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A adoção como uma experiência humana básica (Levizon, 2009) ocorre, como já afirmamos, em todas as culturas e em todos os tempos. Com suas especificidades, é uma forma autêntica de perfilhação, isto é, de tornar alguém seu filho. Ao longo da história, o instituto da adoção já viveu inúmeras modificações – evoluiu. E, no Brasil, uma

experiência bastante atuante, que representa a sociedade civil organizada e atuando para orientar famílias adotivas e pretendentes à adoção, é o movimento nacional de grupos de apoio à adoção9. Grupos de Apoio à Adoção (GAAs) e Grupos de Estudo e Apoio à Adoção (GEADs) são formados, na maioria das vezes, por iniciativas de pais adotivos que trabalham voluntariamente para: divulgar a nova cultura da Adoção, prevenir o abandono, preparar adotantes, acompanhar pais adotivos e conscientizar a sociedade sobre a adoção e principalmente sobre as adoções necessárias (crianças mais velhas, com necessidades especiais e inter-raciais).

Não facilmente os GAAs e GEADs conseguem estabelecer convênios e parcerias com as Varas da Infância e Juventude ou com os Tribunais de Justiça, mas há de se destacar o trabalho independente realizado nos grupos de reflexão que se constitui um espaço de acolhimento, aprendizagem e troca de experiência entre famílias adotivas, pretendentes à adoção, e profissionais de diversas áreas do conhecimento – técnicos e acadêmicos – de forma permanente. Queiroz e Passos (2012) afirmam que o “trabalho dos GAAs tem sido importante no sentido de acolher e de lutar em prol de uma legislação mais justa com aplicação de procedimentos mais ágeis e eficazes” (p.26). Esses grupos estão presentes em todos os estados brasileiros, e estima-se que há mais de 100 deles – formais e informais – em atuação. Anualmente, os GAAs organizam o Encontro Nacional de Apoio à Adoção (ENAPA) que, em 2013, acontecerá em sua 18ª edição. O objetivo dos Enapas é “divulgar, estudar, refletir e estimular as pesquisas, bem como desenvolver uma nova cultura em relação à adoção” (Souza, 2008, p.184). Eles ocorrem geralmente próximo ao dia 25 de maio – Dia Nacional da Adoção (Lei nº 19.447/2002).

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Para conhecer o trabalho do movimento nacional dos grupos de apoio à adoção, consulte:

Segundo o referencial teórico do projeto Novos Vínculos 10(Aconchego, 2012), aprender a lidar com as especificidades da adoção exige um longo trabalho de reflexão sobre as expectativas e motivações para a adoção.[...] o encontro de pais e filhos somente se tornará possível se ambos se despirem de suas idealizações e construírem um projeto de respeito às diferenças e de aceitação do outro como ele se apresenta. (p.12).

A preparação psicológica prevista em lei esbarra em algumas dificuldades. Nem todas as varas da infância e juventude do país possuem equipe técnica disponível para realizar essa preparação. E, mesmo havendo, essa preparação ocorre em um ou dois encontros. Onde não há equipe técnica disponível e havendo um GAA ou GEAD, o trabalho pode ser realizado por esse grupo. O papel dos GAAs e GEADs, no novo cenário da adoção, pode representar uma alternativa para transformar o tempo de espera para a adoção acontecer em preparação. Os pretendentes, nos grupos de reflexão, têm a oportunidade de conversar e refletir a partir da experiência de outras famílias adotivas:

“participar dos encontros mensais sobre adoção me fez ficar menos ansiosa. Eu vejo que não sou apenas eu nessa situação, e que os medos que eu tenho, mas não pude dizer na visita da assistente social na minha casa, aqui eu posso falar. Eu tinha medo de ser reprovada se falasse disso com ela...Estou entendo meus medos de outra forma. Eu me baseava muito no que já tinha ouvido dos os outros, sem saber, diziam da adoção... pouco a pouco tenho aprendido e me preparado para quando meu filho ou filha chegar...” (M.J.P, pretendente à adoção e participante de um grupo de reflexão coordenado por um gead pernambucano)

Além dos grupos de reflexão, os GAAs e GEADs têm, pouco a pouco, descoberto vocações e construído caminhos diversos de atuação junto à sociedade, criando espaços de reflexão sobre a temática da adoção e da atitude adotiva – uma ampliação do conceito de adoção para além das famílias adotivas. Um exemplo do trabalho realizado são os projetos de Adoção e Atitude Adotiva realizados em escolas em Pernambuco – na capital e no interior – por grupos do mesmo estado: o pioneiro, o Grupo de Estudo e Apoio à Adoção do Recife (GEAD-Recife), o Grupo de Estudo e Apoio à Adoção do Vale do Ipojuca (GEADIP) e o mais novo grupo, o GEAD-Sul.

Os estudos apresentados neste capítulo apresentam resultados de pesquisas sobre adoção que focalizaram diversos aspectos relevantes, mas sempre em contexto pós-adoção, excetuando-se o trabalho de Costa e Campos (2003) que aborda os aspectos psicossociais e jurídicos dos processos11 de adoção com pretendentes. O conhecimento profundamente

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Projeto que objetiva contribuir para a promoção da convivência familiar e comunitária de crianças e

adolescentes em situação de acolhimento institucional, fruto de uma parceria entre o Aconchego, a secretaria de Direitos Humanos e o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente.

11 O termo processo aqui se refere ao instrumento concreto e legal pelo qual os pretendentes

relevante já construído sobre adoção nos campos da Psicologia e das ciências Sociais, bem como das abordagens psicanalíticas, revela, entretanto, a necessidade de pesquisas voltadas ao contexto pré-adotivo que nos ajudem a compreender outros aspectos além dos

comumente discutidos.

Por essa razão o presente estudo propõe uma investigação de perspectiva semiótica da Psicologia Cultural, em contexto pré-adotivo, sobre a construção cultural dos

2. A PSICOLOGIA CULTURAL SEMIÓTICA E SEUS FUNDAMENTOS