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Ao findar a guerra civil em São Paulo, as forças apoiadoras do Governo Provisório de Vargas e ligadas direta e indiretamente ao tenentismo convocaram um congresso para que lhes fosse conferida maior uniformidade de ação e de ideais.

Dainis Karepovs41 considera que a Revolução de 1930 marca a entrada em cena de maneira irreversível das massas populares, o que já vinha se iniciando desde os levantes tenentistas de 1922. Consideramos, baseados em extensa bibliografia estudada e em parte citada, além dos resultados de pesquisas, que as massas populares, principalmente na forma do movimento operário, já vinham ocupando gradualmente os espaços públicos, embora houvesse momentos de avanço e outros de retrocesso, a partir de severa repressão policial e jurídica sobre os militantes proletários em diversas localidades do país. As greves parciais e as grandes greves, as manifestações de 1.º de Maio, as publicações periódicas e os Congressos Operários são provas disso. São manifestações públicas de massa que na maioria dos casos tiveram caráter reivindicatório e algumas vezes, revolucionário.

Edgar Carone42 aponta avanço do reformismo que, embora se colocasse mais na perspectiva das eleições constituintes de 1933, representou a criação de diversos partidos socialistas ou social-democratas após o Congresso Revolucionário de 15 a 25 de novembro de 1932, no Rio de Janeiro. O autor cita que muito da iniciativa de criação desses partidos socialistas e social-democratas estaduais devia-se ao esforço de se fazer frente às oligarquias nas eleições para Constituinte em maio de 1933. O principal deles foi o Partido Socialista Brasileiro.

Karepovs comenta que desde a vitória da Revolução de 1930, em São Paulo, os tenentes já desconfiavam de seus aliados do Partido Democrático, ligeiramente mais

41 KAREPOVS, Dainis, “PSB-SP: Socialismo Tenentismo na Constituinte de 1933-34”, In: Esboços, revista

do programa de pós-graduação em história da UFSC. Florianópolis, 2006, n.º 16.

liberais que a matriz da qual cindiram, o conservador Partido Republicano Paulista. Desde então, procuraram organizar associações de massa com tendências partidárias, como a Legião Revolucionária – embora isso fosse uma prática disseminada em vários estados no início de 1931 – que se tornou depois o Partido Popular Paulista. Segundo ele, no início de 1932, homens como Zoroastro Gouveia já propunham a fundação de um partido socialista. A guerra civil iniciada em 9 de julho desse ano interrompeu essa iniciativa e, logo após seu término, novamente se retomou a discussão.

Desde os fins do movimento constitucionalista e da guerra civil, os revolucionários, entendidos como os homens que apoiaram os levantes tenentistas, principalmente o de 1924, em São Paulo, saídos das “cadeias da Paulicéia”, outros “voltando do Rio de Janeiro e os que estiveram nas frentes de combate” se reuniram diversas vezes com o objetivo de formar uma “união da família revolucionária” e estabelecer uma ideologia que atendesse aos seus desígnios. Nessas reuniões realizadas no Centro Republicano Português, Zoroastro Gouveia leu o “Manifesto Programa do Partido Socialista de São Paulo”43. Participaram dessas reuniões representantes das

seguintes entidades: Partido Popular Progressista, Clube 5 de Julho, Clube 3 de Outubro, Legião Cívica 5 de Julho de São Paulo, Centro 1.º de Setembro, Federação Sindical Proletária do Estado de São Paulo e dissidentes do Partido Democrático. Todos foram convidados pela Legião Cívica 5 de Julho do Rio de Janeiro a participar do I Congresso Revolucionário Brasileiro a realizar-se entre 15 e 25 de novembro de 1932. O objetivo, segundo Karepovs, era unificar as forças vinculadas ao tenentismo e favoráveis ao Governo Provisório.

Participaram efetivamente do I Congresso Revolucionário Brasileiro, representantes das seguintes organizações: Clube 3 de Outubro, Legião Cívica 5 de Julho, Legião Paranaense, Legião Revolucionária de São Paulo, Partido Liberal Socialista de São Paulo e Ação Integralista Brasileira44.

