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Participantes das entrevistas: quem são elas(es)?

No documento marianadealmeidapinto (páginas 75-80)

CAPÍTULO 3. Percurso metodológico

3.3. As etapas da pesquisa

3.3.3. Participantes das entrevistas: quem são elas(es)?

Participaram das entrevistas dez pessoas atendidas pelo CRAS-Centro de Juiz de Fora. A definição do número de participantes foi feita pelo critério de exaustão/saturação dos dados, estabelecido a partir da percepção da repetição do conteúdo, possibilitando a análise do material sem grandes perdas, tendo em vista os objetivos da pesquisa. Estabelecemos como único critério de participação/inclusão pertencer a uma família acompanhada no serviço, ou seja, que possui vínculo a algum programa social, de modo a contribuir para a investigação do eixo correspondente à relação estabelecida entre sujeito e política. Apenas um dos participantes não possuía acompanhamento na unidade, contudo, devido à riqueza do material obtida na entrevista e ao fato de possuir uma trajetória na política de assistência social, decidimos por não descartar sua participação na pesquisa.

As entrevistas tiveram duração entre vinte minutos a uma hora e cinquenta minutos. A idade das(os) participantes varia de 29 a 51 anos e o tempo de acompanhamento na unidade e/ou que está referenciado na política de assistência social tem variação de 1 a 10 anos13 (com exceção do participante citado anteriormente). O perfil majoritário do público da política de assistência social, em termos de (desigualdade de) gênero e raça, refletiu-se, indubitavelmente, em nossa pesquisa: 80% são mulheres e apenas 20% do total se declaram brancos. A tabela a seguir apresenta maiores informações demográficas e socioeconômicas das(os) participantes, cuja coleta foi realizada a partir dos dados do CadÚnico e das entrevistas realizadas. Cabe

13 Clara: 1 ano; Luiz: 1 ano; Júlia: 2 anos; Camila: 2 anos; Célia: 4 anos; Rosa: 8 anos; Márcia: 9 anos; Joana: 10 anos; Ângela: 10 anos.

salientar que os respectivos nomes são todos fictícios, afim de garantir o anonimato das(os) entrevistadas(os).

Tabela 1

Dados demográficos e socioeconômicos das(os) participantes

A “escolha” dos(as) participantes foi decorrente da inserção e acompanhamento das atividades diárias do CRAS-Centro, contando com o decisivo papel da equipe profissional. Conforme observado a partir do diário de campo, por diferentes motivos, a presença da população atendida no CRAS era momentânea e pontual, o que dificultou um maior contato, conhecimento e aproximação para com a mesma. Pouco pudemos aprofundar na trajetória de vida das pessoas que, gentilmente, confiaram a nós seus relatos por meio das entrevistas.

Nome Ida

de

Etnia Bairro Estado

Civil Religião Renda Familiar per capita Programa Social

Rosa 45 Preto Parque das Águas

- Evangélica R$142,00 PBF, PSA e BPC Clara 40 Branco Amazônia Casada Evangélica R$150,00 PBF e PSA

Rodrigo 42 Preto Monte Castelo Solteiro - Ø -

Ângela 31 Preto Dom Bosco Solteira Evangélica Ø PBF e PSA

Camila 36 Preto Parque das Águas

Casada Evangélica R$24,50 PBF e PSA

Célia 51 Pardo Parque das Águas

Solteira Católica R$66,00 PBF e PSA

Júlia 30 Branco Cerâmica - - R$74,50 PBF e PSA

Márcia 32 Preto Santa Cecília Casada - Ø PBF e PSA

Joana 29 Preto Esplanada - Católica Ø PBF e PSA

Luiz 51 Pardo Parque das Águas

Dessa forma, tendo a ciência dos objetivos de nosso estudo, as(os) participantes da pesquisa, em sua maioria, foram indicadas(os) e/ou convidadas(os), inicialmente, pelas profissionais. As entrevistas aconteceram no período em que as(os) mesmas(os) estiveram na unidade para atendimento. Percebemos que agendar uma entrevista e, com isso, fazer com que a pessoa saísse de sua casa (envolvendo todos os custos de tempo, dinheiro etc.) apenas com essa finalidade era, totalmente, ineficaz. Ou, pelo menos, quase. Foram quatro tentativas de agendamento em que, dessas, três pessoas não compareceram.

Ângela foi a exceção. Sua presença no CRAS é bastante frequente. Justamente, por isso, fiz o convite após um grupo do PSA e, já no dia seguinte, ela estava presente na unidade com a intenção única de participar da pesquisa. Desceu a pé de sua casa. “Agora o povo vai me

conhecer”, disse, orgulhosa, no término da entrevista que durou quase duas horas. As

entrevistas revelam pontos semelhantes e outros muito particulares de cada um(a) que delas participou. Abaixo, faremos uma breve apresentação das(os) dez participantes da pesquisa.

Ângela foi a única com quem tive a oportunidade de trocar conversas para além da entrevista e conhecer um pouco mais de sua história. É mãe de cinco filhos, solteira e lésbica. Enfrenta muitas barreiras e preconceitos por assumir sua sexualidade. Realizou dois partos em casa, um deles sozinha; se considera uma mulher independente. Antes de chegar ao CRAS, se prostituía. Busca acompanhar os noticiários e manter-se informada sobre temas relacionados à política, embora considere que os conteúdos abordados, por vezes, gerem desgosto e apatia.

