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5. Rivalidades no Movimento Estudantil Universitário de Porto Alegre: Política

5.3 Passeata dos Bixos: expressão pública dos universitários

No ano de 1966, os universitários conquistavam o direito de realizar a “Parada dos Bixos”, realizada pelas Universidades como forma de celebração de reinício do ano letivo e espaço de crítica dos universitários. Essa atividade havia sido suspensa nos primeiros anos do Regime Militar. A conquista ganhava visibilidade através das representações de imprensa, conforme matéria:

Enquanto milhares de estudantes aguardam os resultados dos exames vestibulares, o Diretório Estadual de Estudantes comunicou, em circular expedida aos Centros Acadêmicos, que, em 1966 voltarão a ser realizados as tradicionais “paradas dos bichos”. Os desfiles de calouros — por sua conhecida irreverência — foram suspensos nos anos de 1964 e 1965, devido a injunções políticas405.

Neste trecho, o artigo, enquanto representação discursiva, deixa transparecer uma crítica à atividade do DEE por preocupar-se com atividades que não necessariamente correspondiam às expectativas dos estudantes, conforme trecho

“aguardam os resultados dos exames vestibulares”406.

405 “Passeata dos ‘Bichos’ Sairá Novamente em 66”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 3, 24 fev. 1966, quinta-feira.

406 Esse assunto ganhava visibilidade ainda na matéria: “CAAR Quer Novo Vestibular na Faculdade de Direito da UFRGS”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 3, 28 fev. 1966, terça-feira.

Reproduzindo a lógica do novo Regime, de preservação da moral cristã, no mês seguinte, destacava-se matéria:

Ficou deliberado que não haverá ação direta da Censura. Haverá uma auto-censura universitária, que impedirá piadas que atinjam pessoas ou que tenham características imorais407.

Assim, em reportagem, espaço neutro na lógica dos componentes das empresas jornalísticas analisadas, percebemos a legitimação do novo Regime. Na mesma lógica destacavam-se comentários após a realização da passeata:

Dezesseis Faculdades desfilaram nas passeatas dos “bixos” de 66 que teve a Filosofia vencedora com o tem a “Liberdade do Homem”. Quem não gostou da decisão do júri foi o sr. Antonio Ferreira, representante do secretário da Segurança, que manifestou sua “total desconformidade pela maneira como se apresentou a Filosofia”. [...] A sátira política foi violenta e ninguém desfilou embriagado408.

A representação apresenta uma crítica dos componentes da empresa jornalística ao protesto dos estudantes, qualificado de “violento”, ou seja, reproduzia-se a lógica dos componentes do Regime Militar de necessidade de manutenção da ordem. Esse tipo de representação, construído a partir da descrição de uma mobilização, torna-se importante uma vez que torna visível, portanto, socialmente existente, uma manifestação pública dos estudantes. No entanto, é importante destacar que a matéria legitimava o novo Regime e a estratégia de visibilidade adotada favorece a construção de determinada imagem simbólica do movimento estudantil universitário409.

407 “Bermudez Assegura a Livre Sátira Política na Passeata dos ‘Bichos’”. Zero Hora, Porto Alegre, p.

2, 18 mar. 1966, sexta-feira.

408 “Bichos do Jornalismo Visitam Zero Hora”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 32, 4 mar. 1966, sexta-feira.

409 Ainda sobre a passeata dos bixos, ganhavam visibilidade as matérias: “Filosofia: época não é para passeata de humor”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 2, 7 abr. 1966, quinta-feira; “Cobras e Lagartos”, Id., ibid., p. 7: coluna Informe Especial de Sérgio Jockyman, 5 abr. 1966, terça-feira; “Não houve policiamento nenhum na ‘Passeata dos Bichos’. Melhor — com muita polícia a gente fica sem garantia nenhuma”, Id., ibid., p. 19: coluna Oba Guaíba de Carlos Nobre, 5 abr. 1966, terça-feira; “O sr. Guilherme Schultz foi contra a frase da Geologia, vencedora na passeata dos bixos: ‘Nosso prédio é tão velho que o governador estudou nele’, com medo de se comprometer. [...]”Id, ibid., p. 19, 6 abr.

1966, quarta-feira; Id, ibid., p. 19, 6 abr. 1966, quarta-feira; “Frase pintada nas paredes da Universidade [Federal]: ‘ Menos passeata e mais cassetete. Seja lá quem foi que pintou, esqueceu de citar o autor: Adolf Hitler”, Id, ibid., p. 7: coluna Informe Especial de Sérgio Jockyman, 7 abr. 1966, quinta-feira.

