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3. CONTOS DE MOREIRA CAMPOS: UM OLHAR FLAGRANTE DA

3.2.2.1. Patrões, Chefes e Funcionários

Nos contos ambientados em contexto urbano, boa parte dos protagonistas masculinos são caracterizados como homens maduros, letrados que geralmente têm uma boa estrutura familiar e financeiramente vivem de forma confortável, pois exercem funções públicas.

Nos contos publicados na revista Clã, muitos são os exemplos de personagens que são retratadas exercendo funções no trabalho. Assim como acontece nos contos de ambientação rural, onde há certo perfil nas relações de poder e trabalho, também ocorre nos contos de cenários urbanos uma regra para a composição dos perfis psicológicos das personagens, baseada na posição social que ocupam.

Assim, pode-se dizer que quanto maior destaque a personagem tiver no campo profissional, mais propensa a adotar um caráter duvidoso. Dessa forma, é possível dividir os tipos de acordo com sua posição profissional: há os que estão no topo, cujo poder no trabalho é refletido, algumas vezes, na vida pessoal: são geralmente os patrões, empresários ou negociantes; logo abaixo, estão os chefes, que estão em nível intermediário, ou seja, não exercem tanto poder quanto os patrões, mas têm poderes com os funcionários; e em seguida, os funcionários, que estão em nível mais baixo e que muitas vezes, são bajuladores dos chefes.

No conto “Suor e Lágrimas”, analisado anteriormente, a personagem Almeida é exemplo da figura do chefe: como trabalhava na Central de Polícia, mantinha um ar autoritário que se refletia também nas relações familiares, como quando a protagonista vai até a casa do chefe de polícia: “Havia nas coisas e nas pessoas um ar de disciplina [...]”(Sl, p. 46); “[...] a vigilância policial do dono da casa ganhava ali matizes domésticos [...]”(Sl, p. 46). Também usava seu poder e autoridade para beneficiar suas vontades mais inescrupulosas: “Enquanto Zuíla falava, os seus olhos percorreram-lhe, lentos, a mocidade do corpo como se quisessem desnudá-la [...]” (Sl, p. 47); “[...] a mesma impassividade fria e profissional. E, sobretudo, aquela mesma impertinência nos olhos, percorrendo-lhe as formas [...]” (Sl, p. 48); “Sou magnânimo quando há concessões.” (Sl

A protagonista Zuíla, à qual o narrador dá indícios da vida profissional logo no início do conto, é representante da classe funcionária: “[...] ia reclamar o cansaço da repartição [...]” (

, p. 48).

fato de ser mulher, e, sabe-se que naquela época, a mulher ainda era muito discriminada profissionalmente.

Em “Lama e folhas” o protagonista João Sampaio, está no topo da hierarquia das relações de trabalho, é representante dos patrões: “No escritório, fui largo e liberal com os empregados [...]” (Lf, p. 90). Também dá indícios de sua conduta com os empregados, tanto em casa, quanto no escritório: “[...] parece que as empregadas riem de mim. Corja!” (Lf, p. 90); “A essa gente [empregados] não se pode dar muita confiança. Sentem-se logo à vontade e no outro dia faltam ao serviço.” (Lf, p. 90); “Hoje estou preocupado, aborreço-me. Há um negociante às portas da falência, e o canalha me deve uma bolada. Comércio inseguro.” (Lf

Representando o funcionário, está o guarda-livros Ciríaco, cujo comportamento é corrupto, porém, a corrupção que faz é em prol do próprio reconhecimento profissional: “Possui o grande mérito de, numa cumplicidade espontânea, sonegar os meus ganhos, para a declaração do Imposto de Rendas.” (

, p. 94).

Lf, p. 90). Além de Ciríaco, o próprio protagonista, antes da ascensão, também passou pela experiência de subalterno e seguia convicções não muito corretas: “[...] consegui o lugar de escriturário num Banco. Como empregado, segui este lema: flexionava a espinha diante dos chefes e era autoritário com os humildes.” (Lf

No conto “Por cima dos muros”, Dr. Elói é um exemplo de profissional justo e correto: como juiz “[...] despachava processos ou dava audiências no foro [...]” (

, p. 92).

Pcm, p. 77); ainda no mesmo conto, o vizinho Climério também exercia função pública “era realmente sargento da aeronáutica” (Pcm, p. 82). Em “Nudez”, o protagonista, Dr. Marcos, se insere no nível de chefia: era “[...] diretor da repartição e presidente do Conselho de Curadores [...]” (Nu, p. 127); todavia, parecia esgotado com o trabalho, tanto que tinha costumes estranhos: “A sua grande compensação era andar nu por dentro de casa.” (Nu, p. 127); “[...] tinha a impressão (positivamente ingênua) de que a nudez o libertava de muita coisa[...]”(Nu, p. 128). No mesmo conto, há Dona Consuelo, representante da classe funcionária: “[...] secretária da repartição, [...] eficiente e judiciosa [...]” (Nu, p. 128), que também fazia questão de bajular o chefe: “Dizia que ele [o chefe] era um patrimônio moral [...]” (Nu,

No conto “O cachorro”, Seu Alfredo é “[...] funcionário público: dirige o posto fiscal [...]” (

p. 128).

Ca, p. 193) e o protagonista também é funcionário de um banco. Assim como a maioria das personagens que representam funcionários, aqui o protagonista também almejava grandes conquistas, tanto na vida profissional, quanto na pessoal: foi capaz de trocar a namorada,

moça de classe média, pela filha do prefeito: “[...] filha do prefeito Aniceto, quase dono do município, com duas ou três fazendas por aí [...]” (Ca

Alfredo Bosi, em ensaio sobre os contos machadianos, analisa o fator social que condiciona a busca pela ascensão através das relações amorosas, afirmando que:

, p. 194). Daí pode-se concluir que o autor deixou uma pista sutil das razões da troca: era mais conveniente para seu futuro estruturar uma relação firme com a filha do prefeito, do que continuar um namoro que não lhe renderia grandes retornos lucrativos.

[...] a maior angústia, oculta ou patente, de certas personagens é determinada pelo horizonte de status; horizonte que hora se aproxima, ora se furta à mira do sujeito que vive uma condição fundamental de carência. É preciso, é imperioso supri-la [...] pela consecução de um matrimônio com um parceiro mais abonado [...] Obviamente, a situação matriz é sempre o desequilíbrio social, o desnível de classe ou de estrato, que só o patrimônio ou matrimônio irá compensar. (BOSI, 2007, p. 76)

A busca de ascensão social através do matrimônio com um parceiro abonado é justamente a situação retratada no conto “O cachorro”, uma vez que, além de usar seu status profissional para conseguir prestígio junto à família da primeira namorada, também está subentendido que o término do namoro se deu porque o protagonista via a filha do prefeito como uma pretendente de mais valia.

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