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Esquema 7. Síntese de benzalftalidas por fotólise.

1.6. PATOLOGIAS DE INCIDÊNCIA MUNDIAL: INTERESSES DA QUÍMICA MEDICINAL

O desenvolvimento de moléculas que possam ser protótipos de fármacos seguros, eficientes, com menores efeitos colaterais que os disponíveis no mercado, que possam ser administrados preferencialmente por via oral e com custos reduzidos para o tratamento das mais diversas

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patologias, tem motivado a pesquisa científica em Química Medicinal. Nesta perspectiva, o estudo de novas estruturas químicas com atividade em doenças de alta incidência mundial, como as negligenciadas, o diabetes e as leucemias, pode contribuir significativamente para a criação de tratamentos mais seguros e efetivos.

As doenças negligenciadas (DNs), em sua maioria, são doenças infecciosas, incluindo malária, tuberculose, doença do sono, doença de Chagas, úlcera de Buruli, dengue, leishmaniose, lepra, filariose linfática (elefantíase) e esquistossomose (DNDi 2009c). Afetam cerca de um sexto da população mundial (Kozikowski e Reitz, 2008; WHO 2009r) e são consideradas um problema global de saúde pública, aparecendo predominantemente em países de terceiro mundo (WHO 2009r). Com baixo poder aquisitivo e sem influência política, os pacientes e sistemas de saúde mais pobres não conseguem gerar o retorno financeiro exigido pela maior parte das empresas farmacêuticas (DNDi 2009c). A falta de medicamentos para essas doenças envolve não somente o limitado conhecimento científico sobre alvos terapêuticos eficientes, ou a lacuna entre a pesquisa básica e a pré-clínica, mas é resultante também das insuficientes políticas públicas voltadas para pesquisa e desenvolvimento de medicamentos de interesse nacional dos países em desenvolvimento, e também da falha de mercado, provocada pelo baixo interesse econômico que esses pacientes representam para a indústria farmacêutica, onde poucos recursos são investidos no desenvolvimento de novos agentes terapêuticos para DNs (DNDi 2009c).

Devido a essa situação de negligência, em 2003, foi criada a Drugs for Neglected Diseases

Initiative – DNDi (Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas), pelos Médicos Sem

Fronteiras e cinco organizações públicas de pesquisa (Kenya Medical Research Institute, Indian

Council of Medical Research, Malaysian Ministry of Health, Fundação Oswaldo Cruz e Instituto

Pasteur da França), além do PNUD/Banco Mundial/Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais da Organização Mundial de Saúde - OMS/TDR. A DNDi é uma organização sem fins lucrativos, cuja missão principal é pesquisar, desenvolver e disponibilizar medicamentos eficazes, adaptados e financeiramente acessíveis para o tratamento das DNs (DNDi 2009d).

No Brasil, além da participação do Instituto Oswaldo Cruz na DNDi, em setembro de 2009, implementou-se a Rede de Doenças Negligenciadas da Universidade de São Paulo (USP), que teve seu início marcado pela realização do I Simpósio de Planejamento e Desenvolvimento de Novos Fármacos para Doenças Negligenciadas (USP, 2009), contando com diversos pesquisadores engajados no desenvolvimento de novos fármacos para DNs. Esse interesse está representado por publicações na área de identificação de novos protótipos (Amaral e Montanari, 2002; Bastos et al., 2009), e deverá evoluir com novas descobertas de estruturas promissoras para estudos de fase pré- clínica.

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Além das DNs, o diabetes também causa a morte de milhares de pessoas anualmente no mundo inteiro, principalemnte em função das complicações relacionadas a ele – as comorbidades (Wild et al., 2004; INCA, 2009c). O diabetes é caracterizado principalmente pela hiperglicemia, que quando não tratada pode levar a complicações nos mais variados sistemas do organismo (Ball e Barber, 2003). Particularmente o diabetes tipo 2 (diabetes mellitus não-insulino-dependente), é uma doença metabólica crônica que resulta de defeitos na ação e secreção da insulina (American Diabetes Association, 2008), um hormônio secretado pelas células  do pâncreas, envolvido diretamente na homeostase da glicose no organismo (Rang et al., 2004). De acordo com a Organização Mundial da Saúde, há cerca de 171 milhões de pessoas doentes no mundo, 6,2 milhões não diagnosticadas e 41 milhões que poderiam ser consideradas “pré”-diabéticas (Wild et al., 2004; WHO 2009p).

