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Pretendentes à adoção são pessoas que manifestam seu desejo de se tornarem pais pela adoção, por diversas razões, como explicitadas no item anterior. A Nova Lei da Adoção (Lei nº 12.010/2009) e o Cadastro Nacional da Adoção – CNA (2008) orientam e disciplinam os caminhos a serem percorridos, do ponto de vista jurídico, pelos

pretendentes e pelos profissionais da adoção. Tomada a decisão de adotar, os pretendentes ocupar-se-ão de inúmeros desafios e rituais: tornar pública a decisão para suas famílias e amigos e perante o judiciário; preparar a documentação necessária à habilitação à adoção (ver Lei nº 12.010/2009, Art. 197-A), enfrentar a seleção de pais à adoção realizada por equipe multiprofissional do judiciário e, obrigatoriamente, participar de preparação psicológica, prevista na nova lei da adoção (ver Lei nº 12.010/2009, Art. 197-C, § 1º).

De acordo com o Cadastro Nacional da Adoção (CNA) – dados de abril de 2012, o Brasil possui 2.025 instituições de acolhimento. Um estudo elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ e coordenado pela Corregedoria Nacional de

Justiça, analisou o universo de pessoas inscritas no Cadastro Nacional de Adoção, tendo como base o mês de agosto de 2012. No Brasil há 28.151 homens e mulheres que desejam adotar um filho. A maior parte deles (85%) está nas regiões Sudeste e Sul. Quatro em cada dez pretendentes brasileiros possuem entre 40 e 49 anos e a maior parte deles (79,1%) está casada. Entre os solteiros, divorciados, separados judicialmente e viúvos, as mulheres são a grande maioria (80%). Há 5.281 crianças e adolescentes aptos à adoção no país. Isso significa que o número de pais que querem adotar é cinco vezes maior do que a quantidade de crianças e adolescentes disponíveis. Quase 80% deles também são das regiões Sul e Sudeste. A exigência feita pelos pretendentes quanto à idade e somada à preferência por crianças brancas é o principal entrave para as adoções ocorrerem. O Nordeste chamou a atenção dos pesquisadores pelo percentual de pretendentes divorciados – 3,2% dos candidatos –, o mais expressivo do País. Os viúvos também correspondem ao dobro da média nacional. Embora o Nordeste seja a região brasileira cuja população apresenta a menor expectativa de vida – 70,4 anos, segundo dados de 2009 do IBGE –, 23% dos pretendentes nordestinos inscritos no cadastro têm mais de 50 anos. Esse percentual é superior ao aferido nas regiões Sudeste (22,8%), Norte (20,9%) e Centro-Oeste (20,2%).

A infertilidade é apontada na literatura como a motivação à adoção mais recorrente. Entretanto, novas configurações familiares buscam também a adoção: viúvos, solteiros, casais não estéreis e pares homoafetivos; e os juízes sentenciam, após parecer psicossocial da equipe técnica e parecer favorável do Ministério Público, quem estará apto à adoção. Esse novo cenário brasileiro da adoção no qual os pretendentes se inserem é caminho obrigatório para realizar o desejo de ser pai e de ser mãe. Algumas vezes, o desafio inicial para os pretendentes ocorre dentro da própria família extensa do casal. Segundo Dias (2006), a não aceitação da criança pelos demais familiares pode acarretar em um fracasso na adoção. Uma criança só é verdadeiramente adotada, quando é introduzida na tradição da família do pai, e na família da mãe. Essa inserção é necessária porque, conforme Dolto (1989), “uma criança é adotada por uma família, e não por duas pessoas (...) A adoção é a família que cada um dos pais dá a criança, um lugar nas duas linhagens, um lugar

simbólico” (p.22-23, In Schettini, S. S. M., 2007). Entretanto no processo de habilitação à adoção, os profissionais responsáveis pela avaliação dos pretendentes preocupam-se unicamente com os pais, não abrangendo o restante da família.

Vários autores, no que concerne à seleção de pais à adoção, têm demonstrado preocupação quanto à metodologia utilizada pelas equipes que a realizam. Costa e Campos

(2003) apontam o contexto judiciário da seleção e preparação como um importante catalisador para a mudança, mas alertam que esse contexto pode ser precursor de arbitrariedade uma vez que é o responsável por avaliar positiva ou negativamente os pretendentes à adoção. Quanto ao trabalho dos técnicos no judiciário, Weber (2003) afirma que o trabalho com pretendentes que eles realizam é fundamental, “não tanto para

selecionar, mas para preparar: esclarecer, informar, instruir, educar, conscientizar,

desmistificar preconceitos e estereótipos, modificar motivações, desvelar vocações, lapidar desejos...” (p.35). Silva (2012), apoiada numa visão psicanalítica, destaca a importância de ampliar discussões conceituais sobre família para realizar o trabalho de escuta da equipe multiprofissional demandado nas varas da infância, cada vez que um pretendente se inscreve à adoção.

