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2 O LUGAR DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS NO PROCESSO ATUAL DE

2.3 Participação Popular

A participação popular é prevista na Constituição brasileira54 e sua eficiência nos setores da administração pública são temas discutidos nos trabalhos que analisam os processos de elaboração de projetos, planos e programas de governo. É o canal de comunicação entre os setores sociais e os governos, no qual a população pode manifestar os seus anseios, as suas necessidades.

Segundo Gohn (2007), a participação popular pode ser entendida de diversas formas, dentre elas a liberal (baseada nos pressupostos do liberalismo busca a constituição de uma ordem social que assegure a liberdade individual e a participação no fortalecimento da sociedade civil), a autoritária (orientada para a integração social da sociedade e da política, ocorrendo em regimes políticos autoritários de massa e nos regimes democráticos representativos), a democrática (tem como princípio a soberania popular e o conceito de participação é concebido como um fenômeno que se desenvolve na sociedade civil – movimentos sociais e organizações autônomas da sociedade – e no plano institucional – instituições formais políticas), e revolucionárias (participação estruturada em diversos coletivos organizados para lutar contras as relações de dominação e divisão do poder político).

As diversas formas de participação deram origem a diferentes interpretações, dentre elas a democrático/radical, que objetiva fortalecer a sociedade civil para a construção de

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O tema participação popular, muito pertinente nesse trabalho, já consta no rol dos interesses de pesquisa da autora desde a Iniciação Científica, projeto de pesquisa intitulado “O Lazer no Plano Diretor do Município de Cordeirópolis: demanda social ou ausência consentida”, financiada pelo CNPq, orientada pelo Professor Doutor Lino Castellani Filho, pela UNICAMP. O aprofundamento dessa pesquisa foi realizado no Trabalho de Conclusão de Curso, na mesma instituição.

BARANDÃO, Juliana Cristina. O Lazer no Plano Diretor do Município de Cordeirópolis: ausência social ou demanda consentida?. 2009. 101 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

BARANDÃO, Juliana Cristina. O Lazer no Plano Diretor do Município de Cordeirópolis. Motrivivência, Santa Catarina, v. 37, p. 171-189, dez. 2011.

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Art.1º - [...] Parágrafo único – Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).

caminhos para uma nova realidade social sem injustiças, exclusões, desigualdades. Nessa concepção, a pluralidade é fundamental, assim como os partidos políticos e os movimentos sociais, sem hierarquia e com múltiplos agentes da organização da participação. Os participantes desse processo são considerados sujeitos sociais, e não indivíduos isolados ou membros de uma classe social, pois a participação tem caráter plural, a linguagem utilizada nos espaços participativos é democrática (para efetivar a participação dos cidadãos, como são considerados) e ao estímulo de desenvolvimento dos meios democráticos de comunicação.

Para Rousseau (1968) apud Gohn (2007) o conceito de participação considera a ação direta de cada cidadão como uma tomada de decisão no processo, mas também como uma maneira de proteger os interesses privados e assegurar um bom governo. A participação aumenta o valor de liberdade do indivíduo, passando ele a ser seu próprio senhor.

Na teoria participativa, Pateman (1992), atribui como principal função da participação o caráter educativo que exerce sobre o indivíduo, tanto na aquisição dos conhecimentos práticos e teóricos dos processos democráticos e dos aspectos psicológicos, tornando mais preparado para futuras participações. Ou seja, quanto mais os indivíduos participam, mais eles se tornam capacitados a fazê-los, a se integrarem com comunidade e a aceitar as decisões coletivas, uma vez que se sente parte do processo. Segundo o autor, as instituições locais funcionam como importante campo de treinamento para a democracia, pois pode criar um senso de competência que se projeta a nível nacional.

Segundo Gohn (2007) a participação dos indivíduos nos processos de elaboração de estratégias e tomada de decisão começa a aparecer, no Brasil, na década de 1980, em propostas associadas aos movimentos populares com atuação das comunidades eclesiais de base, das oposições sindicais, de algumas categorias do funcionalismo público, de associações de moradores, entre outros movimentos sociais. A participação popular foi definida nesse período

como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições que controlavam a vida em sociedade civil organizada em movimentos e associações comunitárias. O povo, os excluídos dos círculos do poder dominante, eram os agentes e os atores básicos da participação popular (GOHN, 2007, p. 50).

