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Um melhor entendimento dos mecanismos de patogênese e fatores de virulência envolvidos está atualmente sob investigação com a disponibilidade das sequências genômicas, ferramentas genéticas e modelos animais que podem ser usados para diferentes estudos.

Os mecanismos moleculares da patogênese são ainda pouco compreendidos, sendo que atualmente poucos fatores de virulência que contribuem para a patogênese da doença foram identificados. De maneira geral, candidatos a fatores de virulência incluem LPS (que é um fator de virulência de bactérias gram-negativas), hemolisinas, proteínas de membrana externa (OMPs), bem como moléculas de adesão, uma vez que já é bem descrito que a interação do patógeno com a matriz extracelular pode desempenhar um papel central na colonização dos tecidos do hospedeiro (LJUNGH; MORAN; WADSTROM, 1996; PATTI et al., 1994).

O reconhecimento das leptospiras (e, por conseguinte, de seu componente majoritário, o LPS) em células murinas é mediado por receptores TLR4 (Toll-like receptor) e TLR2, ao passo que em células humanas esse reconhecimento se dá apenas por TLR2 (NAHORI et al., 2005; WERTS et al., 2001). Por isso, foi sugerido que o lipídio A do LPS das leptospiras, quimicamente particular (QUE-GEWIRTH et al., 2004), não é reconhecido por receptores TLR4 humanos, e por isso falha em ativar essa rota imune. Esta falta de reconhecimento em células humanas, mas não em murinas, pode resultar em uma ineficiência em montar uma resposta imune apropriada, levando à suscetibilidade à bactéria.

Mutações por transposons em genes da biossíntese de LPS afetaram a virulência das leptospiras. Um dos poucos mutantes obtidos (no gene LA 1641) sintetiza uma forma menor do LPS e é incapaz de causar infecção letal em hamsters (MURRAY et al., 2009a). Sabe-se que anticorpos anti-LPS conferem imunidade passiva em alguns modelos animais contra um número específico de cepas e espécies de Leptospira (FAINE et al., 1999).

Toma et al. (2011) demonstraram que L. interrogans é capaz de sobreviver, replicar e escapar de macrófagos de camundongo, o que possibilita sua disseminação em órgãos alvos. Li et al. (2010) mostraram que as leptospiras fagocitadas por macrófagos humanos são capazes de escapar dos fagossomos para o citossol, onde elas proliferam e ativam a via de apoptose dessas células, por meio da proteína se superfície Loa22 (WU et al., 2011), sabidamente um fator de virulência (RISTOW et al., 2007).

O uso de zebrafish (Danio rerio) como modelo para compreensão da patogênese das Leptospiras spp. foi recentemente descrito. Embriões deste peixe, que são bem transparentes, permitem a observação de células vivas em microscópio e também foram empregados em pesquisa de patogênese microbiana (NEELY; PFEIFER; CAPARON, 2002). Embriões infectados com L. interrogans se mostraram assintomáticos durante o inicio da infecção. Neste modelo, as leptospiras foram fagocitadas e sobreviveram dentro dos macrófagos, os quais se moveram para longe do local inicial da infecção, sugerindo um mecanismo

alternativo pelo qual a disseminação das leptospiras pode ser facilitada (DAVIS; HAAKE; RAMAKRISHNAN, 2009). Recentemente, foi identificada uma proteína, Mce, responsável pela adesão das leptospiras a macrófagos e sua respectiva invasão (ZHANG et al., 2012).

As leptospiras patogênicas provavelmente estão em contato com altas concentrações de espécies reativas de oxigênio induzidas pelo hospedeiro durante a resposta imune inata. Eshghi et al. (2012) mostraram que o gene KatE, anotado como a única catalase de Leptospira spp. patogênicas, codifica uma catalase funcional, que garante um aumento de sobrevivência das cepas patogênicas em relação as saprofíticas; em soma, a inativação do gene KatE nas cepas patogênicas diminuiu drasticamente a viabilidade destas bactérias na presença de H2O2 extracelular e reduziu a virulência em modelo animal de infecção aguda.

O fato das leptospiras formarem biofilme (RISTOW et al., 2008) pode representar um mecanismo de escape do sistema imune. De fato, biofilmes podem constituir uma barreira contra células e moléculas efetoras imunes, incluindo anticorpos e sistema complemento, representando um dos principais mecanismos de infecção persistente por Pseudomonas aeruginosa (KHARAZMI et al., 1991).

