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3.3 – PARTICIPAÇÃO POLÍTICA LOCAL ATRAVÉS DA INTERNET

3 – ESFERA CIVIL, PODER LOCAL E PARTICIPAÇÃO LOCAL ONLINE

3.3 – PARTICIPAÇÃO POLÍTICA LOCAL ATRAVÉS DA INTERNET

Quando o assunto é internet e política, alguns temas tomam conta do debate. Como o fato da internet permitir avanço em mecanismos de transparência, ou então a

internet como uma nova esfera pública que dá vazão à necessidade de criação de novos espaços deliberativos. Ainda, a ideia de que movimentos sociais podem gerir protestos, realizar campanhas de advocacia e romper barreiras físicas antes intransponíveis. No entanto, pouco se diz ou estuda a respeito da derrubada de tais barreiras físicas mesmo em âmbito local. Se, por um lado, as redes digitais permitem que se gerencie uma rede de contatos ao redor do mundo para trabalhar a favor de determinada causa, a internet também pode desempenhar tal papel no ambiente local.

Assim, alguns autores chamam atenção para o caráter libertário da internet no quesito política local (CHADWICK, 2006; GORDON 2008; BERGER, 2009; HAMPTON 2010), mesmo que isso não se transforme em decisões melhores ou que o Estado passe a ser mais poroso. Ora, se estamos tratando aqui (1) de uma concepção de política enraizada nas relações cotidianas, (2) na construção do valor de determinado local a partir das trocas interacionais e informacionais dos cidadãos, e (3) de certo nível de descentralização do poder, então podemos tentar buscar na internet um espaço que sirva como terreno para os processos participativos locais.

Autores da democracia participativa gastam especial espaço em seus livros e artigos para destacar a importância das práticas cotidianas no nível da participação política. Assim, como demonstra Bakardjieva (2009) e Lemos e Lévy (2010), a internet tem se misturado cada vez mais às práticas cotidianas, o que nos faz estabelecer a mínima conexão entre as duas situações. Quer dizer, se a política e a participação podem e devem ser realizadas no âmbito local e se misturam às práticas cotidianas, também é possível entender como a internet se ―intromete‖ nesse meio, servindo de base para praticamente qualquer ação social, como namorar, relacionar-se profissionalmente, fazer investimentos, conversar e, claro, estabelecer conexões políticas.

Óbvio que essa é uma premissa básica e discutida à exaustão principalmente pela literatura de cibercultura. Uma exploração que pode ser vista do trabalho de Mark Weiser, ainda em 1991, até recentes entendimentos sobre cartografia digital ou expressões musicais pela rede. Ainda assim, é possível buscar em algumas questões sobre internet e política local um hiato de pouca exploração. A busca por informação local na internet já é uma realidade consolidada, como mostra estudo de 2011 da Pew Internet Research. O instituto revelou que a internet é o terceiro meio de informação quando o assunto é política local, atrás da TV e do rádio, mas a distância já não é tão

grande48. Berger (2009) mostra que um estudo empírico em 2005 revelou que das 20 matérias mais lidas do jornal Seattle Times, apenas duas se referiam a assuntos internacionais.

Há diversos estudos, como veremos a seguir, que mostram iniciativas digitais que de fato diminuem o espaço entre políticos locais e seus representados. Mas nos vários debates sobre internet e política a questão do espaço é frequentemente negligenciada, pois a rede é tida como meio de ultrapassar barreiras físicas multinacionais. Chadwick (2006) explica que a política local é preservada por barreiras físicas óbvias, que separam o público dos membros políticos. Quando há protestos locais, continua o autor, as reivindicações são feitas nas ruas, numa tentativa de contato direto com aqueles que podem mudar a situação requerida, mesmo que o objetivo seja cumprido apenas parcialmente, com divulgação na mídia local. A utilização da internet nesse sentido derrubaria a barreira imposta mesmo no nível local, pois introduziria um novo input diante da classe política.

