• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – A participação política e a deliberação pública pelo viés comunicacional

3.2 Participação política on-line

Na literatura é possível encontrar autores que conferem à internet o papel de grande importância para a participação do cidadão, seja num conceito mais político (SCHERER- WARREN, 2006; CARPENTIER, 2012; CASTELLS, 2013) ou social e cultural (SHIRKY, 2011; JENKINS, 2009). Ao abandonarmos o determinismo tecnológico, analisamos esses estudos com olhar crítico, questionando as relações de poder que envolvem esses processos (FUCHS, 2014). Então, falar em potencialidades e desafios é um dos caminhos possíveis, pela apreciação do que seria possível podemos enxergar as limitações nas ações.

3.2.1 Modelo de Vedel

Para Vedel (2003) as potencialidades políticas da internet são: informar melhor os cidadãos, a simulação on-line do debate público, mobilização cívica on-line, aproximar cidadãos e governantes. Contudo, como são potencialidades, essas características podem ficar inertes, dependendo da apropriação das ferramentas e de fatores de economia política dos meios de comunicação, o próprio autor tem um posicionamento crítico referente a isso.

O autor explica que a capacidade de informar melhor o cidadão é devido a possibilidade de encontrar a fonte inicial da informação e também pela diminuição dos custos para tanto. Contudo, Vedel (2003b) afirma que as múltiplas formas de acesso e a infinidade de fontes de informação também são um problema, já que requer do cidadão capacidade de apuração e avaliação mais aprimoradas.

No caso da potencialidade de simular o debate público na internet, o autor diz que abre espaço para discussão de temas que não tem grande destaque na mídia tradicional, colocando indivíduos diferentes para o confronto de ideias. Mas, os fóruns on-line não alteraram significamente a estrutura da esfera pública, já que além de serem extremamente voláteis e com visíveis diferenças linguísticas, não superaram a diferença social, geográfica e cognitiva (VEDEL, 2003b).

Como meios de mobilização social, o autor indica que a internet tem potencial de ampliar o eco da ação coletiva, pois permite a difusão de opinião de demandas. Todavia, mesmo que seja um novo espaço de fala Vedel (2003b) afirma que os movimentos sociais buscam na internet um palco para alcançar a visibilidade nos meios tradicionais, então “a

internet aparece mais como facilitador do que um ativador da ação coletiva” 31 (VEDEL,

2003b, p. 84).

O potencial de aproximação entre governantes e governados pode ocorrer em dois sentidos, mais transparência por parte da ação governamental, que na internet pode manter um canal de informação e comunicação; e como um canal de recepção das demandas da população. Essa mecanização das ações do estado pode aproximar cidadãos e políticos, mas também pode individualizar o conceito de cidadania pela ideia do consumidor cidadão.

As aplicações administrativas da internet são organizadas em torno de visões gerenciais da administração. Estes últimos são tratados como uma máquina para produção de serviços que funcionem em torno de uma lógica empresarial. E como o cliente de uma empresa, o cidadão vê o reconhecimento de seus direitos de consumidor32 (VEDEL, 2003b, p. 85).

Essas potencialidades não exploradas revelam que o “impacto das tecnologias digitais sobre o campo político está sempre intimamente relacionado com fatores culturais” (MARQUES, 2010, p. 132), seja por questões de acesso ou pela abertura da esfera pública política às demandas dos cidadãos que estão na internet. Então, mesmo que haja o uso política da internet por parte dos indivíduos, é inocência admitir que essas tecnologias participativas sejam uma simples ferramenta da contrapoder (AURAY, 2012).

Mesmo que inúmeros sujeitos articulem suas ações por meio das redes sociais na internet ainda há fatores externos à internet - desigualdade social, baixo índice de inclusão digital e economia política dos meios de comunicação – que dificultam que esse engajamento traga mudança política e social efetiva.

