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4 NOMINALISMO DE CATEGORIAS

4.1 Formas esquemáticas de sentenças

4.1.4 Particulares paradigmáticos

Intuitivamente falando, a noção de um particular paradigmático comumente ocorre no uso da linguagem ordinária como uma referência paradigmática, ou o exemplo “perfeito”, de alguma coisa. Ou seja, podemos usar instâncias concretas para exemplificar de forma paradigmática certas características. Por exemplo, o moto perpetuo de Nicolo Paganini é frequentemente utilizado como uma referência paradigmática do virtuosismo musical. Outros exemplos intuitivos podem ser mesmo encontrados na definição de propriedades por meio de particulares paradigmáticos, tais como a propriedade de ser Coltraneano, significando que o músico em questão possui a capacidade de improvisar sobre harmonias complexas de mudanças rápidas. Aqui, John Coltrane é o particular paradigmático para essa propriedade, e todas as pessoas as quais o termo “Coltraneano” é atribuído o são por estas assemelharem-se ao particular paradigmático. Enfim, podemos encontrar, no uso da linguagem ordinária, inúmeros exemplos que caracterizam a noção intuitiva de um particular paradigmático.

Uma intuição metafisicamente ruim sobre isso é a seguinte: um particular paradigmático seria uma entidade 𝑥 com uma propriedade 𝑃, mas, diferente de todas as outras entidades com a propriedade 𝑃, 𝑥 instanciaria 𝑃 de um modo perfeito. Todas as

outras entidades com a propriedade 𝑃 assemelham-se a 𝑥, que representa a essência de 𝑃, de modo que todas as outras entidades possuem a propriedade, mas, de maneira imperfeita. Assim, se a propriedade é vermelhidão, o particular paradigmático 𝑥 seria algo perfeitamente vermelho, e a uma entidade 𝑦 seria atribuída o termo “vermelho” se, e somente se, ela se assemelhasse a 𝑥.

Entretanto, a noção de particular paradigmático possui uma descrição um pouco mais aceitável na visão de H. H. Price. Rodriguez-Pereyra (2002, p. 124) faz uma distinção dentro do nominalismo de semelhança, a saber, o nominalismo de semelhança igualitário e o nominalismo de semelhança aristocrático. A diferença se daria nas concepções de estruturas de semelhança nas classes de propriedades. Classes de propriedades aqui seriam, de acordo com Rodriguez-Pereyra (2002, 4.2), classes cujos membros são todos e somente aqueles particulares compartilhando uma propriedade. Na posição igualitária do nominalismo de semelhança, como é de se esperar pela terminologia, todos os membros dessa classe possuem o mesmo status. Já na posição aristocrática do nominalismo de semelhança existem, nessas classes de propriedades, um ou mais pequenos grupos de particulares privilegiados. Dentre os possíveis exemplos de nominalismo de semelhança aristocrático, o principal é o apresentado por Price (1953). A terminologia igualitário/aristocrático é encontrada no supracitado texto de Price, e é justamente de lá que Rodriguez-Pereyra tira a sua terminologia para distinguir os dois tipos de nominalismo de semelhança. No entanto, Price utiliza o termo ‘igualitário’ para se referir à filosofia dos universais (realismo), deixando o termo ‘aristocrático’ para se referir à filosofia da semelhança. Como Price mesmo explica:

Ambas as partes concordam que há uma classe de objetos vermelhos. A questão é, que tipo de estrutura uma classe tem? (...) De acordo com a Filosofia dos Universais, uma classe é, por assim dizer, uma promíscua ou igualitária aglutinação. Todos os seus membros têm, por assim dizer, o mesmo status. Todos são instâncias do mesmo Universal, e nada mais pode ser dito. Mas, na Filosofia de Semelhanças uma classe possui uma estrutura mais complexa do que isso; não igualitária, mas aristocrática. Cada classe tem, por assim dizer, um núcleo, um anel interno de membros-chave, consistindo de um grupo pequeno de objetos padrões ou exemplares. Os exemplares para a classe de particulares vermelhos podem ser um certo tomate, um certo tijolo, e um certo pos-box Britânico (PRICE, 1953, p. 20, tradução nossa).

Note que o que a Filosofia de Semelhanças de Price é exatamente o nominalismo de semelhança aristocrático de Rodriguez-Pereyra. Seguindo Rodriguez- Pereyra e Armstrong (1978a, pp. 45-46), nós vamos chamar os objetos padrões ou

exemplares de Price de paradigmas. Como é algo fácil de constatar, os paradigmas possuem um papel essencial no nominalismo de semelhança aristocrático, desde que as classes de propriedades são determinadas por eles, ou seja, todos os particulares que se assemelham aos paradigmas, em algum certo sentido ou maneira, pertencem à classe em questão. Talvez seja desnecessário dizer, mas para evitar qualquer problema, note que os paradigmas são particulares. Dessa forma, paradigmas e particulares paradigmáticos são a mesma coisa. Note também que, pelos motivos expostos acima, todas tais classes devem possuir paradigmas, como Price mesmo diz

De acordo com a Filosofia de Semelhanças, não pode existir uma classe a menos que existam objetos exemplares que mantenham a classe junta (...) Na Filosofia dos Universais, o que mantém a classe junta é um universal (...) Na Filosofia de Semelhanças (...) o que mantém a classe junta é um conjunto de membros nucleares ou padrões. Qualquer coisa que possua um grau suficiente de semelhança com esses membros é, assim, um membro da classe; e ‘assemelhar-se suficientemente a eles’ significa ‘assemelhar-se a eles tal como eles assemelham-se uns aos outros’ (PRICE, 1953, pp. 21-22, tradução nossa).

Armstrong (1978, p. 47) e Raphael (1955, p. 114) ressaltam, no entanto, que ‘assemelhar-se tal como’ deve significar ‘assemelhar-se pelo menos tal como’, ou seja, ‘pelo menos ao mesmo grau como’. O motivo disso é que, por exemplo, considere os paradigmas vermelhos. Dado como Price coloca, nenhum outro tomate poderia pertencer à classe, tendo em vista que tal tomate assemelhar-se-ia com o tomate paradigma mais do que com o tijolo e o pos-box Britânico. Assim, nenhum tomate satisfaria a condição de assemelhar-se aos paradigmas tal como eles (os paradigmas) assemelham-se uns aos outros. Dessa forma, seguindo Rodriguez-Pereyra, vamos tomar a posição de Price como sendo aquela segundo a qual as classes possuem como membros os particulares que se assemelham aos paradigmas pelo menos tal como os paradigmas assemelham-se uns aos outros. Portanto, podemos dizer que, em geral, o Nominalismo de Semelhança Aristocrático é a posição que sustenta o seguinte: para cada propriedade 𝐹, a classe dos 𝐹-particulares tem alguns paradigmas. Note que, desde que a visão sustenta a não existência de universais, sem os paradigmas, como dissemos, não existiria nada que mantivesse a classe junta. Vamos manter em mente, então, que para Price, o que faz um particular ser 𝐹 é que ele assemelha-se a 𝐹-paradigmas pelo menos tal como eles (os paradigmas) assemelham-se uns aos outros. Nós, agora, vamos mostrar como a teoria das categorias trabalha no que diz respeito a particulares

paradigmáticos. O resultado será a construção de formas esquemáticas da noção de particular paradigmático22.