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2 O LUGAR DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS NO PROCESSO ATUAL DE

2.2 Sobre Sociedade Civil

Segundo Elaine Behring e Ivanete Boschetti (2010), a sociedade civil é organizada por forças políticas que interferem na política social, sendo possível identificar sujeitos coletivos que apóiam ou resistem a determinadas políticas e sua relação com os interesses de classe.

Nessa perspectiva, a democracia se configura como uma parte do processo histórico em permanente construção. Baseado em Umberto Cerroni e José Paulo Neto, Correia (2012) diferencia democracia entre democracia-método e democracia-condição social. A democracia-método é restrita aos mecanismos institucionais da implantação do regime democrático-liberal. A democracia-condição social relaciona-se a uma nova constituição social de caráter totalmente democrático. Essas determinações são construídas a partir da relação entre Estado e sociedade civil.

Nossa análise buscará delimitar as relações estabelecidas entre a sociedade civil e o Estado brasileiro no que diz respeito às políticas decorrentes da organização da Copa FIFA 2014, estabelecendo o limite imposto à consolidação da democracia, seja ela enquanto condição social e/ou método.

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Para uma discussão mais detalhada da sociedade civil e das organizações não governamentais e sua atuação/participação nas políticas de Esporte e Lazer, indicamos a leitura de Correia (2012).

Correia (2012), se apoiando em Gramsci relaciona a questão da democracia a partir dos termos sociedade civil e hegemonia. No qual, hegemonia é o estado de consentimento ativo que leva determinado grupo a seguir uma direção e dominação seria esse mesmo processo a partir da coerção física. Sociedade civil seria, nessa lógica, constituída por grupos organizados coletivamente a fim de evidenciar suas carências e reivindicar liberdade e justiça.

Continuando a se apoiar em Gramsci, mas agora no sentido de explicitação do conceito ampliado de Estado, Correia (2012) enfatiza a existência da sociedade civil e da sociedade política, e que as mesmas se relacionam mutuamente. A sociedade civil elabora e difunde as ideologias e sociedade política detém o monopólio legal da repressão e da violência. Segundo Correia (2012, p. 41-42):

Estado em sentido restrito derrota então os organismos atinentes à sociedade política, aos quais cabe o exercício da dominação por meio da coerção através dos aparelhos coercitivos de Estado. Através da sociedade política as classes dominantes detêm o monopólio legal da repressão e da violência enquanto a sociedade civil reúne as organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias.

Ideologia, nesse caso, não significa a ideia de falsa consciência, mas sim a ação direcionada a exercer influência no comportamento dos indivíduos. Isso é importante para a contestação de uma concepção de mundo imposta e a possibilidade de criação, de forma crítica e consciente, de outra concepção da realidade.

Tal construção autônoma é igualmente necessária à formação de uma nova hegemonia, o que detona a preocupação central das formulações gramscianas, qual seja, a superação das relações capitalistas por meio de uma transformação social de caráter totalizante.

Por tudo isso, a teoria gramsciana da ideologia é essencial à sua construção teórica acerca da hegemonia, pois é através da adesão a uma dada ideologia que se constrói uma situação hegemônica. A sociedade civil representa, nessa teoria, a arena na qual se dão as disputas pelo poder dentre diferentes concepções de mundo. (CORREIA, 2012, p. 42-43).

A partir da análise de Correia (2012), a esfera pública, no conceito de Gramsci de sociedade civil, representa o lugar de disputa do poder e da construção da hegemonia. Esse foi o mecanismo de consolidação da hegemonia burguesa, e poderia nesse caso, ser o

instrumento para a formação e consolidação de uma nova hegemonia, pautada na transformação das relações sociais existentes.

Os movimentos sociais existentes na década de 1980 possibilitaram uma nova concepção de política, a qual a participação não fica restrita apenas ao Estado e aos partidos políticos. Essa redefinição do espaço da política foi conquistada por meio da luta pelos direitos, questionamentos da desigualdade e da ausência de espaços democráticos. Desse movimento resultam muitos dos direitos garantidos na Constituição de 1988 e dos espaços de participação nas esferas públicas, dentre eles, os orçamentos participativos, os conselhos gestores de políticas públicas e conferências, mesmo que caracterizados por práticas clientelistas, populistas, corruptas.

Tais espaços são fundamentais à construção democrática na medida em que representam meios institucionalizados para que a sociedade civil possa exercer influência e disputar o poder sobre as decisões governamentais apresentando suas demandas, promovendo debates, discussões e intercâmbios entre diferentes grupos do conjunto da sociedade. [...] (CORREIA, 2012, p. 45-46)

Um dos movimentos surgidos nesse cenário e que influenciaram na elaboração da Constituição de 1988 na garantia de direitos sociais, dentre eles a moradia52, foi a Reforma Urbana, descrito anteriormente.

A partir das conquistas desse movimento, a gestão da cidade deveria ser democrática e pensada a partir da função social que exerce, respeitando os direitos sociais estabelecidos na Constituição de 1988. Não é esse o cenário vivenciado nas cidades sedes da Copa FIFA 2014 a partir da cidade de exceção, estabelecida a para a organização do evento.

O reconhecimento dos direitos constitucionais deveria ser a expressão jurídica de uma grande luta da população, de sua legitimidade, de melhorias das condições de vida, e mais, da possibilidade de participação na gestão da cidade. Mas a instauração da cidade de exceção, da racionalidade do espaço urbano, das decisões sem discussão nos espaços de participação, dentre eles conselhos, conferências atacam a legalidade da cidade. Ela vem

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Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988).

para retirar os direitos garantidos, por lei, da população excluída do processo de urbanização brasileira.

Mascarenhas (2007) vai questionar os canais de participação da sociedade civil na gestão da cidade e o volume total de investimentos públicos inseridos na organização dos megaeventos esportivos. A sociedade civil é alijada, pelo poder público municipal, de todo o processo decisório, a despeito de suas reivindicações constantes de participação, no caso mais específico dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro.

O autor vai retomar a desconstrução das diretrizes gerais dos Planos Diretores pelo poder público local, que através de concessões do legislativo municipal, superam entraves legais do aparato burocrático-institucional e dos marcos jurídicos que regulam a gestão da cidade. “Ao que parece, estamos diante de um processo que se insere no emergente modelo neoliberal de gestão empresarial da cidade, através da conhecida estratégia de formação de ‘instâncias decisórias fugazes e excepcionais’” (MASCARENHAS, p. 2, 2007).

A produtividade e a competitividade orientam os principais parâmetros da questão urbana, não mais concebida enquanto desafio ao enfrentamento da injustiça social. No contexto da crise fiscal e da destruição das políticas de redistribuição de renda e de investimento em políticas sociais, a redução do poder e recursos governamentais e a instabilidade dos territórios aumenta a competitividade dos lugares pela atração de investimentos privados. Essa disputa é denominada por muitos autores de “guerra dos lugares”, mas segundo Mascarenhas (2007), é uma metáfora, pois a disputa é entre as classes dirigentes que, em favor de seus interesses particulares, competem pelos recursos públicos.

As candidaturas para sediar eventos são estabelecidas pelos governantes sem a participação da população nessa decisão, assim como os demais desdobramentos a partir da organização dos mesmos, seja alterações da Carta Magna (Leis Infraconstitucionais para a realização dos eventos), alteração do planejamento urbano, execução de obras, desapropriações, consórcios com a iniciativa privada, investimento na infraestrutura de estádios, sistema viário, sistema aéreo, hotelaria, construção civil, remoções da população

local, favorecimento do capital imobiliário em detrimento da população urbana sem recursos para prover sua moradia.

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