Que acostumadas às promessas eleitoreiras e clientelistas já não acreditam em seus governantes, agindo com desconfiança em relação aos projetos do governo. E ainda questiona-se como exigir participação de uma população estigmatizada e desprovida de

auto-estima, que sofre pela ausência de condições dignas de viver, de morar e de alimentar-se.

O próximo item apresenta, de forma breve, a problemática da habitação no Brasil e em Florianópolis relacionada com o aumento das favelas e de pessoas em situação de pobreza. Descreve o surgimento dos órgãos responsáveis pela habitação popular, apontando também as deficiências deixadas pelos mesmos, principalmente em relação ao princípio de erradicação das favelas e ao caráter fragmentado que tem norteado as políticas habitacionais brasileiras. A forma como o BID percebe a questão habitacional, relacionando-a diretamente com a pobreza, e as lacunas desse pensamento também são expostos. Encerra-se este capítulo descrevendo rapidamente o Projeto Bom Abrigo – Região Chico Mendes, integrante do Programa Habitar Brasil BID.