3.1.2 Modelo de Jensen, Borba e Anduiza

Jensen, Borba e Anduiza (2012) diferenciam três dimensões de engajamento político on-line e off-line (quadro 1). A primeira é a participação política, que no digital pode ocorre de maneira vertical e unidirecional, ou de maneira horizontal e interativa, já no off-line, a participação política restringe-se, segundo os autores, à representatividade ou a extrarrepresentatividade. A segunda dimensão é o consumo de informação política que é diferenciado pela fonte da informação. E por fim, a terceira dimensão compreende as atitudes

31 Tadução da autora de: l‟internet apparaît comme un facilitateur plus qu‟un activateur de l‟action collective. 32Tradução da autora de: Les applications administrative de l‟internet s‟organisent pour la plupart autour d‟unes

visions managériale de l‟administration. Celle-ci est assimilée à une machine à produire des services qui fonctionne selon une logique d‟entreprise. Et comme le client d‟une entreprise, le citoyen se voit reconnaitre de droits de consommateur.

políticas, que para Jensen, Borba e Anduiza (2012) são processos psicológicos e não comportamentais, por isso não possuem expressão no meio digital.

Offline On-line

Participação política Representativa (exemplos: votar, entrar em contato com políticos e atividade partidária)

Vertical, unidirecional (exemplos: petição on-line, doação, contato)

Extrarrepresentativo (exemplos: protestos)

Horizontal, interativa (exemplos: escrever um blog, fazer comentários políticos, participação de grupos sobre política nas redes sociais) Consumo de informação

política

Exposição aos jornais, telejornais, e rádio no offline.

Exposição a fontes on-line de informação política

Atitudes políticas Interesse político e orientação ideológica; --

Quadro 1 - Dimensões de engajamento político segundo Jesen, Borba e Anduiza (2012) Fonte: (Jensen; Borba; Anduiza, 2012, p. 3) tradução da autora

A tipologia que Jensen, Borba e Anduiza (2012) apresentam da participação política nos é particularmente interessante, porque diferencia o sentido do fluxo participação no meio digital (vertical-unidirecional e horizontal-interativo) e inclui o consumo de informação política como uma das dimensões do processo. Essa abordagem dos sentidos (vertical e horizontal) é familiar aos conceitos de comunicação, que se baseiam em um polo emissor e um polo receptor, que na comunicação de massa é uma relação vertical com vários receptores e na comunicação criada coletivamente pelas redes sociais digitais pode ser horizontal, com vários polos emissores e vários receptores.

Os autores mostram que mesmo no meio digital o paradigma unidirecional de comunicação não é quebrado, o que muda é que agora cidadãos podem tornar-se o polo emissor da informação, principalmente através dos blogs. Mesmo em grandes portais de notícias, o cidadão pode usar o espaço de comentários para criar uma arena de discussão interativa e coletiva; não podemos afirmar, contudo, que essa arena é horizontalizada. Além disso, a visibilidade desses conteúdos é variável na internet, que tende a ser hierarquizada pelas ferramentas de busca.

Os usos das potencialidades dessas ferramentas dependem de fatores culturais, sociais e políticos. Jensen, Borba e Anduiza (2012) relacionam três elementos principais: desigualdade digital, o sistema midiático e o cenário das instituições políticas.

A desigualdade digital não diz respeito somente ao acesso à rede, mas também ao uso e a cognição digital, como as pessoas utilizam a internet e se elas têm habilidade para usar diferentes ferramentas (HARGITTAI; HSIEH, 2013). Apesar de inúmeras pesquisas apontarem diferenças de inclusão digital, ainda há poucos estudos que avaliem o real impacto dessa desigualdade (HARGITTAI; HSIEH, 2013), mas no caso da participação política podemos colocar a hipótese de que apesar da maior pluralidade de temas, ainda há pautas que não encontram espaço na esfera da internet, pois as pessoas impactadas por esses problemas não possuem acesso físico ou habilidade para usar essa ferramenta com essa finalidade. Por mais que a internet seja mais horizontalizada na questão da produção de conteúdo, como um meio de comunicação exige uma audiência maior que seu corpo de produtores, senão seria um local onde todos falariam, mas ninguém ouviria.

O sistema midiático e o cenário das instituições políticas vão influenciar mais diretamente a configuração da participação política on-line. É claro que estruturalmente eles também influenciarão o acesso, já que é possível que políticas públicas e leis tenham como o objetivo a inclusão digital e a melhoria da infraestrutura do sistema de telecomunicações.

