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1 A MUDANÇA DO OLHAR E A RACIONALIDADE COMPLEXA

1.7 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

A participação é a realização do sujeito histórico (LOUREIRO, 2004), é o instrumento para construção do sentido de responsabilidade e pertencimento, é a parte essencial do processo educativo, favorece a autonomia e a busca de identidade. A capacidade de diálogo, de aproximação e de respeito define o amadurecimento da participação social e política na sociedade. Assim, busca-se novas formas democráticas de governabilidade e a reconfiguração das formas políticas e culturais, pois todos são sujeitos da transformação, não há passividade diante do mundo.

A gestão participativa e a educação ambiental emancipatória e complexa são possibilidades de atuação cidadã, pois abrem espaço de fala e de problematização sobre o cotidiano das pessoas.

A transformação do cotidiano em uma rede de sínteses localizadas de determinações globais desvulgariza o dia-a-dia e o senso comum que se tornam oportunidades de protagonismo social. A politização do social, do cultural e do pessoal abre campo para o exercício da cidadania e revela as limitações da cidadania liberal. “Daí o cotidiano - que é, por excelência, o mundo da intersubjetividade - seja a dimensão espaço-temporal da vivência dos excessos de regulação e das opressões concretas em que elas se desdobram (SANTOS, 1995, p. 260).

A tensão entre cidadania e subjetividade é analisada por SANTOS (1995) como apenas possível de ser superada no campo da emancipação. A noção que se tem de cidadania é reducionista e se manifesta apenas no direito ao voto do estado neo-liberal, que não incentiva outro tipo de participação política. Esse mesmo Estado converte a sociedade civil ao domínio do privado criando assim uma tensão entre a subjetividade individual e Estado.

A cidadania complexa é a que estimula e necessita da participação social. Segundo SANTOS (2006), é diferente da cidadania das sociedade liberais em que qualquer forma de participação política além do voto é excluída. Nestas a base do contrato social conduz à

naturalização e à passividade política, há a marginalização do principio da comunidade, uma relação virtual do estado com cidadãs e cidadãos e a sociedade é concebida de forma monolítica, ocultando o doméstico do domínio público, impedindo-o de ser politizável.

As sociedades neo-liberais difundiram uma idéia de cidadania que não é a mesma da participação social desejada para a mudança e, por isso, é contestada por SANTOS (2000). O direito ao voto, nos esclarece o autor, se apresenta hegemonicamente como a melhor possibilidade de participação da população em decisões políticas.

A participação social é para SEN (2000) uma “liberdade substantiva”, ou seja, é uma capacidade elementar que por definição engloba desde a fome até a participação política (categorias complexas). A ampliação das liberdades é necessária para o conceito de desenvolvimento que o autor defende: o “desenvolvimento para a liberdade”. Neste conceito a participação política é uma liberdade substantiva, assim como a educação, a informação, a alimentação, a cultura, entre outras. O autor questiona a relação entre necessidades econômicas e sociais e defende a idéia que o desenvolvimento é a ampliação das liberdades e a superação da visão tradicional que supervaloriza as necessidades econômicas em detrimento das sociais. Elenca como formas de privação de liberdade a miséria, a falta de oportunidades na educação e na política, o preconceito e a interdição dos direitos civis.

A liberdade é o fim, no aspecto constitutivo e o meio, no aspecto instrumental do desenvolvimento para a liberdade. São tipos de liberdades instrumentais: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantia de transparências, segurança protetora (SEN, 2000, p.55). Tais categorias abrangem necessidades humanas biológicas e culturais que influenciam na qualidade de vida. São, também, o caminho da ampliação das liberdades que SEN (op. cit.) defende como desenvolvimento.

Essa perspectiva orientada para a liberdade, que percebe o desenvolvimento a partir da ampliação das liberdades substantivas, integra uma resolução participativa na transformação dos impasses sociais. Assim todos participam das decisões complexificando os processos de escolha social (SEN, 2000, p.48). A ampliação dos direitos políticos garantem a discussão e o diálogo que são relevantes para escolhas bem fundamentadas e para a formação de prioridades sociais. A partir do diálogo podem emergir novos valores democraticamente discutidos e entendidos localmente (SEN, op. cit., p.181).

seja, a atuação pessoal que ocasiona mudanças, participa das ações políticas e sociais, interage com o mercado e com atividades das diversas esferas sociais. As pessoas se envolvem mais e, dessa forma, podem cuidar e influenciar a vida ao seu redor. A participação é entendida então como constitutiva dos fins no desenvolvimento e a democracia tem importância no papel constitutivo de valores e normas (SEN, op. cit., p.185).

Aqui se pode analisar o papel de sujeito desejável para a participação. A compreensão da noção de sujeito passa pela explicação biológica, segundo MORIN (2003). O sujeito é portador de uma autonomia relativa, pois é sempre dependente do meio, está sempre trocando informação com ele. É uma autonomia não absoluta – existe a dependência original em relação à cultura, sociedade e a biologia, que precisa ser considerada na formulação da noção complexa de sujeito. O indivíduo é pré-requisito à noção de sujeito, é o elo com a espécie, é o produto e o produtor do seu ciclo (MORIN, 2003, p.119).

Para o autor a cultura retroage sobre indivíduos que são produtores/produtos, é a dimensão cognitiva (computacional) presente em toda organização biológica. “Essa dimensão cognitiva pode ser chamada de computacional. A computação é o tratamento de estímulos, de dados, de signos, de símbolos, de mensagens, que nos permite agir dentro do universo exterior, assim como de nosso universo interior, e conhecê-los” (MORIN, 2003, p.120).

A percepção complexa de sujeito, que pressupõe o rompimento com o princípio determinista reducionista dominante, pode ser entendida da seguinte maneira:

[...] precisa-se de uma reconstrução, precisa-se das noções de autonomia/dependência; da noção de individualidade, da noção de autoprodução, da concepção de um elo recorrente, onde estejam, ao mesmo tempo, o produto e o produtor. É preciso também associar noções antagônicas, como o princípio de inclusão e exclusão. É preciso conceber o sujeito como aquele que dá unidade e invariância a uma pluralidade de personagens, de caracteres, de potencialidades (MORIN, 2003, p.128)

A noção de liberdade enquanto capacidade de fazer escolhas e de operação destas é parte da noção de sujeito. Parte livre e parte dependente do sujeito: livre por sua capacidade de computação das informações e dependente por se alimentar do meio em que está inserido (MORIN, 2003).

Importa para a liberdade uma forma de governo democrática e uma imprensa livre (SEN, 2000, p.180). A existência de uma discussão pública não manipulada impede,

segundo o autor, grandes calamidades por permitir a livre circulação de informação e, dessa forma, abre campos de envolvimento pessoal na qualidade de vida local. É perfeitamente possível que as necessidades econômicas abarquem o exercício de direitos políticos. A liberdade política, inclusive, torna mais provável o êxito social, pois parte de escolhas fundamentadas e discutidas socialmente (SEN, op. cit., p.180).

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