Inicialmente, segundo Carone, isso faria parte da pressão dos tenentes de esquerda ou “socializantes”, mas também era uma manobra oportunista para tentarem aproximar-se de bases operárias e de classe média, com intuito de recompor as bases da Revolução apoiadas pelo Clube 3 de Outubro. Para o autor, vários dos ex-participantes da Legião Revolucionária de 1931, apoiada por João Alberto, aderiram ao novo partido, inclusive Juarez Távora.

43 Luta Social, n.º 9, de 27/01/1934, p. 1. 44 KAREPOVS, Dainis, op. cit., p. 171.

Esse congresso, além da ruptura da direita por parte da AIB, não teve o comparecimento do Partido Socialista Radical de São Luiz do Maranhão, liderado por Reis Perdigão, antigo membro da Coluna Paulista, que o criticou e propôs um programa mais radical de esquerda45, quando considera que a Revolução no Brasil deveria ser “do tipo agrário anti-imperialista”. Em 1932, ele defende a estatização do solo e do subsolo, confisco da terra, não reconhecimento da dívida externa e estatização das empresas e indústrias, igualdade entre homem e mulher, obrigatoriedade da organização sindical. “Politicamente, ‘o país terá um governo oriundo das massas trabalhadoras e se denominará: República Socialista dos Estados Federados do Brasil’”, o “governo será exercido por um congresso de trabalhadores, órgão supremo do poder no país e, nos intervalos das legislaturas, pelo Comitê Executivo Central”46.

Em suas memórias, Juarez Távora declara a respeito desse congresso:

“Eleito 1.º vice-presidente do Congresso, tive, na realidade, de arcar, quase constantemente, com as responsabilidades de sua presidência, já que Pedro Ernesto, eleito presidente, quase nunca podia comparecer às sessões, devido às suas ocupações como interventor do Distrito Federal. Isso me tolhia, gravemente, a atividade de discussão, que gostaria de ter tido, no plenário, para defender as teses do Clube 3 de Outubro, contra o radicalismo de elementos socialistas, que, logo de início, entraram em conflito com outros de direita – especialmente os da Ação Integralista, que acabaram abandonando o Congresso, apesar dos apelos à moderação que fiz ao plenário.

A partir daí, a tendência à radicalização socialista foi-se acentuando, até o encerramento do Congresso, em cuja última sessão foi apresentada a moção no sentido de declarar-se o Partido Socialista Brasileiro como catalisador da ideologia revolucionária, ali apresentada, discutida e aprovada”47.

Juarez Távora se colocou contra e apresentou outra proposta de linha mais nacionalista, embora ele tenha dito ser “partidário de uma concepção social-democrática para o governo brasileiro”.

“A maioria presente no plenário optou, entretanto, pelo radicalismo socialista, desprezando a generalizada tendência moderada que já se esboçara nas organizações partidárias de vários Estados – inclusive os do norte do país – através da formação de partidos social- democráticos [sic]. Houve mesmo quem ironizasse minha proposta qualificando-a de ‘o socialismo cor-de-rosa do Major Juarez’…

45 CARONE, Edgar, op. cit., p. 94. 46 CARONE, Edgar, op. cit., p. 95.

47 TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas. Memórias. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1976, 2.º vol., p. 66.

Minha decepção foi grande, diante desse desfecho. Maiores, porém, seriam minhas preocupações e desgostos posteriores. Como presidente ocasional do Congresso, tornei-me depositário provisório de seus arquivos e responsável pela ultimação de providências decorrentes de suas decisões – inclusive aquelas ligadas à fundação do Partido Socialista, da qual, por injustificável tolerância, deixei-me constituir, por algum tempo, uma espécie de presidente (…)”48.

Dainis Karepovs49 afirma que a situação caminhava mal porque, segundo documentos com depoimentos de outros militantes do PSB e que estiveram presentes ao Congresso Revolucionário de novembro de 1932, o manifesto publicado não fora o aprovado pelo plenário, havendo falsificação.