Outra atividade de recepção dos calouros, no ano de 1966, os jogos dos calouros, causava polêmica entre as lideranças universitárias em função das disputas entre grupos estudantis politicamente rivais. O acadêmico Carlos Alberto Vieira, presidente do DCE da UFRGS, oposicionista acusava o estudante Paulo Gouveia da Costa, presidente do DEE, situacionista, de tentar para incluir os estudantes da PUC na atividade da Universidade Federal. Por sua vez, o acadêmico Conrado Alvares, secretário de Imprensa do DEE, afirmava que a iniciativa buscava ampliar a confraternização entre os estudantes410. Assim, ganhavam visibilidade as disputas políticas no interior do movimento estudantil universitário de Porto Alegre.

Conferindo visibilidade à passeata dos universitários que iniciavam o curso de nível superior, destacava-se matéria relatando a realização desta, dia 3 de abril, a partir das 14 horas, pelas ruas centrais da cidade:

Ao que informam os organizadores da passeata, a crítica política será livre, não e permitindo, no entanto, ofensas pessoais. Será exercida rigorosa vigilância sobre cartazes e ditos pornográficos, estando inclusive terminantemente proibido emprego do álcool, bem como o desfile de calouros que se encontrarem em estado alcoólico411.

Essa representação reproduzia o discurso dos componentes do Regime Militar, reafirmando o espaço de crítica por parte dos universitários.

No ano de 1967 destacava-se realização de reunião de presidentes de Centros Acadêmicos de Porto Alegre e de São Leopoldo, em preparativo à Passeata dos Calouros, na sede do Diretório Central de Estudantes da URFGS, coordenada pelo DEE, entidade de representação situacionista, com relação ao Regime

410 Essa disputa ganhava visibilidade nas matérias: “Denúncia”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 3: coluna Fatos e Boatos de Prado Magalhães, 9 mar. 1966, quarta-feira; “Universitária”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 3: coluna Fatos e Boatos de Prado Magalhães, 10 mar. 1966, quinta-feira.

411 “Passeata dos Bichos / Censura vai coibir os excessos estudantis”, Correio do Povo, Porto Alegre, p.9, 30 mar. 1966, quarta-feira. A passeata dos bixos tornava-se visível ainda na matéria: “’Parada dos Bichos’ vai abrir Semana de Turismo”, Correio do Povo, Porto Alegre, p.7: coluna Prefeitura Municipal, 10 mar. 1966, quinta-feira.

Militar412. A passeata dos calouros das faculdades porto-alegrenses no ano de 1967 ganhava visibilidade ainda conforme matéria:

A Secretaria de Segurança concedeu a necessária permissão para a realização da Passeata no domingo. Por outro lado, as entidades promotoras fizeram questão de obter por parte da Secretaria de Segurança Pública a liberdade para que sejam feitas críticas políticas dentro do espírito de humor que caracteriza o estudante, não devendo, no entanto, chegar à ofensa pessoal dos governantes. Os presidentes das Comissões de Integração dos Calouros das Faculdades formarão uma comissão de censura, liderada por um representante do novo DEE, a qual terá por objetivo eliminar todo o material que não condiga com o respeito moral necessário à passeata413. Nessa representação, é possível identificar a reprodução da fala dos componentes do Regime Militar de necessidade de ordem nas manifestações de rua. No entanto, na construção da matéria, as autoridades aparecem nomeadas, enquanto os universitários tornam-se visíveis apenas de maneira indireta, através do relato do jornalista.

A repercussão da passeata dos bixos de 1967 destacava-se na matéria:

A maioria das Faculdades adotou temas livres, com críticas marcadas ao aumento do custo-de-vida, espancamento de estudantes em Brasília. Um cartaz anunciava o DOPS como Departamento Organizado de Pancadas e Surras. Outro anunciou a presença em Brasília de um novo bibliotecário o sr.

K. Cetete. O pessoal da PUC criticou as condições da cidade universitária414. Dessa maneira, na lógica da neutralidade, a representação tornava visíveis as críticas dos universitários presentes na passeata415.

412 “Estudantes Tratam da Passeata dos Calouros”, Correio do Povo, Porto Alegre, p. 9: Casas de Ensino, 12 abr. 1967, quarta-feira. Sobre a passeata dos bixos de 1967, ganhava visibilidade ainda a matéria: “Calouros reúnem-se hoje para preparar passeata”, Correio do Povo, Porto Alegre, p. 9:

Casas de Ensino, 19 abr. 1967, quarta-feira.

413 “Passeata dos calouros em preparativo para domingo”, Correio do Povo, Porto Alegre, p. 11:

Casas de Ensino, 20 abr. 1967, quinta-feira. A realização da passeata dos bixos de 1967, apesar das rivalidades entre as lideranças situacionistas e oposicionistas, com relação ao Regime Militar, ganhava visibilidade ainda conforme matéria: “Amanhã Tem Parada Dos Bixos”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 2, 22 abr. 1967, sábado.