Outro ponto importante, e que já foi discutido em parte no capítulo primeiro, é sobre a economia política da comunicação na internet; é o sistema midiático que vai determinar se a internet configura-se como ambiente complementar da experiência de consumo de mídia, ou se somente replica conteúdo da mídia tradicional (JENSEN; BORBA; ANDUIZA 2012). Fuchs (2014) recorda que a internet é controlada por grandes corporações, como o Google e Facebook, que mercantilizam os dados dos usuários e lucram com as atividades dos usuários. “Enquanto as corporações dominarem a internet ela não será participativa” 33 (FUCHS, 2014,

p. 61), para o autor a os locais participativos da internet são aqueles nos quais os usuários se engajam em construir e reproduzir projetos sem fins lucrativos.

E mesmo em sociedades democráticas, nas quais a participação é um requerimento para o bom funcionamento do sistema político, as instituições são cruciais para permitir que as pessoas tenham acesso às ferramentas necessárias para a participação. No Brasil, por exemplo, o governo tem investido em plataformas digitais de participação. Em agosto de 2015 foi lançado o site “Dialoga Brasil”, com o slogan “o país fica melhor quando você participa”, hospedado no endereço www.dialoga.gov.br. O site se propõe a ser um meio de participação digital, o cidadão pode participar nos 5 programas – cultura, educação, redução da pobreza,

saúde e segurança pública – com ideias que possam virar propostas futuramente, há ainda

chats programados com os Ministros responsáveis por cada área.

O Dialoga Brasil é um espaço de participação digital. Aqui suas ideias viram propostas e você ajuda a melhorar as ações do governo. Você pode fazer sugestões para melhorar os programas, curtir propostas de outros participantes e conhecer as principais ações do governo federal. A plataforma Dialoga Brasil apresenta 14 temas e 80 programas prioritários do governo federal para que a população proponha melhorias nas políticas públicas e na vida dos brasileiros e brasileiras. Em novembro de 2015, o governo federal começa a responder as três propostas mais apoiadas de cada programa. Uma delas pode ser a sua! Participe! O país fica melhor quando você participa! (BRASIL, 2015).

Iniciativas da sociedade civil também representam um espaço para participação política, mesmo que o diálogo não seja diretamente com o governo e que esses espaços acabem formando esferas não decisivas politicamente. Esse distanciamento da esfera governamental torna o efeito nas decisões políticas cada vez mais distantes, e para Gomes (2008, p. 296) o eco da participação é essencial para a cultura política do cidadão, já que a sua ausência marginaliza o papel dos cidadãos na democracia, que quando não vê responsividade por parte do governo percebe que “as indústrias da notícia, do lobby e da consultoria política tem muito maior eficácia junto à sociedade política e ao Estado de que a esfera civil”.

Esses exemplos de participação política on-line mostram que há iniciativas, mas a existência dessas ferramentas não vai garantir o engajamento dos cidadãos, além do contexto favorável de inclusão digital, de configuração do sistema midiático e das instituições políticas (JENSEN; BORBA; ANDUIZA 2012). A utilização de ferramentas participativas impostas pelo governo também não garante a participação dos cidadãos, e nem a efetiva ação política diante de um resultado, já que arenas de participação estão desconectadas dos espaços de decisão, “a participação ocorre nos bairros, mas a política é feita em outros lugares”34

(BLONDIAUX, 2004, p. 18). O espaço de decisão política são as assembleias legislativas e o poder executivo, no caso do Brasil, as experiências de participação são muitas vezes consultivas ou com impacto mais local.

A internet não alterou efetivamente as relações de poder, mesmo que tenha ampliado os espaços de participação. Essa estrutura tecnológica ainda é controlada por relações de poder econômico, político e culturais (FUCHS, 2014). Na internet vão surgir esferas formadas por públicos fracos (FRASER, 1990), cujas decisões não possuem real impacto político, mas essas esferas serão múltiplas e favorecerão a deliberação entre esses grupos específicos.