Do ponto de vista do desenvolvimento humano, Poisson (2001) alerta-nos para o fato de que aqueles que são responsáveis pela seleção de pais à adoção, devem se

preocupar com duas noções: a incerteza quanto à evolução das famílias – a

imprevisibilidade faz parte do desenvolvimento, e ver uma dificuldade como oportunidade de um novo desenvolvimento. Para ele, essas duas noções mantêm uma relação

permanente, visto que, em um processo de seleção de pretendentes à adoção, “uma família muito previsível não seria necessariamente a melhor família adotiva, porque uma boa parte do sucesso de uma vida familiar é feita de imprevistos, de oportunidades que surgem ao acaso e que precisam ser aproveitadas” (p.65)

A preparação psicológica à adoção, prevista na Lei nº 12.010/2009, determina que essa preparação inclua orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores e adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. Vários juizados, segundo Figueirêdo (2009), “já realizavam cursos preparatórios, alguns diretamente outros tantos em convênios, no mais das vezes com grupos de apoio à adoção”. Bittencourt (2010) explica que a intenção da preparação psicológica aos

pretendentes é capacitá-los para “as peculiaridades da paternidade adotiva, e se possível, abrir os horizontes destes para as crianças que têm mais dificuldades de encontrar postulantes interessados”(p.128).

Triseliotis, Shireman e Hundleby (1997), in Levinzon (2009), propuseram uma nova definição de adoção, na qual “ela é vista como uma forma de satisfazer as

necessidades de desenvolvimento de uma criança, transferindo legalmente a responsabilidade parental de pais biológicos para os pais adotivos” (p.12). Mas, a

complexidade da adoção não poderia ser reduzida apenas ao ato legal de transferência de responsabilidade, porque qualquer tentativa de fazê-lo impossibilitará a compreensão dessa complexidade gerada por vários aspectos de natureza distinta (relações de poder, relações familiares, mitos, preconceitos, crenças culturais e sociais, transformações políticas, ideologias étnico-raciais e religiosas, classes sociais, organização da sociedade civil sobre a temática, aspectos da reprodução, da sexualidadede, de gênero, experiências individuais etc) e pela existência de um “quadrângulo da adoção” (Palacios, 2009): genitores, crianças, pais adotivos e os profissionais da adoção, para pontuarmos aqui, os atores sociais que constituem a adoção enquanto prática cultural.

Sem dúvida, diante da complexidade que envolve as práticas da adoção, desde sempre e diante do atual cenário da adoção no Brasil, surgem demandas até então não consideradas e que, agora postas, revelam a fragilidade do elo que tenta unir os diversos saberes e definitivamente colocá-los no enfrentamento dessa complexidade. Élio Braz Mendes (2012), Juiz de Direito da Infância do Recife, aponta a interdisciplinaridade como o caminho necessário a ser percorrido por juízes, promotores e defensores públicos para uma atuação baseada em saberes não exclusivos da ciência do Direito.

O processo penoso e demorado para que a interdisciplinaridade se estabeleça nas esferas do poder Judiciário ainda está começando. Muitos serão os caminhos a percorrer para o encontro do Direito com a Psicologia e demais ciências sociais. Pode-se, de logo, afirmar que nas ações relacionadas às famílias, crianças e adolescentes existe urgente demanda da própria legislação para o enfrentamento desta questão multifocal das ciências envolvidas (p.204).

Podemos sugerir que isso revela o momento de transição atual na trajetória histórica da adoção – suscitada pela implantação da nova legislação que a normatiza, isto é, houve uma ruptura nesta trajetória e agora seus atores sociais buscam caminhos para seguir. As próprias leis ainda não consolidaram esse novo cenário da adoção para o qual elas foram criadas.

Para compreendermos adequadamente tal complexidade, faz-se necessário, segundo O’Halloran (2006), considerar a adoção em um “contexto social particular, no qual funções legais são exercidas” (p.8). Nossa tentativa de entender, neste estudo, como os

pretendentes à adoção constroem significados sobre a decisão de adotar configura-se como uma das possibilidades teórico-metodológicas de compreender o funcionamento da cultura na construção de tais significados, especificamente pela perspectiva semiótica da