Rosa foi a minha primeira entrevistada. Com a fala serena, baixa e um pouco comprometida devido à ocorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), relata as situações já enfrentadas com sua família de seis filhos diante da pobreza e das desigualdades.

“(...) Às vezes eu dormia até com a minha filha debaixo de marquise”. Ainda assim, acredita

Clara, por sua vez, demonstra um pouco mais de pessimismo diante da realidade brasileira, ainda que mantenha firme seus sonhos e esperanças. Começa e termina nossa conversa falando sobre o seu marido e a luta por emprego. “Desculpa falar mais um pouco, né,

do meu marido”. Clara tem dois filhos e considera que o PBF contribui para que ela tenha mais

autonomia financeira na casa, sendo que, no geral, já assume as responsabilidades da família.

“Se eu não tomar a rédea, a frente, nada ia acontecer também”.

Rodrigo foi o terceiro entrevistado, sendo o primeiro homem. Sua entrevista foi a segunda mais demorada, com pouco mais de uma hora. É pai, já passou por alguns divórcios e está desempregado, sustentando-se a partir de “bicos”. Atualmente, busca, no CRAS-Centro, inclusão no BPC e no PSA. Em um conflito familiar, levou cinco tiros que o deixou em coma por sete dias e com sequelas que o comprometem (ainda mais) a conseguir e se manter em um emprego. Embora não esteja inserido em nenhum programa social pelo CRAS-Centro, na época em que morava com sua ex-esposa e filho, sua família recebia o PBF. Assim, ele já possui uma trajetória na política de assistência social, embora sua esposa tenha sido a referência e assumido a “função” na casa.

A entrevista com Camila, por sua vez, foi mais breve. Assim como Rosa, teve um AVC que a deixou com sequelas. “Eu esqueço muita coisa”. Ainda assim, ao partilhar sobre sua vida e suas visões de mundo, trouxe ricas contribuições para a nossa pesquisa. Camila tem sete filhos, recebe o Bolsa Família e conta que, de vez em quando, faz faxina para auxiliar no sustento da casa. Chorou ao final da entrevista ao falar (e remoer) sobre os seus sonhos.

Célia retornou ao CRAS-Centro há cerca de um ano. Foi quando voltou a morar no Parque das Águas14, em Monte Castelo. Havia se mudado depois que seu filho foi assassinado

14 “Parque das Águas” é um conjunto habitacional do Programa “Minha Casa, Minha Vida” localizado no bairro Monte Castelo, na região Norte da cidade. O empreendimento iniciou-se em 2012 e, atualmente, abriga 565 famílias, sendo o maior do tipo em Juiz de Fora (Cassab & Pinto, 2013).

no bairro. “Ele tava indo pra casa, aí ele e uns menino, aí era pra dar tiro no outro menino e

pegou nele (...) Eu tenho depressão até hoje”. Além da depressão, Célia sofre inúmeros

preconceitos por ser portadora de HIV. “Meu marido era usuário de drogas injetável e eu não

sabia, aí ele passou pra mim (...) Eu nunca na minha vida imaginaria que meu marido, vivia dentro de casa comigo, ia fazer o que fez comigo”.

Júlia participou da entrevista acompanhada de um de seus cinco filhos que, com seis anos de idade, tem diagnóstico de hiperatividade e transtorno afetivo bipolar. Ela deixou Santos Dumont/MG, sua cidade natal, para procurar emprego em Juiz de Fora. “Eu vim pra cá, não

vim porque eu gosto daqui, pra morar, nem nada. Eu vim foi atrás de serviço”. Recorre ao

CRAS devido à dificuldade em trabalhar por não ter quem (leia-se: políticas públicas) assegure os cuidados (processo educacional e formativo) dos filhos.

A entrevista com Márcia foi a mais breve de todas. “Sou meia tímida”. Foi convidada após um grupo do PSA e, com certo receio inicial, topou participar. Através de poucas palavras, conta sobre a situação de desemprego dela e seu marido, sobre ter retornado aos estudos com o curso de enfermagem; sobre sua realidade. Traz, também, suas percepções sobre a política brasileira. “Votei no Haddad (...) Meu marido também, todo mundo que eu conheço votou no

Haddad”.

Joana, penúltima entrevistada, tem uma longa trajetória na política de assistência social, acessando toda a rede de proteção social, da básica à especial (de média e alta complexidade). Afirma que, em sua família, “todo mundo tem uma participação no CRAS”. É negra, tem cinco filhos e, ao longo da entrevista, relata diferentes situações em que foi discriminada, segundo ela, por sua “aparência”. Aposta na fé e na oração, embora não frequente igrejas e não se restrinja a nenhuma religião.

A entrevista de Luiz, bem como sua vida, é, também, fortemente marcada pela crença religiosa. Partilha de Joana a opção de não frequentar igrejas. Sua presença no CRAS é recente:

“(...)antigamente quem recebia pros meus filhos era minha esposa, só que ela morreu, e eu que tomei conta deles agora”. É de São Bernardo do Campo e fala, brevemente, do tempo em que “vendia cafezinho pro Lula”. Hesitou, de início, a falar sobre os sonhos que carrega e, assim,

como Camila, se (e me) emocionou. Terminou a entrevista com uma preocupação levantada antes de começarmos: “Você desculpa se falei alguma coisa errado, alguma palavra”. Também, no final, reafirmou sua humildade, religiosidade e solicitude: “Se precisar nós

estamos aí. Aqui, aí você fica com Deus, viu?!”.

No documento marianadealmeidapinto (páginas 75-80)