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Paulo e os Presbíteros das igrejas gentílicas

Parte II Os Continuadores da Obra Apostólica

Capítulo 8 Paulo e os Presbíteros das igrejas gentílicas

Paulo e os Presbíteros

das Igrejas Gentílicas

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nomeação de presbíteros pelos doze para governar e pastorear as igrejas da Judeia, dando continuidade ao trabalho apostóli­ co, foi feita também por Paulo nas igrejas que ele fundou, de acordo com o livro de Atos. Ao final da sua primeira viagem missionária, Paulo passou, juntamente com Barnabé, pelas igrejas que haviam funda­ do na Galácia, nas cidades de Listra, Icônio e Antioquia, “fortalecendo a alma dos discípulos... e, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de “orar com jejuns” (A t 1 4 .2 2 -2 3 ). Esta foi a maneira prática encontrada para promover a edificação daquelas igrejas.

O modo da escolha e nomeação

A palavra “eleição” em Atos 14.23 significa, literalmente, “escolha por meio do levantar de mãos”. A construção da sentença não deixa claro se foram os apóstolos que escolheram os presbíteros,1 ou se foram as igrejas, 1

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por meio de votos, os quais foram depois confirmados pelos apóstolos, o que parece mais provável.2 Se levarmos em conta que a escolha de Matias para o lugar de Judas foi feita por meio da indicação de dois nomes da parte dos irmãos (A t 1.23), e que a primeira nomeação de oficiais (os sete diáconos) foi feita por eleição da igreja sob a supervisão dos apóstolos (A t 6 .1 -6 ), estabelecendo assim o precedente, é quase certo que os pres­ bíteros tenham sido escolhidos pelo voto dos irmãos, sob a orientação de Paulo e Barnabé, e por eles instalados no ofício. Este procedimento viria a servir de modelo para a nomeação de presbíteros por Tim óteo e Tito mais tarde (cf. lT m 3 .1 -6 ; T t 1 .3-6).

A tarefa dos presbíteros

O papel destes presbíteros era cuidar das igrejas, levando avante a obra pioneira do apóstolo Paulo. Nas palavras de Calvino, “Cristo não enviou seus apóstolos somente para pregar o Evangelho, mas ele também lhes determinou que ordenassem pastores, para que a pregação do Evan­ gelho fosse diária e perpétua”.3

Próximo do final de sua terceira viagem missionária, Paulo se en­ controu com os presbíteros de Éfeso na cidade de Mileto, de partida para Jerusalém (A t 2 0 .1 7 -3 8 ), Estes presbíteros haviam certamente sido instalados sob a sua orientação quando fundou a igreja na cidade, con­ forme a sua prática (A t 1 4 .23), embora disto não tenhamos registro. As orientações e instruções que Paulo lhes deu nestas palavras de despedida são bastante reveladoras do papel dos presbíteros, especialmente Atos 2 0 .2 8 -3 5 : eles haviam sido constituídos “bispos” sobre a igreja de Deus pelo Espírito Santo e deveríam “pastorear” o rebanho de Deus que lhes havia sido confiado (A t 2 0 .2 8 ). O seu trabalho principal seria enfrentar os “lobos vorazes” que haveríam de entrar no rebanho, “homens falando coisas pervertidas” com o objetivo de arrastar os crentes após si (A t 2 0 .2 9 - 3 0 ). Portanto, eles deveríam vigiar noite e dia, tomando como modelo o

