• Nenhum resultado encontrado

O Partido Comunista Brasileiro

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL (páginas 94-97)

Capítulo III – A Arte Engajada no Brasil

3.2 Os rebatimentos da antidemocracia no “mundo da cultura”

3.2.2 O Partido Comunista Brasileiro

Um outro ponto crucial na esfera da cultura ligada às questões políticas e às organizações de esquerda foi a organização cultural dentro do Partido Comunista Brasileiro, PCB. A título de uma breve recordação sobre a formação do partido, resgatamos que ele foi fundado em 1922, em um congresso operário em Niterói, ainda na efervescência do Outubro russo de 1917, data legitimada como o momento da revolução – lembrando que este processo vinha sendo construído desde antes.

Em solo brasileiro, a formação do PCB coincide também com o declínio da influência anarquista no Movimento Operário, que até o momento desempenhava um papel dirigente nas primeiras lutas populares (BNM, 1985). O partido manteve-se na ilegalidade ao longo do período da autocracia burguesa, e com pleno estímulo das atividades culturais. Em 1962 forma-se a dissidência do PCB, originando o PC do B, por ocasião de divergências quanto ao modo de alterar as relações entre Estado e sociedade civil.

Em sua trajetória, o PCB “sempre defendeu um programa de transformações tendentes a desenvolver um capitalismo nacional, visto como pressuposto para futuras lutas em direção ao socialismo” e igualmente defendia que isto se daria face à organização de vários setores da sociedade civil – operários, camponeses e a burguesia nacional – para dar processo à guerra de posição frente ao imperialismo e aos latifundiários (BNM, 1985). Nos anos 60, o partido claramente propõe uma estratégia para a transição, sendo acusado de reformismo, causa principal do “racha”.

(...). Discutia-se um modelo de revolução, e como se chegar a ela. Pelo menos duas concepções se chocavam. Uma entendia a revolução como ruptura violenta, isto é, como uma explosão desencadeada por uma vanguarda que, ao ser logo substituída pela classe operária, criaria uma sociedade nova e um homem novo. Defendiam essa concepção as organizações que já se preparavam para a luta armada e os setores estudantis e culturais a ela ligados.

A outra posição, defendida pelo PCB, via a revolução não como um objetivo imediato, e sim como um lento processo, que poderia até culminar com uma ruptura, desde que fosse o resultado da gradual organização da sociedade civil e da acumulação de forças. (VENTURA, 1988: 62).

As perspectivas de mudança da relação Estado e sociedade civil no Brasil, à luz das diretrizes pecebistas, dividiam o debate da esquerda em revolução e reforma. O

grupo que compreendia que as desigualdades no Brasil só seriam superadas face à tomada do poder pela luta armada era considerado radical, enquanto que a linha defendida pelo PCB consistia em um processo de organização da sociedade civil visando ao acúmulo de forças para uma possível ruptura, ponto de chegada de uma reforma lenta e gradual.

Por conta destas posições, os militantes eram tachados de revolucionários, quando compactuavam com a idéia da ruptura promovida pela organização armada, ou eram qualificados de reformistas, quando suas idéias se aproximavam das do “partidão conciliador”74.

Entretanto, o que nos interessa aqui não é incorrer em uma análise sobre o PCB, até porque há vasta literatura que o faz. Nossa proposta é compreender o engajamento dos artistas e a contribuição que a organização de cultura do PCB trouxe para este processo.

As diretrizes do PCB75 em relação à cultura brasileira e à preocupação com a criação de uma nova hegemonia na cultura brasileira, de cunho nacional-popular, permeiam as propostas do partido desde seus primeiros anos.

O clima favorável à democratização da vida cultural aberto em 1945 sofreu altos e baixos (basta pensar o fechamento do PCB em 1947, no clima de guerra-fria que marca o Governo Dutra), mas pode-se dizer que a tendência no sentido de uma democratização geral da vida brasileira continua a se impor, ampliando-se bastante no final do período pré-1964, sobretudo a partir do governo Kubitschek. Mas, mesmo assim, ainda são pouco sólidas as raízes de um novo caminho (democrático) para a vida nacional, e de uma nova hegemonia (nacional-popular e não mais elitista) na cultura brasileira. (COUTINHO, 2000: 31).

74 Maneira pela qual em algumas vezes o PCB está citado nas obras que utilizamos para pesquisa

histórica.