414 “Bixos Fizeram Protesto”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 1, 24 abr. 1967, segunda-feira; “Ninguém Escapou dos Bixos”, Id., ibid, p. 2.

415 Destacando as rivalidades entre as lideranças situacionistas e oposicionistas, com relação ao Regime Militar, ganhava visibilidade editorial apontando a cisão entre dois grupos de estudantes que prejudicara a qualidade do desfile: “Bixos”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 4, 25 abr. 1967, terça-feira. A rivalidade entre os universitários ganhava visibilidade na imprensa ainda na matéria: “Passeata dos calouros é sucesso mais uma vez”, Correio do Povo, Porto Alegre, p. 10: Casas de Ensino, 25 abr.

1967, terça-feira.

Em 1968, mais uma vez ganhava visibilidade a passeata dos bixos em matéria relatando os preparativos desta que deveria reunir os calouros das Faculdades de Porto Alegre, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Rio Grande416. Ainda sobre os preparativos da passeata destacava-se:

O tradicional desfile é promovido pelo Diretório Estadual de Estudantes que, com comissões montadas, está ultimando os trabalhos de organização da passeata. [...] O secretário de Segurança Pública, em palestra mantida ontem com a diretoria do DEE e com a Comissão de Organização da Passeata, disse – conforme relato dos estudantes – que não haveria censura prévia, e que os universitários têm liberdade para realizar a passeata. Frisou que a crítica política é livre mas, ao mesmo tempo, pediu moderação, sobretudo, nas que contenham ofensas pessoais ou atentem contra os costumes417. Ou seja, a representação, descrevendo os preparativos para a passeata, privilegiava o depoimento do Secretário de Segurança Pública em detrimento dos universitários que ganhavam visibilidade apenas de maneira indireta, no relato do jornalista. Ainda nesta lógica destacava-se matéria relatando a função da comissão de censura, constituída pelos universitários:

Referida comissão deve eliminar todo material que não condiga com os objetivos da passeata e promete que o material que eliminar mas voltar a ser colocado para o desfile (como tem ocorrido em outros anos), será destruído e o encarregado da faculdade responsabilizado. [...] Espera-se também que a comissão atue vigorosamente, eliminando ainda os quadros e cartazes de mau gosto, grosseiros e imorais, que muitas vezes empenaram, em anos passados, o desfile418.

Através dessas representações, é possível perceber que os componentes da empresa jornalística possibilitavam a construção de uma imagem simbólica dos universitários como agressivos, uma vez que, segundo a matéria, havia necessidade de coibir as ofensas quanto às autoridades e aos costumes. Neste sentido, reproduzia-se ainda na matéria a fala dos componentes do Regime Militar.

O resultado da passeata ganhava visibilidade conforme matéria:

416 “BIXOS SAEM COM CENSURA PRÓPRIA”, Zero Hora, Porto Alegre, p. 2, 25 abr. 1968, quinta-feira.

417 “PASSEATA DE CALOUROS VAI A IBÁ”, Correio do Povo, Porto Alegre, p. 13: Casas de Ensino, 27 abr. 1968, sábado.

418 “Calouros desfilam hoje pelo centro da cidade”, Correio do Povo, Porto Alegre, p. 12: Casas de Ensino, 28 abr. 1968, domingo.

A falta de entusiasmo dos “bixos” e a reduzida (comparada com anos anteriores) assistência de populares, caracterizou a passeata dos calouros do corrente ano, levada a efeito pelas ruas centrais da cidade no domingo. O tradicional desfile contou apenas com a participação das Faculdades e Escolas da URGS (com exceção de Ciências Econômicas e Odontologia) e da Escola Superior de Educação Física. [...] Os estudantes tiveram inteira liberdade para suas críticas, havendo, no entanto, a Comissão de Censura, constituída pelos universitários, deixado passar alguns cartazes imorais e de humorismo grosseiro. A crítica à situação internacional e à política brasileira foi a tônica característica da passeata, que igualmente criticou o atual estado de coisas da Universidade419.

A representação demonstrava uma crítica por parte dos componentes da empresa jornalística aos universitários participantes da passeata, uma vez que essa era desqualificada em trechos da matéria que apontam a pouca participação dos estudantes que eram ainda considerados imorais e grosseiros por criticarem a situação nacional e internacional. Assim, percebemos a utilização de uma estratégia de visibilidade diferenciada por parte dos componentes da empresa jornalística para abordar esse assunto.

Através da análise das representações construídas acerca das passeatas dos bixos porto-alegrenses percebemos a utilização privilegiada dos depoimentos das autoridades do novo Regime, enquanto os universitários apareciam apenas indiretamente, quando eram pelos primeiros, ou pelos jornalistas, referidos.

Destacamos ainda a homogeneidade do discurso das diferentes empresas jornalísticas analisadas, com relação a este assunto.