2 Como defende, p. ex., Polhill, Acts, 319; Jamieson, Commentary, A t 14.23; Lange, Acts, 2 72. 3 Calvin, Acts, 27.

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trabalho do próprio Paulo entre eles, feito com lágrimas e sem buscar re­ compensas financeiras (A t 2 0 .3 1 -3 4 ). Deveríam também se lembrar dos pobres e necessitados entre eles, como Paulo ensinou com seu próprio exemplo (A t 2 0 .3 5 ). Paulo esperava que os presbíteros continuassem o trabalho que ele havia começado, pastoreando a igreja, enfrentando os falsos profetas, atendendo aos pobres e necessitados. A referência a eles como “bispos” (éjtlüKÓTrouç, A t 2 0 .2 8 ), que significa “supervisores”, mos­ tra que, além dos dois termos serem usados para indicar a mesma função (presbíteros e bispos, cf. Fp 1.1; lT m 3 .1 -2 ; T t 1.5 e 7 ), o papel dos pres­ bíteros era supervisionar as igrejas sobre as quais foram constituídos.4 Vemos também que Paulo entende que a designação deles para a função foi obra do Espírito Santo (A t 2 0 .2 8 ), mesmo que eles tenham sido elei­ tos como os presbíteros da Galácia, por meio de eleição promovida por Paulo (A t 14.23).

As qualificações dos presbíteros

N as cartas de Paulo, encontramos mais indicações daquilo que o li­ vro de Atos nos mostra. Os bispos (presbíteros) e diáconos são incluídos por ele entre os destinatários de sua carta à igreja de Filipos (Fp 1.1), o que mostra que o sistema de governo pelos presbíteros/bispos já estava estabelecido em todas as igrejas.5 De acordo com Jamieson, comentando Filipenses 1.1,

Enquanto os apóstolos estavam constantemente visitando as igrejas em pessoa ou por delegados, pastores regulares seriam menos neces­ sários. Mas, quando alguns apóstolos foram removidos por diversas

4 "Presbítero” tem origem no uso judaico das sinagogas e "bispo”, era um termo mais conhecido do mundo gentílico. Para os argumentos em favor da igualdade de bispos e presbíteros veja Lange, Acts, 2 22; John Peter Lange, Philip SchafF, et al., A Commentary on the Holy Scriptures: Phillipians (Bellingham, W A : Logos Bible Software, 2008), 12; Richard R . Melick, Philippians, Colossians, Philemon, vol. 32, T he New Am erican C om ­

mentary (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 1991), 50.

5 Melick corretamente observa que a carta aos Filipenses foi escrita pouco tempo antes de lTim óteo, onde as funções dos bispos/presbíteros e diáconos já são claramente reconhecidas e seus requerimentos, estabele­ cidos. cf. Melick, Philippians, Colossians, Philemon, 50.

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causas, tornou-se necessário providenciar uma ordem permanente nas igrejas. Daí as três cartas pastorais, na sequência da carta aos Filipenses, prover instruções quanto à devida nomeação de bispos e diáconos. Que os bispos e diáconos sejam saudados de maneira pro­ eminente, pela primeira vez, no início desta carta [Filipenses], está de acordo com esta nova necessidade das igrejas, quando os outros apóstolos foram mortos ou estavam longe, e Paulo passava muito tempo na prisão. O Espírito, portanto, dá a entender que as igrejas deveríam passar a depender de seus próprios pastores, agora que os dons milagrosos estavam passando e dando lugar à providência ordi­ nária de Deus. Também, a presença dos apóstolos inspirados, através de quem estes dons eram ministrados, estava sendo retirada.6

Mais tarde, Paulo orienta Timóteo sobre as qualificações necessárias para aqueles que aspiram ao episcopado (presbiterato), o que também nos revela que os presbíteros, além de irrepreensíveis, precisavam preencher requerimentos relacionados à sã doutrina, capacidade de ensinar, vida fa­ miliar e conduta pessoal, além de relacionamentos (lT m 3.1 -7 ).7 A tarefa deles era presidir e ensinar o rebanho, e aqueles que se dedicavam ardua­ mente no ensino deveríam ser reconhecidos pela igreja e receber “dobrados honorários” (lT m 5.17). Os presbíteros não poderíam ser acusados senão com base no depoimento de “duas ou três testemunhas” (lT m 5.19), mas, uma vez constatado que viviam em pecado, deveríam ser repreendidos diante de todos,“para que também os demais temam” (lT m 5.20).