Com uma incidência mundial siginificativa, o câncer é uma doença caracterizada pela proliferação e propagação descontrolada pelo corpo de formas anormais das próprias células humanas (Rang et al., 2004). As leucemias decorrem da proliferação descontrolada de células progenitoras imaturas na medula óssea, resultando em um acúmulo de células sangüíneas neoplásicas (Plasschaert et al., 2004). O câncer provoca 7 milhões de mortes a cada ano no mundo (12% do total mundial), sendo a segunda maior causa de mortes no Brasil, vitimando 141 mil pessoas em 2004 (INCA, 2009c). Mais de 5 mil pessoas morreram de leucemia no Brasil em 2007 (INCA 2009d).

Embora outras doenças sejam mais freqüentes e epidemiologicamente importantes, como as cardiovasculares e as enfermidades tropicais mencionadas anteriormente, tanto o câncer quanto o diabetes, também são cosiderados problemas de saúde pública (WHO 2009s, WHO 2009t). Assim, observa-se também a necessidade de focalizar a pesquisa aplicada ao desenvolvimento de novos fármacos com propriedades antileucêmicas e hipoglicemiantes.

Apesar das doenças mencionadas (tuberculose, doença de Chagas, leishmaniose, malária, diabetes e leucemia) apresentarem em comum significativa incidência mundial, e haver necessidade da determinação de tratamentos mais seguros e eficazes, cada uma delas apresenta características muito particulares, incluindo agentes causadores, formas de tratamento e alvos terapêuticos.

Devido ao fato de estas seis patologias serem alvos dos compostos planejados, sintetizados e descritos nesta tese e, para facilitar a leitura e compreensão deste material, através da aproximação da revisão bibliográfica sobre estes tópicos com a seção de resultados e discussão, esta tese foi organizada, a partir desta seção, da seguinte forma:

1) Inicialmente apresentam-se as justificativas e os objetivos (gerais e específicos) do trabalho.

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2) Posteriormente expõe-se a seção de resultados e discussão dividida em duas partes. Na primeira parte, relativa à síntese e caracterização dos compostos, apresenta-se a discussão dos resultados das sínteses das chalconas, ftalidas, imidazo-isoindóis e isoindolo-benzimidazóis. Na segunda parte, expõe-se a atuação dos compostos sobre os sistemas biológicos, envolvendo as seguintes patologias: leucemia, diabetes, tuberculose, doença de Chagas, leishmaniose e malária. Esta segunda parte é subdividida em sub- ítens referentes a cada doença, contendo inicialmente uma introdução, atualizando o leitor sobre o tema, seguida então dos resultados biológicos obtidos nesta pesquisa, bem como as discussões de relação estrutura-atividade.

3) Na continuidade, apresenta-se a seção experimental, dividida em duas subseções. Na primeira subseção estão descritas as metodologias de síntese dos intermediários e dos produtos finais, enquanto na segunda está a descrição das metodologias dos testes biológicos realizados.

4) Finalmente, relacionam-se as conclusões, perspectivas do estudo e as referências. 5) Nos anexos, disponibilizam-se:

i) a lista dos compostos sintetizados com seus nomes IUPAC; ii) os espectros de RMN de 1H e de 13C das estruturas inéditas;

iii) os espectros bidimensionais (COSY) e heteronucleares (HMBC, HMQC), com as

devidas correlações;

iv) os trabalhos científicos publicados e relação dos apresentados em congressos; e v) a cópia do título “Grado de Salamanca”, obtido pela escrita, apresentação e defesa da

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A descoberta de fármacos de grande importância, os chamados blockbusters, termo que designa fármacos com vendas anuais superiores a US$ 1 bilhão, é a base do desenvolvimento atual da indústria farmacêutica a nível mundial. Segundo Yunes e Cechinel-Filho (2007), durante a maior parte do século XX, as indústrias farmacêuticas foram caracterizadas pelo firme compromisso com a ciência, pela ética e pela individualidade, entretanto, estas qualidades parecem estar sendo gradativamente perdidas, pois a fusão de grandes empresas leva a uma uniformidade de pensamento, e o compromisso com a ciência é substituído pelo marketing comercial, onde a pesquisa e o desenvolvimento são direcionados à geração de blockbusters. Em 2006, os cinco maiores blockbusters da indústria farmacêutica foram, em ordem decrescente, a atorvastatina (Lípitor®, Pfizer, com vendas de US$ 13,3 bilhões), clopidogrel (Plavix®, Sanofi-Aventis, com vendas de US$ 6,4 bilhões), esomeprazol (Nexium®, Astra-Zeneca, com US$ 6,2 bilhões), fluticazona/salmeterol (Seretide®, Glaxo-Smith-Kline, com US$ 5,9 bilhões) e sinvastatina (Zoccor®, Merck, com US$ 5,5 bilhões). Estes fármacos representam três classes terapêuticas, com predominância daqueles indicados para doenças cardiovasculares e colesterol elevado (atorvastatina, clopidogrel e sinvastatina); as classes dos fármacos anti-úlcera (esomeprazol) e antiasmáticos (associação de fluticazona e salmeterol) completam a lista das moléculas mais valiosas do mundo (Barreiro e Fraga, 2008).