É possível entender a questão aqui levantada do viés do affordance (HAMPTON, 2010), que seria as capacidades percebidas de objetos, ambientes e tecnologias em geral. Como meio de comunicação, a internet foi entendida inicialmente como desterritorializante, isto é, a característica material das redes digitais é de propor comunicação sem vínculo físico a priori. Assim surge termos diversos para caracterizar esse aspecto da internet, como o ―espaço de fluxos‖ de Castells (2001). Mas essa premissa pode não ser a principal da internet:

Enquanto que distância é percebida como o affordance dominante da comunicação via internet, isso pode não ser o único affordance. Pesquisadores têm argumentado que quando um número grande de pessoas, com um ambiente local específico compartilhado, adota a internet, como uma vizinhança ou espaço de trabalho, eles cultivam uma maior conscientização de que a internet permite comunicação atrelada ao espaço local tanto quanto através de espaços distantes (HAMPTON, 2010, p. 1113)49.

Fica fácil entender, e até óbvio perceber, que não dá para privilegiar determinada característica da internet sobre outra – e assim é também no caso do valor de rompimento de barreiras mesmo em ambiente local. No caso de Castells, e sua noção de

48

Disponível em: http://www.journalism.org/analysis_report/local_news. A porcentagem exata é: TV local (28%), jornal local (26%) e internet (17%).

49 Tradução própria do original em inglês: ―Whereas distance is perceived as the dominant affordance of

Internet communication, it may not be the only communication affordance. Researchers have argued that when a critical mass of people within a shared local environment adopt the Internet, such as a neighborhood or workplace, they cultivate an increased awareness that the Internet affords communication within local space as much as it does across distant space‖

espaço de fluxos, é salutar rebater uma ideia subjacente de que o tal espaço de fluxos de sobrepõe ao espaço dos lugares, por assim dizer. A análise sistemática das relações sociais via internet feita por Castells falha ao não identificar o indivíduo em sua dimensão primeira: ―Pessoas são localizadas. E esse simples fato continua por influenciar as relações sociais‖ (GORDON, 2008, online), a partir de suas raízes locais, sua cultura compartilhada e seu modo de vida que, inevitavelmente, está fincada no local.

Por esse viés de análise, Gordon (2008) introduz a concepção de localidade em rede (network locality), que será visivelmente importante para o entendimento tanto dos casos apresentados na seção seguinte, quanto para entendermos de forma geral a posição defendida na dissertação. A premissa básica é de que as pessoas estão utilizando a internet para redefinir seus espaços, seja no âmbito da cultura, conhecimento ou entretenimento, seja no campo político (GORDON, 2008). A utilização das redes digitais altera a forma como as pessoas vêem seus locais; não uma alteração brusca e definitiva, mas um reordenamento de significados em constante mudança. ―A pessoa continua existindo em casa, no quarteirão, na vizinhança, na cidade, mas as relações entre usuário e informação usadas para construir esses conceitos é que mudaram‖ (GORDON, 2008, online).

A característica desterritorializante da internet rendeu muitas promessas, desde a de que é possível se informar sobre qualquer lugar do mundo a qualquer hora, até a ideia de que seria possível vivenciar experiências sociais a partir de costumes e práticas de outros países (BERGER, 2009). De fato, tudo isso é possível, mas é preciso entender que a internet é feita de práticas e apropriações – e essa lógica segue um caminho evolutivo. Se, num primeiro momento o fetiche diante da internet era de se conectar ao mundo, as apropriações que se seguiram também apontaram para outros vieses, isto é, entende-se que no âmbito local também é possível discutir política, por exemplo.

O governo britânico estabeleceu algumas metas a serem alcançadas pelos governos locais no quesito utilização da internet para participação local. Todas elas envolvem maior provimento de informação, disseminação de ideais e de cultura local, realização de consultas públicas e, de forma geral, mais participação. Como será analisado na próxima seção dessa dissertação, o relatório entende como premissa o fato da internet ser um instrumento de provimento de participação local – e, assim, carrega uma responsabilidade em desenvolver políticas públicas específicas a partir das redes digitais.

O projeto do governo envolve outras questões de e-democracia em âmbito nacional e até internacional, mas é preciso entender que as questões aqui levantadas já são tratadas no seio do poder institucional como fundamental para o crescimento da participação política nas cidades e regiões. Assim, não são só os cidadãos os beneficiados e os que devem se engajar, mas também os prefeitos, vereadores e membros dos governos locais.