Instruções similares são passadas a Tito. Ele deveria “constituir presbíteros” na recém-fundada igreja de Creta. Tito deveria cuidar para que eles cumprissem os requerimentos morais e espirituais necessários, especialmente alguém que fosse “apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino

6 Jamieson, Commentary, Fp 1.1.

7 Alguns acham que estes requerimentos foram exigidos por Paulo diante dos problemas doutrinários e morais causados por presbíteros em Efeso. Todavia, o mais provável é que Paulo esteja reforçando os requeri­ mentos gerais para o ofício. O s apóstolos tinham exigências morais e espirituais para todos que iriam ocupar ofícios nas igrejas, como os sete em Jerusalém (A t 6.1-6).

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como para convencer os que o contradizem” (T t 1.9). Este processo ocor­ ria mediante a eleição e nomeação de homens qualificados, conforme o modelo da eleição dos sete (A t 6 .1 -6 ) e a prática de Paulo (At 1 4 .2 3 ).

Tiago, o irmão de Jesus, líder dos presbíteros da igreja de Jerusalém, orienta os leitores de sua carta a, quando estivessem doentes, chamar os presbíteros da igreja para que orassem com eles, ungindo-os com óleo em nome do Senhor. Caso o doente confessasse seus pecados, eles seriam perdoados - embora não se diga que este perdão seria dado pelos pres­ bíteros (T g 5 .1 4 -1 5 ).8 As palavras de Tiago mostram que a presença de presbíteros nas igrejas, como pastores do rebanho, era generalizada entre as igrejas apostólicas.

O apóstolo Pedro escreve aos presbíteros das igrejas às quais sua carta era destinada, exortando-os em termos muito similares ao sermão de Paulo aos presbíteros de Éfeso (lP e 5.1 -4 ; cf. A t 2 0 .1 7 -3 5 ). Pedro os exorta a que pastoreiem o rebanho de Deus de maneira voluntária, como exemplos do rebanho, esperando a recompensa que haveríam de receber do Supremo Pastor, Jesus Cristo. Apesar de se identificar no início de sua carta como “apóstolo de Jesus Cristo” (lP e 1.1), ele se dirige aos presbí­ teros como sendo também presbítero: “rogo aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles” (lP e 5 .1 ).9 Não pode haver dúvida que os presbíteros aqui são os líderes oficiais das igrejas às quais Pedro escreve.10 11 Da mesma forma, o apóstolo João se apresenta em duas de suas cartas simplesmente como “o presbítero" (2Jo 1; 3 Jo l ) . 11

8 Essa passagem tem sido usada indevidamente, tanto para provar a extrema unção católico-romana como a unção com óleo para a prosperidade ou cura, nos cultos neopentecostais. Para uma interpretação da pas­ sagem, veja “Augustus Nicodemus Lopes” Tiago, em Interpretando o Novo Testamento (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), 173-180.

9 "Presbítero como eles" é a tradução de OüjnrpEaPÚTEpoç, que só aparece aqui no Novo Testamento. 10 Cf. Edward Gordon Selwyn, TLe First Epistle o f St. Peter (New York: Saint Martin Press, 1969), 228; Charles Bigg, 1 & 2 Peter, Ju de, em International Critical Commentary (Edinburgh: T & T Clark, 1901), 183; Leonhard Goppelt, Ferdinand Hahn, et al., A Commentary on 1 Peter (Grand Rapids: Eerdmans, 1993), 340; J. N. D. Kelly, A Com mentary on the Epistles o f Peter and o f Ju de (New York: Harper & Row, c l9 6 9 ), 196; PaulJ. Achtemeier, 1 Peter: A Commentary on First Peter (Minneapolis: Fortress, c l9 9 6 ), 3 2 1 -2 2 ; J. H . Elliott, "M inistry and Church Order in the N T : A Traditio-Historical Analysis (1 P t 5 , 1 - 5 & plls.)," CBO

3 2 (1 9 7 0 ): 371. ^

11 Estou assumindo aqui a posição histórica de que o apóstolo João é o autor de 1, 2 e 3 João. Para uma defesa desta posição, veja Carson, Introdução, 4 94-499.