No cenário atual, a decisão de qual classe terapêutica será objeto de estudo depende do interesse das grandes indústrias farmacêuticas. Entre 1975 e 2004, dentre 1.556 novos medicamentos desenvolvidos, apenas 21 (1,3%) foram registrados para doenças tropicais (18) e tuberculose (3), mesmo que estas doenças constituam mais de 11% da carga global de doenças. Durante o mesmo período, 1.535 medicamentos foram registrados para outras enfermidades (Chirac e Torreele, 2006; DNDi 2009c). Assim, enquanto os países de primeiro mundo estão empenhados na busca de novos fármacos que geram grandes lucros, os países em desenvolvimento estão carentes, principalmente, por fármacos para o tratamento de doenças tropicais negligenciadas.

Atualmente, as pesquisas para obtenção de fármacos novos e seguros para as DNs precisam ser realizadas principalmente por instituições acadêmicas, que constituem a base para o desenvolvimento sustentável da indústria farmacêutica no país, e é encarando o futuro neste sentido que esta pesquisa volta-se às necessidades farmacêuticas nacionais. Continuando a linha de raciocínio e tentando esgotar as possibilidades de estruturas promissoras relacionadas aos compostos sintetizados pelo grupo de pesquisas Estrutura e Atividade, do Departamento de Química da UFSC, e que apresentaram atividade para doenças tropicais e infectivas (Correa et al., 1996; Lopez et al., 2003; Bergmann et al., 2004; Boeck et al., 2005; Chiaradia, 2006; Yunes et al., 2006; Andrighetti-Fröhner et al., 2009), considera-se de extrema relevância a busca por novos

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agentes que facilitem o tratamento de doenças negligenciadas como a tuberculose, doença de Chagas, leishmanioses e malária.

O grupo também têm trabalhado com o isolamento de produtos naturais e com a síntese de compostos análogos, com o intuito de desenvolver novos fármacos analgésicos (Cechinel-Filho et

al., 1996; Correa et al., 2001; Malheiros et al., 2001; André et al., 2006), antiinflamatórios

(Chiaradia et al., 2008), antioxidantes (Savi et al., 2005; Rosso et al., 2006), antitumorais (Navarini

et al., 2006), antileucêmicos e hipoglicemiantes, em colaboração com outros grupos acadêmicos da

Universidade Federal de Santa Catarina e de outras universidades brasileiras e estrangeiras.

Faz mais de 100 anos que Hermann Emil Fischer (1852-1919), químico alemão Prêmio Nobel de Química em 1902, usou o modelo da chave e fechadura para compreender a ação de uma enzima, analogia que posteriormente foi estendida para a ação de um fármaco (King, 1994), e a qual, acredita-se ser a base para o entendimento da ação das chalconas. As chalconas são estruturas simples, pequenas e de fácil obtenção, o que as torna atrativas para a indústria farmacêutica, que busca moléculas com estas características para a produção de novos fármacos; além disso, o esqueleto C6-C3-C6, presente nas chalconas, é reconhecido como uma estrutura privilegiada no planejamento e desenho de medicamentos (Polinsky, 2008). Embora centenário, o modelo de Fischer é utilizado até hoje, e antecipa o conceito de complementaridade molecular que existe entre um fármaco e seu receptor ou enzima alvo (Barreiro e Fraga, 2008).

Os estilbenóides naturais apresentam o esqueleto C6-C2-C6 e têm seu núcleo fundamental estruturalmente relacionado com o núcleo fundamental das chalconas, uma vez que o estilbeno é um precursor das chalconas naturais (Carvalho et al., 2001); particularmente as ftalidas podem ser utilizadas como intermediários de síntese para a obtenção de novas moléculas ativas.

A grande maioria dos compostos ativos deve seus efeitos à sua ligação específica a uma biomacromolécula ou alvo molecular (Yunes e Cechinel-Filho, 2001). O reconhecimento do receptor pelo fármaco, o planejamento racional deste e o estudo do mecanismo pelo qual tem sua ação, são importantes aspectos que formam as bases da Química Medicinal. Assim, buscando fundamentalmente moléculas com potencial terapêutico, e utilizando os princípios da Química Medicinal, os estudos envolvendo a síntese, identificação e caracterização de derivados heterocíclicos de estilbenóides (especialmente benzalftalidas e imidazo-isoindóis) e de chalconas, com posterior estabelecimento das relações entre estrutura química e atividade biológica dos compostos, podem possibilitar a obtenção de novos protótipos de fármacos para o tratamento de DNs, diabetes e leucemia, os quais podem contribuir com a redução dos índices de morbidade e mortalidade mundiais destas patologias.

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