A participação popular como forma de democratização do Estado e seus aparelhos tornou-se umas das principais demandas dos movimentos sociais, que buscavam esclarecer e ordenar as reivindicações e conquistas de determinados direitos e o estabelecimento de formas de atrair as forças políticas para que sustentassem as reivindicações e conquistas dos direitos. Era necessário determinar quais direitos deveriam ser conquistados e se organizar politicamente para sustentar esse movimento (GOHN, 2007).

A mobilização da sociedade civil era parte do plano de criação de uma cultura contra-hegemônica à ordem dominante, objetivando ocupar os aparelhos do Estado e redemocratizá-los. Segundo Gohn (2007), na década de 1980, várias conquistas se efetivaram tais como a constituição de um campo democrático no seio da sociedade civil, formada por movimentos populares (movimentos sociais pluriclassistas, como o de mulheres, negros) e Organizações Não governamentais (ONGs), desenvolvendo uma cultura de mobilização e de pressão direta como ação principal na viabilização e encaminhamentos das suas demandas. A abertura para novas práticas acarretou também o surgimento de várias dificuldades decorrentes de problemas da cultura política nacional, dentre eles a predominância dos valores como clientelismo, paternalismo, que privilegiavam interesses particulares e a descrença na eficácia das leis, porque usualmente as mesmas só eram aplicadas aos pobres e fracos, como mecanismo punitivo, a lei da vantagem, a naturalização da corrupção, do machismo, entre outros. Mesmo algumas lideranças não se pautando nesses valores e tentando buscar raízes democráticas, era muito difícil garantir a prevalência de novos valores e práticas num processo marcado por participação de diferentes matrizes político-partidárias.

O ideal presente nas políticas públicas de participação popular na década de 1980 era a incorporação das mesmas no planejamento administrativo, num processo de planejamento diverso do predominante nos anos 1970, marcado pela realização de projetos de cima para baixo e de dentro para fora. A reivindicação é da participação do povo nas decisões do poder político, e não na discussão do planejamento com técnicos (GOHN, 2007).

Para Soares e Soler (1992), a concretização das mudanças está associada ao reconhecimento das dificuldades e dos impasses das instâncias governamentais, em um processo dialético de pluralismo, marcado pelo confronto, pela negociação e pelo consenso. Segundo o autor, a participação gera impasses que podem vir a dificultar as mudanças pretendidas, nos prazos definidos, tanto pela administração pública quanto pelos movimentos sociais. É preciso que os movimentos sociais compreendam que a participação popular não elimina os conflitos, apenas os redireciona para outro patamar, para outra esfera de discussão.

Faz-se necessária a redefinição dos papéis tradicionais exercidos pelo Estado e pelos movimentos sociais. É preciso romper com o planejamento excludente e com a postura reivindicatória dos movimentos sociais associada a um não comprometimento com as soluções dos problemas apresentados.

Segundo Gohn (2007) o poder local deve ser visto como espaço de gestão político- administrativa e não como simples sede das elites, apesar dessas muitas vezes terem mais condições objetivas de participação e proposição de políticas públicas do que o restante da população. Sendo assim a participação popular é fundamental, pois provê informações e diagnósticos sobre os problemas públicos, gerando conhecimentos e subsídios à elaboração de estratégias para a resolução dos problemas e conflitos envolvidos.

Segundo a autora, a qualidade da participação pode ser mensurada pelo grau de informação (ou desinformação) dos participantes. O papel da participação, à medida que fornece informações aos indivíduos participantes os capacita à tomada de decisões e desenvolve uma sabedoria política. Eles contribuem para o desenvolvimento de competências e habilidades a partir das experiências que vivenciam. Nesse sentido, a participação contribui para o desenvolvimento político dos indivíduos, e, consequentemente, com a sua participação na vida política, do desenvolvimento com qualidade social da cidade.

As conquistas dos espaços de participação popular, institucionalizados ou não, estão sendo desrespeitadas na realização da Copa FIFA 2014, assim como os direitos sociais. O questionamento maior nesse momento se faz diante da ausência dos espaços democráticos

de participação popular na gestão da cidade, e não apenas dos efeitos negativos e/ou positivos que a organização dos megaeventos esportivos pode trazer à nação.

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