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Conclusão

Essa identificação dos apóstolos como presbíteros sugere a proximi­ dade dos dois ofícios desde cedo na igreja cristã e reforça o nosso ponto, que os apóstolos estabeleceram presbíteros nas igrejas locais para serem os continuadores de sua obra fundacional, Conforme Schreiner observa,

Cada pedaço da evidência mostra que os presbíteros estavam espa­ lhados desde cedo pelas igrejas cristãs. Eles são mencionados por diferentes autores: Lucas, Paulo, Pedro e Tiago. Eles se encontram espalhados por uma região extensa do mundo greco-romano, de Je­ rusalém na Palestina, até a inteireza da Ásia Menor e Creta.12

Os doze apóstolos de Cristo e o apóstolo Paulo procederam des­ de cedo à nomeação de presbíteros nas igrejas cristãs, em Jerusalém, na Judeia e por todo o império romano. Esses presbíteros eram escolhidos pelas igrejas, sob a supervisão dos apóstolos ou de delegados por eles enviados, de acordo com determinados requerimentos espirituais, morais e relacionais. Diferentemente dos apóstolos, não se requeria deles que tivessem visto o Senhor ressurreto, que tivessem sido chamados direta­ mente por eles ou que realizassem sinais e prodígios.

Enquanto os apóstolos exerciam um ministério itinerante, os pres­ bíteros ou bispos eram encarregados de pastorear as igrejas, ensinar a Palavra de Deus, confrontar os falsos ensinos e os falsos mestres, orar pelos doentes, batizar os novos convertidos, cuidar das necessidades m a­ teriais dos pobres e supervisionar a expansão das igrejas em todos os lugares. Não lhes foi dada a missão de revelar novas verdades, mas de pre­ servar o ensino apostólico e edificar as igrejas na doutrina dos apóstolos. Esses líderes eram chamados de presbíteros (anciãos) porque a fun­ ção requeria a gravidade, seriedade e maturidade que naturalmente são próprias dos anciãos, uma associação muito clara na função de ancião

12 Thomas R . Schreiner, 1, 2 Peter, Ju de, vol. 37, The New American Commentary (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 2 003), 2 31.

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das sinagogas e membros do Sinédrio. Também eram chamados de bis­ pos (supervisores), um termo mais conhecido no mundo grego, porque sua tarefa era primariamente a de supervisionar o rebanho que lhes fora confiado por Deus. Esses dois títulos não indicam dois ofícios diferentes, mas dois aspectos da mesma função.

O Novo Testamento nos mostra de maneira clara que a intenção dos apóstolos de Jesus Cristo era que os presbíteros das igrejas locais preservassem os fundamentos da igreja por eles lançados e que conti­ nuassem a obra de edificação e expansão da Igreja de Cristo. E isto eles fariam preservando e propagando a doutrina dos apóstolos, recebida quer pessoalmente ou por meio de seus escritos, e não por meio de uma sucessão ininterrupta de homens. A apostolicidade da igreja reside na sua aderência à doutrina dos apóstolos e não numa sucessão de apóstolos.

Os apóstolos não nomearam apenas um presbítero ou bispo para cuidar de uma igreja, mas uma pluralidade deles. Assim, cada igreja tinha seus presbíteros ou bispos. O conceito de bispo, como um líder dentre os presbíteros é um desenvolvimento posterior ao tempo dos apóstolos, e não tem fundamento bíblico, como bem observa João Calvino, que diz que o ofício de bispo “se originou num costume humano e não repousa na autoridade da Escritura”.13 Ê o que veremos em seguida.

13 John Calvin and William Pringle, Commentaries on the Epistles o f Paul the Apostle to the Philippians, Colos-

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