No manifesto publicado50 declarava-se que o Partido era resultado de um Congresso que pretendeu aprofundar os resultados da Revolução de outubro de 1930. O primeiro elemento revolucionário a ser aprofundado era a união nacional com o objetivo de superar os regionalismos e seus partidarismos prejudiciais à nação. A esse primeiro elemento nacionalista soma-se outro em que se pretendia estudar os problemas brasileiros sob orientações brasileiras.

O socialismo do novo partido anunciado pelo manifesto era explicitamente mais uma declaração de princípios e tendências que programático e sempre submetido à razão nacional e patriótica.

Afirmava que os componentes do partido eram aderentes à Revolução de 1930 desde seu início e declarava ainda a participação de muitos dos congressistas nos episódios desde 5 de julho de 1922 até o desenlace revolucionário em outubro de 1930.

O novo partido procurava ser uma negação do passado político da “República Velha”, visto como vicioso e artificial já que nela se praticava a cópia pura e simples de modelos institucionais estrangeiros, encorajou e praticou regionalismos desarticuladores e prejudiciais ao legítimo sentimento de união nacional.

O partido adotava do socialismo o que considerava adequado à solução da crise econômica e social brasileira, vista como reflexo da crise internacional, que era uma das conseqüências da I Guerra Mundial. Ela era uma crise estrutural geradora de queda da renda e do consumo e, conseqüentemente, de desemprego. A apropriação privada do

48 TÁVORA, Juarez. Op. cit., p. 67. 49 KAREPOVS, Dainis op. cit.

50 Manifesto do Congresso Revolucionário: fundação do Partido Socialista Brasileiro (dezembro de

1932). Apud, CARONE, Edgar. O tenentismo: acontecimentos, personagens, programas. S. Paulo: Difel, 1975.

lucro que aviltava a massa salarial incrementava-a ainda mais. A raiz do problema, na visão desses socialistas, estava na injusta divisão da riqueza.

Entretanto, alertava o manifesto que o partido nascente não era extremista: não era fascista, nem comunista, como o acusavam.

No que tange às questões social e política, o Partido Socialista Brasileiro aderia à sindicalização profissional de todas as classes – do proletariado à burguesia – e propunha a representação política como forma de combate ao regionalismo. Essa seria a forma de se introduzir pacificamente as transformações que se afiguravam “inevitáveis”, evitando-se a radicalização social.

Com esse sindicalismo em pleno funcionamento incentivar-se-iam e apareceriam outras ferramentas para a transformação da sociedade em direção ao “novo Brasil”; as cooperativas de produção, de crédito e de consumo. Essa prática seria o encaminhamento seguro da resolução de muitos dos problemas que afligiam o país, uma vez que os sindicatos e as cooperativas reativariam as forças econômicas e sociais necessárias à superação da crise51e para a edificação do “novo Brasil”.

Conquanto o manifesto declarasse que o PSB seria um partido nacional, acabaram sendo criados diversos partidos socialistas e, ou, social-democratas estaduais no Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Karepovs considera que essas organizações seriam ligadas aos tenentes nas respectivas interventorias estaduais. A relação desses partidos com o PSB era próxima ao federalismo, implicando em grande autonomia para cada um deles. O autor considera que isso indicava a força da cultura regional no país.

A maioria desses partidos, segundo Carone, nasce ligada ao sistema de Estado dominante e para atuar nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933. Mesmo quando elegiam deputados, desapareciam definitivamente algum tempo após as votações, ou se agrupavam com interesses oligárquicos dos estados nos quais foram criados. Os poucos membros que se ligaram a eles sinceramente, decepcionaram-se e ingressaram na ANL, quando esta surgiu.

51 O Brasil sofria os duros efeitos da Grande Depressão dos anos 1930, desencadeada pela Crise de 1929. Entre esses efeitos estavam a baixa da cotação internacional do café, nosso principal produto de exportação; desvalorização do mil-réis; dificuldades de importação e desemprego. É certo que diversos atos do Governo Provisório vinham amenizando os efeitos da crise econômica, mas ainda nos anos 1933- 35, eles eram sentidos com severidade, embora já em redução, como indicam diversos autores, entre eles Edgar Carone.

1.2 O general Waldomiro Lima e o Partido Socialista Brasileiro