Muitos estudos em relação à aderência das leptospiras focam na ligação destas a componentes da matriz extracelular. Muitas cepas de Leptospira spp. se aderem a componentes da matriz extracelular, como colágeno tipo I, colágeno tipo IV, laminina e fibronectina (ATZINGEN et al., 2008; BARBOSA et al., 2006). Até o presente, muitas adesinas alocadas na membrana externa de leptospira já foram descritas, como as proteínas LigA e LigB (CHOY et al., 2007), proteínas da família Len (STEVENSON et al., 2007), Lsa21 (ATZINGEN et al., 2008), LipL32 (HOKE et al., 2008) Lp95 (ATZINGEN et al., 2009), TlyC (CARVALHO et al., 2009), LipL53 (OLIVEIRA et al., 2010), OmpL37 (PINNE; CHOY; HAAKE, 2010), Lsa63 (VIEIRA et al., 2010b), Lsa66 (OLIVEIRA et al, 2011), Lsa20 (MENDES et al, 2011), Lsa33 (DOMINGOS et al., 2012) e Lsa30 (SOUZA et al., 2012).

Moléculas de adesão celular (CAMs) são receptores de superfície presentes em células eucarióticas e medeiam interações célula-célula ou célula-matriz extracelular. Muitas bactérias invadem tecidos do hospedeiro por meio de sua habilidade de se ligar às CAMs (BOYLE; FINLAY, 2003; FINLAY; CROSSART, 1997). Nosso grupo descreveu a primeira proteína recombinante de L. interrogans, rLIC10365, com a capacidade de estimular o aumento da expressão de ICAM-1 em células endoteliais de cordão umbilical (VIEIRA et al., 2007). Outras proteínas recombinantes de L. interrogans foram caracterizadas quanto sua capacidade de aumentar a expressão de moléculas CAMs (GOMEZ et al., 2008).

Foi provado que as Leptospira spp. conseguem se ligar ao plasminogênio por meio de inúmeros receptores em sua superfície (VIEIRA et al., 2009; VIEIRA et al., 2010a), sendo este componente passível de ser convertido em sua forma enzimaticamente ativa, a plasmina, na superfície da bactéria. L. interrogans virulentas, quando recobertas por plasmina, foram capazes de degradar fibronectina, um componente da matriz extracelular, o que pode ser um fator que contribui para a invasividade das leptospiras.

Foi demonstrado também que a geração de plasmina na superfície das leptospiras interfere na deposição de C3b e IgG, provavelmente por meio da degradação destes componentes, o que diminui o processo de opsonização, contribuindo para a evasão imune da bactéria (VIEIRA et al., 2011).

O primeiro estudo reportando a evasão do sistema complemento por leptospiras patogênicas foi feito por Meri et al. (2005). Os autores demonstraram que as cepas de leptospiras resistentes ao soro são capazes de se ligar ao Fator H, o qual, quando ligado à superfície das leptospiras, permanece ativo funcionalmente, atuando como cofator na clivagem de C3b pelo Fator I (MERI et al., 2005).

Além de recrutar Fator H em sua superfície, as leptospiras também possuem a capacidade de se ligarem a C4bp (C4 binding protein), um inibidor da via clássica e das lectinas do complemento. O C4bp ligado às leptospiras mantém sua atividade de cofator, atuando na clivagem de C4 mediada por Fator I, indicando que a aquisição deste regulador do complemento pode contribuir para a resistência ao soro pelas leptospiras (BARBOSA et al., 2009). É valido ressaltar que a atenuação em cultura das cepas virulentas não afeta sua capacidade de se ligar a Fator H e C4bp (CINCO, 2010).

Wang et al. (2012) mostraram que cinco prováveis hemolisinas de L. interrogans (Sph1, Sph2, Sph3, HlpA e TlyA) são secretadas e possuem atividade hemolítica em eritrócitos de ovelhas, além de induzirem resposta inflamatória por meio da secreção de IL- 1 , IL-6 e TNF-α por macrófagos humanos e de camundongo.

Um melhor entendimento dos mecanismos de patogênese e identificação de fatores de virulência está atualmente sob investigação. No genoma de L. interrogans sorovar Copenhageni (NASCIMENTO et al., 2004a) foram identificadas mais de 200 proteínas possíveis de membrana externa, as quais podem estar envolvidas na patogênese da bactéria.