75 Carlos Nelson Coutinho em análise sobre a cultura e a sociedade brasileiras pondera sobre momentos

centrais da história política, social e econômica brasileira, dentre os quais a relação do PCB com a cultura democrática: “Esses embriões de sociedade civil, esses pressupostos de uma autonomia cultural, favorecidos ademais pela situação internacional, apareciam de modo mais claro em 1945, com a redemocratização do país. Fato significativo é que, pela primeira vez, o Partido Comunista do Brasil, legalizado, torna-se um partido de massas; e revela, na época, compreender melhor do que em 1935, embora de modo ainda insuficiente, a importância da luta democrática, do fortalecimento da sociedade civil nos combates pelo socialismo em nosso país. Os sindicatos operários, embora continuassem atrelados à tutela do Ministério do Trabalho, começam a ter um peso crescente não só nas lutas econômicas, mas inclusive na vida política nacional. Também as camadas médias buscam formas de organização independentes, nos partidos e fora dos partidos: escritores, advogados, jornalistas criam associações para a defesa de seus interesses e de seus ideais. Tudo isso amplia o campo da organização material da cultura; uma ampla e muitas vezes fecunda batalha das idéias começa a ter lugar entre nós. Há um acentuado empenho social da intelectualidade, um maior comprometimento com as causas populares e nacionais.” (COUTINHO, 2000: 30)

Celso Frederico (2004) nos registra que Astrogildo Pereira, publica o primeiro artigo de Lukács na revista Estudos Sociais 5, publicação esta de grande veiculação e inspiração para os comunistas. O professor nos aponta que a jovem intelectualidade emergida no PCB76 não se configurava uma nova proposta á direção do partido, pois estes se concentravam principalmente no campo da política cultural, conseguindo uma relativa autonomia de trabalho já que “não ‘incomodavam’ a direção do partido”.

Nos anos 60, há inflexões no Comitê Cultural do PCB que abre possibilidade de ampliação de suas proposições e debates (RIDENTI, 2000). As propostas dos Centros Populares de Cultura também adentram o Comitê Cultural do partido.

Havia comitês culturais do PCB em várias cidades, antes e depois de 1964. As observações sobre o comitê do Rio de Janeiro – então a capital cultural do país – são genericamente válidas para os demais comitês. A presença cultural do PCB era relevante nas principais capitais brasileiras, especialmente no início dos anos 60, em que a agitação política e cultural não se restringiu ao eixo Rio-São Paulo. Recife – conhecida como cidade vermelha, pela sua tradição comunista em Pernambuco, que era governado por forças de esquerda, aliadas em torno de Miguel Arraes, por ocasião do golpe de 1964 – foi cenário de um amplo e diferenciado movimento popular, (...). Salvador, Porto Alegre e outras cidades também viveram intensamente a agitação político-cultural de esquerda nos ano 60, cujos ecos ainda se fariam sentir por muitos anos (Idem, 74).

Belo Horizonte foi outra cidade de grande efervescência nos movimentos da arte engajada de resistência cultural à ditadura – cineclubes, teatros experimentais, universitário, jornais, livrarias –, e com grande articulação dos estudantes do ensino médio e o PCB, no qual militou com evidência Izaías Almada. Os integrantes do Clube da Esquina – Milton Nascimento, Fernando Brant, Márcio Borges, Wagner Tiso e Ronaldo Bastos como destaques – sobressaiam tanto por sua qualidade artístico- musical quanto por suas canções de protesto (RIDENTI, 2000).

Quem cala sobre teu corpo consente na tua morte

76 “A convivência era facilitada pela estreita afinidade entre a política geral do PCB e a linha lukacsiana

imprimida ao trabalho intelectual. Basta lembrar aqui que a política cultural de Lukács é um desdobramento da política de frente, exposta pela primeira vez em 1929 nas "Teses de Blum", a qual, por sua vez, guarda algumas semelhanças estratégicas com a linha desenvolvida pelo PCB após 1958. Por isso, a direção do partido usou dos recursos que tinha (presenças nas editoras, jornais, cursos e palestras em entidades de massa etc.) para promover ao máximo alguns desses intelectuais, que logo ficaram amplamente conhecidos pelo público, desfrutando de uma notoriedade em boa parte devida à ação subterrânea do partido.”

talhada a ferro e fogo na profundeza do corte que a bala traçou no peito quem cala morre contigo mais morte que estás agora77

Conforme os relatos, os Comitês Culturais do PCB estavam amplamente disseminados em nível nacional, salvaguardando as particularidades de cada região. Uma relativa autonomia era resguardada nas manifestações artístico-culturais dentro do partido, e nítida a relação entre os comitês do PCB e os CPCs da UNE.

No documento DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL (páginas 94-97)